Portugal
A história do boicote dos bancos ao Sporting é "conversa fiada"
2018-11-22 22:25:00
O Bancada esteve à conversa com Camilo Loureço e ficou a saber mais sobre empréstimos obrigacionistas

Mas o que é um empréstimo obrigacionista? Terá o Sporting sido alvo de sabotagem por parte dos bancos que avisaram os seus clientes para o risco das obrigações leoninas? O que irá fazer o Sporting com os cerca de 26 milhões de euros angariados nos últimos dias? Foi com estas e outras questões em mente que o Bancada contactou Camilo Lourenço. Ficámos a saber a diferença entre obrigações e ações e que a história do boicote é “conversa fiada”: “O que aconteceu foi que os bancos estão muito apertados e, para além de ter a obrigação de avisar os seus clientes, não podem vender gato por lebre.”

Perguntámos a Camilo Lourenço que trocasse por miúdos esta história de empréstimo obrigacionista. Será que é o mesmo que comprar ações de uma SAD ou é uma outra forma de conseguir financiamento?

“Um empréstimo obrigacionista é como ir pedir dinheiro emprestado a um banco, mas neste caso pede-se dinheiro a quem tem dinheiro para investir. Emitem-se títulos e as pessoas compram. Estes títulos, por sua vez, dão direito a uma remuneração.”

E para ficar claro: qual é diferença relativamente à venda de ações?

“Esta remuneração é distinta da remuneração das ações. Uma ação é uma parte de uma empresa. Uma obrigação é um título de dívida, portanto, o que os investidores recebem do emitente, que neste caso é a SAD do Sporting, é uma taxa de juro.”

Sendo um empréstimo obrigacionista, quer dizer que o emitente está obrigado a pagar aos investidores. E quais serão as consequências caso a empresa que emitiu um empréstimo obrigacionista não consiga cumprir com os prazos?

“É comum ouvir dizer que não há  risco em investir em obrigações, o que não é verdade. Não há sempre a certeza de se vir a receber. Porquê? Porque a certeza de receber depende da solvabilidade do emitente. Ou seja, é preciso que a empresa realize dinheiro para pagar os custos, o que pode não acontecer. Aliás, houve casos recentes, com o Banco Privado Português, em que os detentores de títulos não receberam dinheiro.

Se a empresa que emitiu o empréstimo obrigacionista não cumprir com os prazos entra em default. Se os investidores quiserem pedir a falência da empresa podem fazê-lo. Aliás, esse espetro pairou no ar em maio, quando o Sporting não tinha dinheiro para reembolsar a emissão obrigacionista que vencia nesse mês. E é essa que está a ser feita neste momento, cujo encaixe está destinado a amortizar essa emissão de obrigações.”

A verdade é que o Sporting não é caso único. A dificuldade dos grandes clubes em pagar os empréstimos que contraem obriga-os a fazer outros empréstimos.

“Se formos ver as emissões de FC Porto, Sporting e Benfica, de há dez anos a esta parte, notamos que as emissões vão sendo cada vez maiores, porquê? Porque servem para amortizar emissões anteriores. Ou seja, nenhuma das SAD´s está a gerar o cash suficiente para, por si só, amortizar as emissões que fez. Ora, isso é mau sinal.”

E o Camilo, vê-se a investir neste mercado?

“Nas últimas duas semanas muita gente me perguntou se eu ia comprar obrigações do Sporting, e eu respondo sempre da mesma maneira: eu não confundo o meu coração com a minha cabeça. O meu coração é clubístico, a minha cabeça é racional. Portanto, para mim, é um investimento com muito risco. No caso da emissão do Sporting há um risco elevadíssimo.

Se formos ver o prospeto que o Sporting depositou na CMVM aquilo está cheio de avisos vermelhos, nem sequer são amarelos. Por exemplo, esta emissão de obrigações não tinha rating. Ninguém deu nota a esta emissão, o que é uma coisa perigosa. O Sporting está sem rating neste momento. O rating é uma nota que diz o grau de fiabilidade de eu devolver o dinheiro que estou a pedir emprestado. E no caso do Sporting há muitos outros aspetos a ter em conta. Há uma série de processos dos quais o Sporting pode sair muito mal. Além de não receber nada pelos passes dos jogadores que saíram, pode ainda ser alvo de processo desses jogadores.”

Sobre a possibilidade de o Sporting ter sido alvo de boicote, Camilo Lourenço foi perentório.

“Isso é conversa fiada. É conversa de dirigentes de futebol. Os bancos, hoje em dia, estão apertadíssimos pelo Banco de Portugal e pela CMVM. Ou seja, quando os bancos vendem títulos nos seus balcões têm de informar cuidadosamente os clientes dos riscos que correm. Nós tivemos muitas situações nos últimos dez anos gravíssimas porque as coisas foram muito mal explicadas pelos bancos.

Portanto, no caso do Sporting, quem é a pessoa de bom senso que vai dizer ao seu cliente assim: ‘Olhe pegue no seu depósito a prazo e vá investir nas obrigações do Sporting’. Isso era um crime se fosse feito dessa maneira. O que aconteceu foi que os bancos estão muito apertados e, para além de ter a obrigação de avisar os seus clientes, não podem vender gato por lebre.”

E o que fará o Sporting com os cerca de 26 milhões de euros angariados?

“Ora, uma parte deste empréstimo obrigacionista do Sporting é para reembolsar e outra parte é para a atividade operacional e eu suspeito que uma parte dessa atividade operacional seja o reforço da equipa agora no mercado de inverno. Não me surpreende também que possa ser para pagar ordenados, mas isso faz parte da atividade operacional.”