Portugal
A tua cara não me é estranha. Eis o final de mês de Benfica e Vitória de Setúbal
2017-11-16 15:30:00
Benfica e Vitória enfrentam-se em três ocasiões nos próximos onze dias. Uma série relâmpago, com paralelo no passado

Benfica e Vitória de Setúbal enfrentam-se no próximo sábado, numa partida a contar para a quarta eliminatória da Taça de Portugal. Repetem-no no dia 26, novamente na Luz, mas para a Liga. Três dias depois enfrentam-se pela terceira ocasião num espaço de onze dias, dessa feita no Bonfim, para a Taça da Liga. Serão apenas mais três jogos ou estas séries acabam por afetar a abordagem dos intervenientes? Três jogos entre as mesmas equipas em apenas onze dias é uma situação muito rara. Mas já existiram séries idênticas, até mesmo entre encarnados e sadinos. Quem as viveu sublinha que os jogadores, sobretudo dos grandes, podem não gostar de “ver sempre as mesmas caras, os mesmos jogadores, as mesmas marcações”. Mas do lado dos “pequenos”, acaba por haver sempre “motivação extra”.

Contudo, o facto de estarmos a falar de três competições diferentes pode “influenciar e determinar o contexto de cada jogo”. Ao contrário da década de 90, onde Benfica e Vitória viveram experiência semelhante, mas numa altura onde ainda não existia a “moda da rotatividade”, agora, as equipas podem gerir o plantel de acordo com a situação e a competição em que querem apostar. No entanto, o terceiro jogo pode ter um condimento extra. “Os dois primeiros resultados poderão ter influência no terceiro jogo. Se, eventualmente, existirem dois resultados negativos vai ser uma questão de tudo ou nada no terceiro para a outra equipa, porque pode haver o incómodo de não querer perder três vezes seguidas”, sublinha ao Bancada Vítor Paneira, que como jogador do Benfica experienciou por duas vezes na década de 90 esta versão de “A tua cara não me é estranha”, entre águias e setubalenses.

A última vez que algo idêntico se sucedeu entre os dois clubes foi em 1994/95, embora não com tanta proximidade como agora. Entre 12 de fevereiro e 12 de abril Benfica e Vitória enfrentaram-se três vezes. O Benfica ganhou no Bonfim para o campeonato. Depois registou-se um empate na Luz, após prolongamento, para os quartos da Taça de Portugal, a 29 de março. Por fim, as águias perderam no desempate no Bonfim e foram eliminadas da Taça. Já em 1989/90, as equipas enfrentaram-se três vezes entre 13 de dezembro e 4 de fevereiro. O Benfica começou por vencer um jogo em atraso da primeira jornada do campeonato e no mês seguinte venceu novamente no Bonfim, também para a Liga. No entanto, uma semana depois caiu no Bonfim, nos 16 avos-de-final da Taça.

Vítor Paneira foi titular em todas essas seis partidas e sublinha a diferença de agora para a época. “Na altura havia sempre a preocupação de encarar as competições todas da mesma maneira. Agora, há a moda da rotatividade, que acaba por alterar um pouco o que será a postura das equipas. Se compararmos as equipas dessa altura, poderia existir uma ou outra mudança, mas a forma de preparar era exatamente a mesma. Poderia corrigir-se, de um jogo para o outro, alguma coisa em que as equipas tivessem sido menos fortes. No entanto, não havia as tecnologias que há agora para preparar os jogos. Hoje em dias temos tudo sobre uma equipa, não há grandes surpresas”, realça o antigo médio encarnado, agora técnico e comentador televisivo.

“Para nós, jogadores, não era muito bom enfrentar duas vezes seguidas a mesma equipa. No meu caso, não me agradava muito jogar duas ou três vezes seguidas com a mesma equipa, sempre a ver as mesmas caras, os mesmos jogadores e as mesmas marcações. E havia sempre dificuldade em jogar com o Setúbal, especialmente no Bonfim”, recorda Vítor Paneira. O outro lado da moeda é dado por Tó Sá, antigo defesa do Vitória, que atuou nas três partidas de 1995. “A perspetiva é um pouco diferente porque jogar no Benfica e defrontar o Vitória de Setúbal é totalmente diferente do inverso, mesmo que seja por mais que uma vez. Existe sempre uma motivação diferente em jogar contra um grande. Para quem joga numa equipa de menor dimensão é sempre uma motivação extra”, salienta Tó Sá ao Bancada.

Ainda assim, o antigo defesa, que agora é técnico, admite que para os treinadores das equipas que enfrentam os grandes, possa existir vantagem neste tipo de séries, até por se tratarem de competições diferentes. “A gestão por parte do treinador do Vitória de Setúbal acaba por ser mais fácil, porque, à partida, o grande favorito é o Benfica e há alguma carga e responsabilidade por parte dos jogadores. E, possivelmente, é chato para um jogador do Benfica enfrentar várias vezes a mesma equipa, mesmo tendo conhecimento aprofundado do adversário”, frisa Tó Sá.

“A vantagem é sempre da equipa grande, até porque hoje em dia conhecemos as outras equipas ao pormenor”, contraria Vítor Paneira. Penso que o Benfica é favorito nos três jogos, até porque o Vitória não atravessa um bom momento. O Benfica faz dois jogos na Luz e, depois, a importância do jogo da Taça da Liga depende dos objetivos que as equipas ainda tenham na competição. Acredito que vai haver uma preparação normal, como acontece nos jogos do campeonato, em que as equipas querem sempre vencer”, ressalva. Apesar do antigo jogador acreditar no triunfo do Benfica nos três jogos, a verdade é que tal nunca aconteceu neste tipo de séries.

O Vitória conseguiu sempre contrariar os encarnados em alguma das situações. Até em 1969/70, numa época em que José Augusto estava no banco das águias. Entre 15 de fevereiro de 1970 e 22 de março o Benfica perdeu por 3-2 na primeira mão dos 16 avos-de-final da Taça no Bonfim, venceu por 2-1 na Luz para a Liga, e deu a volta à eliminatória da Taça na segunda mão, com um triunfo por 2-0. Os sadinos, já com José Couceiro ao leme, também viveram algo idêntico no ano passado, mas frente ao Sporting. Num período de um mês enfrentaram os leões por três vezes: a 3 de dezembro perderam por 2-0 em Alvalade para a Liga. A 14 de dezembro perderam no Bonfim, por 1-0, nos oitavos-de-final da Taça de Portugal. Mas a 4 de janeiro, venceram em casa por 2-1, na fase de grupos da Taça da Liga, seguindo em frente na prova e deixando o Sporting pelo caminho.

A atípica temporada de 2013/14

Em 2013/14, quando Jorge Jesus ainda comandava os destinos do Benfica, a equipa encarnada viveu uma temporada peculiar no que diz respeito a estas situações. Na reta final da época as águias enfrentaram o FC Porto por três vezes em menos de um mês, entre 16 de abril e 10 de maio – vitória na segunda mão das meias-finais da Taça de Portugal, empate e vitória nos penáltis no Dragão nas meias-finais da Taça da Liga e derrota para o campeonato. E em pouco mais de um mês também enfrentaram o Rio Ave, entre 7 de abril e 18 de maio. Aí, aconteceu a única série 100 por cento vitoriosa: triunfo na Liga, na final da Taça da Liga e na final da Taça de Portugal.

Contudo, nessa época houve mais uma “trilogia” de jogos frente ao mesmo adversário num curto espaço de tempo. Aconteceu entre 4 de janeiro e 1 de fevereiro frente ao Gil Vicente. Duas vitórias para Taça de Portugal e Taça da Liga e, no último jogo, um empate em Barcelos para a Liga. Vítor Vinha alinhou pelos gilistas nos dois primeiros encontros e fala num fator que pode ter feito a diferença para o terceiro encontro. “Por vezes, nestes jogos há um relaxamento das equipas grandes, o que possibilita que os pequenos se galvanizem e discutam o resultado”, garante-nos o antigo lateral.

“A preparação é diferente de jogo para jogo, porque todos os jogos são diferentes. São três competições diferentes, o que influencia e determina o contexto do jogo.”, começa por dizer-nos Pedro Pinto, que era adjunto de João de Deus no Gil Vicente, nessa época. “Na Taça não tínhamos nada a perder, tudo o que conseguíssemos era um feito. Na Taça da Liga foi para cumprir calendário, pois já não tínhamos possibilidades. Já o jogo do campeonato foi preparado para conseguir pontos e conseguimos. É possível que o terceiro jogo possa ter decorrido com algum facilitismo do Benfica, por já ter vencido os outros dois jogos com facilidade. Talvez do ponto de vista mental os jogadores podem ter facilitado, mas duvido que o Jorge Jesus não soubesse que em Barcelos nenhum jogo era fácil. Ele conhecia o campeonato e sabia como eram este tipo de jogos”, argumenta Pedro Pinto.

Por fim, Vítor Vinha estabelece a diferença de abordagens entre as equipas, embora acredite que todos pensem apenas na vitória. “Existe uma motivação adicional por si só. As equipas grandes têm mais qualidade individual e isso ajuda a resolver muitos problemas que se possam colocar. Já uma equipa pequena tem de resolver os problemas coletivamente”, afirma Vítor Vinha, que atualmente integra a equipa técnica da Académica.