Portugal
André André: o choro, o "colinho" do mister e o sono pós-festão
2018-07-05 21:30:00
Este médio cumpriu, contra o Benfica, o sonho de uma vida.

Pode chamar-lhe André. Ou André. Ou André André. É dono de um dos nomes mais engraçados do futebol português, fruto de ser filho de um ex-craque do FC Porto cujo apelido é André. Acabou por ficar André André e esta repetição permite-nos repetir outras coisas: é "craque craque", é um reforço "muito bom muito bom" para o Vitória de Guimarães e tem histórias "muito boas muito boas". Já agora, este nome é chato para um pobre jornalista cujo documento de Word insiste em não aceitar esta repetição de nomes.

Fomos à procura de histórias e falámos com Rui Figueiredo e Emanuel Fortunato, ex-colegas e amigos de André André que, ao Bancada, nos falaram do médio. Começamos já a abrir, com uma história que envolve lágrimas. Rui Figueiredo, ex-colega no Varzim conta que André tem mau perder, sobretudo nas peladinhas dos treinos. Traz-nos uma história, com ilustração e tudo.

“Nós tínhamos um grupo privado no Facebook, no qual gozávamos uns com os outros. Um dia, pusemos uma foto dele – em montagem, claro – em que ele está ao colo do preparador físico. É que o André detestava perder peladas e, quando perdia, começava a "chorar". Era o nosso preparador físico quem apitava as peladas e tentava sempre ajudá-lo”.

Choros à parte, o facto é que André André, pelo que nos dizem os ex-colegas, sempre foi um líder. Nascido há quase 29 anos em Vila do Conde, este nortenho sempre jogou à bola no Varzim. Entrou ainda sub-13 e, apesar de uma breve passagem pelos juniores do FC Porto, não descansou enquanto não chegou aos seniores do seu Varzim. É filho de António André, sete vezes campeão nacional no FC Porto.

Quisemos saber quem é o André Filipe Brás André. A pessoa, não o craque. Lembra-se da história do mau perder? Emanuel Fortunato assume que André “sempre foi bastante competitivo e, mesmo em qualquer brincadeira de amigos, faz tudo para ganhar. Essa faceta nota-se muito na sua vida profissional”. O amigo fala-nos ainda de um “um pai e marido muito dedicado, com um estilo de vida tranquilo e muito chegado aos amigos e família”. “É extremamente leal e honesto, diz sempre aquilo que pensa e essa frontalidade já lhe trouxe alguns dissabores num mundo cheio de bajulações fáceis”, acrescenta.

Já Rui Figueiredo fala-nos da tal vertente de liderança e da humildade. “Era o nosso capitão, num plantel com inúmeros jogadores na casa dos 29/30 anos, que já tinham jogado em primeiras e segundas ligas. O André sempre se evidenciou pelo seu caráter forte e direto e pela sua maturidade, apesar da idade que tinha. É muito humilde e é muito fácil gostar dele”. Aproveitando a conversa da liderança e maturidade, vamos lá a mais uma historinha, novamente à boleia do Rui Figueiredo.

“Há uma que mostra o capitão que ele era. Nós tínhamos quatro meses de salários em atraso, no Varzim, e lembro-me de que o presidente veio ao balneário pedir compreensão. O André, sempre em defesa do grupo, dizia ao presidente que, em vez de falar, que pagasse aos jogadores. Caso contrário, nem treinaríamos, o que, depois, acabou por acontecer. Ele ganhou respeito de todos nós, por sempre nos defender como capitão que era”.

É a tal coisa de ser bom em tudo

Quantas vezes já ouviu aquele clássico cliché futebolístico que diz “epa, o gajo não é espetacular em nada, mas é bom em tudo”. André André será dos jogadores portugueses que melhor encaixa nesta descrição.

Não é homem de fazer muitas assistências, não é homem de ser um goleador furtivo nem é homem de pegar na bolinha e ir por ali fora para resolver um jogo. Em suma, não é daqueles que entra nas estatísticas. Mas atenção: ele sabe finalizar. Exemplo disso são os 12 golos na última temporada de Vitória e os seis na primeira de FC Porto. Mas aceitemos que, na verdade, não é um homem de estatísticas. Emanuel Fortunato define-o como um jogador que “não é vistoso”. “Não é um jogador 'vistoso', mas tem uma leitura de jogo acima da média e é bastante eficaz”.

André André sempre mostrou ser um dos médios portugueses mais completos. No fundo, sabe fazer um bocadinho de tudo, quer na posição de segundo médio, num meio-campo a dois, quer como interior numa zona média com três homens. Rui Figueiredo fala-nos de um jogador “que pensa muito mais à frente do que qualquer outro”. “Antes de a bola lá chegar, ele já sabe o que vai fazer”, explica, antes de acrescentar: “É um jogador inteligente, com uma técnica excelente, passa bem, tabela bem e recebe sempre orientado”.

A cereja no topo do bolo vem agora. André André nasceu no litoral do país, numa terra de gente do mar. “Ele é forte nos duelos e tem a raça daquelas gentes do mar, dispara Rui Figueiredo.

Pois bem, este é um bom gancho para explicarmos que, apesar de pequenino (tem 1,74 metros), André não é apenas um craque forte na circulação, no passe e na descoberta de soluções em zonas de decisão e criação. É, também, um jogador forte na pressão sem bola – Sérgio Conceição chegou a usar bastante esta capacidade de André, antes de Sérgio Oliveira pegar – e, sobretudo, com noção dos momentos de subir a linha de pressão e dos momentos de fazer contenção. Um jogador inteligente, tal como destacou o ex-colega no Varzim.

O que falhou?

Sim, o FC Porto deixou sair André André. É impossível negar que o jogador foi considerado a mais no plantel portista, mas é também impossível negar que foi alguém muito importante nas últimas três temporadas do Dragão.

Emanuel Fortunato lembra o impacto que chegou a ter na equipa, até a marcar golos decisivos. “Penso que no FC Porto criou um impacto imediato, que o levou a marcar golos importantes – Benfica e Chelsea – e a chegar à seleção nacional”Por falar em golos importantes… o tal golo ao Benfica, foi, possivelmente, o grande momento de André com a camisola do FC Porto. Foram 15 dias loucos, com a estreia na Champions, um golo ao Chelsea e um golo ao grande rival, no Dragão, nos últimos minutos do clássico. "Uma sensação única. Todos os golos têm sensações únicas, mas, nos últimos minutos - e contra o maior rival -, foi a cereja no topo do bolo. Fazer um golo num clássico pelo clube do meu coração foi sempre o que sonhei", disse, em 2017, ao jornal "O Jogo".

Posto isto, o que falhou? O ex-colega de André recordou os problemas físicos que o médio chegou a ter e as opções do treinador portista. “Infelizmente, sofreu com a pubalgia ao longo da primeira época e ter apressado a recuperação acabou por lhe custar um bom final de temporada e o início da época 16/17 a 100%”, começa por lembrar, acrescentando: “Cada treinador tem as suas opções, mas, mesmo não jogando tantas vezes quanto ele certamente gostaria, quando foi chamado à competição o André esteve a bom nível. É muito valorizado pelos colegas”.

Prometendo não maçar, é importante fazer um pequeno perfil cronológico. Já falámos da formação e chegada a sénior no Varzim, mas não falámos da ida para Guimarães. O jogador esteve três temporadas no Vitória, algo que justificou, na apresentação como jogador, o evocar de “um regresso a casa”. Aliás, o próprio jogador chegou a dizer, ao jornal "O Jogo", que tem três clubes no coração, especialmente o Vitória. "A estreia contra o Vitória foi uma mistura de sentimentos. O Varzim, o Vitória e o FC Porto são os clubes que estão no meu coração. Ainda hoje acompanho o Vitória, vejo todos os jogos em casa e sinto-me vitoriano", disse, em abril de 2017.

Depois do Vitória (pelo qual venceu uma Taça de Portugal), já sabemos. Três temporadas de FC Porto – sempre com, pelo menos, 25 jogos realizados – e um campeonato conquistado. Aliás, por falar em conquista, André André esteve na berlinda, durante os festejos do título dos dragões, no final da última temporada. O jogador levou os festejos bem a sério e foi gozado por alguns colegas. Mas caramba: se era para festejar, era para festejar a sério! O André é que sabe andar nisto.

Bate lá tu isso, oh André!

A terminar, mais uma historinha. André André já mostrou, durante a carreira, que se sente confortável a bater bolas paradas. Livres laterais, em Guimarães, deverão ser todos dele, tal como os cantos. E até nos penáltis o homem já chegou a mostrar qualidade. Algo que nem sempre foi assim, como nos conta Emanuel Fortunato.

"Há uma história, que ele também gosta de contar, que se passou num jogo de infantis. O mister Cacheira escolheu o André para marcar um penálti durante o jogo e, como ele nunca tinha batido, recusou. Avancei eu e falhei. No final do jogo, o mister deu-lhe uma "dura" por não ter assumido aquele penálti e, a partir daí, começou a ser ele a bater e tornou-se o especialista que é hoje”.