Prolongamento
Uma visita guiada pela cidade dedicada a 100% ao futebol
2018-09-21 22:00:00
O Campo das Salésias, antigo estádio do Belenenses, é uma paragem obrigatória

Há uma nova forma de conhecer a história do futebol português ao mesmo tempo que descobre novos recantos de Lisboa. A Vintage Football City Tour tem organizado passeios a pé por locais importantes com ligações futebolísticas na zona de Belém, com especial foco na história do Belenenses, prometendo "os sítios e os vestígios de um futebol de outros tempos, as histórias, os monumentos, os antigos campos e as sedes de clubes e coletividades". Com um programa preparado para portugueses e turistas, o objetivo é alargar os locais visitados e até partir para outras cidades do país. Tudo para saber mais sobre o futebol popular e as bases da modalidade em Portugal.

O projeto foi criado por André Silveira, Ricardo Cadima e Eupremio Scarpa. O último dos três, Eupremio, é italiano, está em Portugal desde 2001 e falou com o Bancada e explicou como tudo aconteceu.

“Somos três amigos que se conheceram por causa do futebol. Cruzei-me com o André porque tínhamos amigos em comum e íamos a Alvalade na mesma altura e o Ricardo também tinha amigos em comum comigo. Começámos logo a falar de futebol. Eu gosto imenso de história em geral. Sempre gostei imenso de futebol, da história do futebol. Quando tinha seis anos era um cromo que sabia tudo dos campeonatos que o Inter ganhou. Quando cheguei a Portugal andei a ver como era o movimento futebolístico aqui. Conhecia o Benfica, o Sporting, o FC Porto e o Boavista, que tinha jogado uma vez contra o Inter. Comecei a ler sobre os clubes mais antigos, as coletividades”, começou por dizer Eupremio.

Tudo começou em 2016, quando o primeiro roteiro foi montado pelos três amigos quando perceberam que partilhavam da mesma paixão pelo futebol antigo. Esse roteiro é o que ainda está ativo, com o próximo passeio a acontecer já este domingo, 23 de setembro, a troco de dez euros. A duração é de cerca de duas horas com duas paragens e o projeto é dedicado aos que não se contentam com a típica visita aos grandes estádios e museus da Europa. Mas não só: o facto de se falar muito de história nestes passeios convenceu os criadores a pensarem também nas pessoas que não gostam de futebol mas que se interessam pelo passado da cidade.

O cartaz do passeio deste domingo (Facebook Vintage Football City Tour)

“O nosso público alvo, primeiro, são as pessoas que gostam de futebol. Mas também queremos pessoas que não gostam de futebol para perceberem como o futebol se cruza com a história de Portugal. O futebol começa a desenvolver-se com a implementação da República porque passou a ter-se o domingo de folga, por exemplo. As pessoas começaram a poder jogar e ver futebol nesse dia”, contou Eupremio ao Bancada, explicando o que diferencia estas visitas guiadas daquelas que são organizadas pelos clubes. “Tour de futebol, já há. Vais a Alvalade, vais ver o Museu do Sporting... Até podes fazer sozinho. Nós queremos mostrar algo mais, com pesquisa histórica e até arquitetónica. É uma coisa que não há em lado nenhum, procurei em sites europeus. Há visitas aos estádios de agora, não há aos estádios antigos.”

Em dois anos, a Vintage Football City Tour organizou cerca de 15 passeios, com grande parte deles a acontecer no primeiro ano. Funcionam bastante consoante a procura e são muito procurados por turistas que passam férias em Lisboa e aproveitam para saber mais sobre o futebol português. Alguns até viajam para Portugal só para visitar estádios. Em dois anos fizemos uns 15, acho. Fizemos muito no primeiro ano, uns sete ou oito. “Fizemos com portugueses, claro, italianos, espanhóis, ingleses, holandeses, austríacos... Uma boa parte eram estrangeiros, principalmente os que pediram marcação individual.”

Não tendo qualquer tipo de parceria com clubes ou qualquer outro tipo de entidade, a Vintage Football City Tour depende apenas de si própria. Contudo, os três amigos vão tentar convencer as Juntas de Freguesia das zonas por onde passa o roteiro a instalar placas que ajudassem os passeios e as visitas guiadas. Uma parceria com o Belenenses também seria benéfica para o projeto, dada a importância do clube do Restelo no roteiro.

“Gostávamos que alguns sítios onde passamos, que são lugares históricos, pudessem ter algumas placas, mesmo que fossem pequeninas. Estamos a preparar uma proposta para fazer às Juntas de Freguesia. (…) Tentámos falar com o Belenenses no início, mas era a guerra entre clube e SAD não ajudou. Esperámos que a situação acalmasse, mas acabou por ficar pior. Agora, talvez, tenhamos a possibilidade de fazer algo em conjunto com o clube. Era muito bom entrar no estádio, que é lindíssimo, mas também na sala de troféus, que é um tesouro. As pessoas iam a ficar a saber coisas que não sabem sobre o Belenenses.”

Um dos passeios (Facebook Vintage Football City Tour)

Mesmo dedicando-se bastante ao projeto, André, Ricardo e Eupremio têm outros empregos e não vivem da Vintage Football City Tour, o que acabou por atrasar ligeiramente a evolução de uma ideia que, garantem-nos, não lhes custou um único cêntimo para além de algumas impressões e dos livros utilizados para pesquisa.

“Começámos há dois anos, mas cada um de nós tem um emprego. Tivemos medo de crescer mais e não ter tempo para dar oferta à procura. Agora estamos a investir mais, criar mais contactos. Queremos dar resposta a todas as solicitações que estamos a ter. A única coisa que investimos foi na impressão das fotos que mostrámos nos roteiros. E depois temos uns brindes que oferecemos. Estamos a investir muito é em livros, começamos a ter uma biblioteca muito interessante, mas comprámos com o nosso dinheiro. Temos livros da história do Sporting de Tomar, do União de Tomar, do Marítimo...”, disse Eupremio, que tem como hábito procurar ‘tesourinhos’ nas bancas de livros nas estações de metro em Lisboa. Já teve sorte e encontrou raridades a preços acessíveis. “Encontrei uma história fotográfica do Sporting a 15 euros, um livro de quase 300 páginas. É maravilhoso. Há sites que já fazem o apanhado da bibliografia dos clubes, o que me ajuda a ver o que é que posso encontrar. Tenho amigos que me ligam a dizer que encontraram livros, pedi a uma amiga para me encontrar um livro do Marítimo na Madeira. Reparámos também que a Feira da Ladra é uma grande mina de material. Encontro revistas antigas, fotos... Encontrei calendários para os resultados dos anos 50.”

Apesar de estar a estudar novos roteiros dentro da capital (um em Alcântara, outro “na zona do Oriental” e ainda um focado apenas nas equipas dos distritais), a Vintage Football City Tour não se quer ficar só por Lisboa. Cidades como o Porto, Évora, Setúbal, Barreiro ou Aljustrel interessam a Eupremio, seja pelo elevado número de clubes históricos ou pelas histórias curiosas que já ouviu ou leu. “No Porto é preciso ir e ficar algum tempo para estudar. Já recolhi imenso material da cidade do Porto, dos estádios do Porto. Porque a cidade não é só o FC Porto, há imensos clubes. Outra cidade que tem muita história e material é Évora, com o Lusitano, o Juventude, o movimento dos anos 20... Setúbal é outra zona com um grande historial de futebol. É ter tempo e por as ideias em prática.”

No final, Eupremio Scarpa contou ainda uma das histórias que os clientes da Vintage Football City Tour vão ouvir durante o roteiro e o passeio. Esta é do século XIX e envolveu D. Carlos I. “Em 1894 houve um jogo entre uma equipa que era, digamos assim, o FC Porto, e o Lisbonense. Houve essa taça que foi oferecida por D. Carlos I, que era um fanático de futebol. O jogo era no Porto e ele devia estar presente para entregar a taça. Ele não apareceu durante toda a partida, chegando já no final do jogo. O jogo terminou, mas os jogadores jogaram mais dez minutos, sem estar a contar, só para o rei ver futebol [risos]”, referiu.