Prolongamento
Uma final em que os golos pouco valeram e uma regra mudada ao intervalo
2018-06-22 20:00:00
O Marítimo tinha vantagem sobre a Ovarense no conjunto das duas mãos (7-5), mas o delegado ordenou prolongamento

Quando pensamos que já vimos de tudo, eis que surge o futebol português com mais uma das suas peripécias. E o que vamos contar aqui até podia ser uma situação caricata, daquelas que nos faz rir à grande, se não mexesse com os sentimentos de muita malta. Então é assim: imagine uma final a duas mãos, o Marítimo vence, em casa, a primeira por 6-3, e a segunda mão é ganha pela Ovarense, por 2-1. Até aqui tudo normal. O twist bizarro nesta história acontece quando o delegado da FPF ao jogo manda que se jogue prolongamento. A Ovarense acabaria por ser a única equipa a marcar nesses 30 minutos sendo-lhe entregue o título de Campeão Nacional de Promoção.

Vamos lá então explicar o que se passou  no dia 17 de junho, data da segunda mão da final para apuramento do Campeão Nacional de Promoção do futebol feminino.

Trocando por miúdos: Marítimo e Ovarense terminaram as respetivas séries como líderes, o que lhes garantiu logo a subida ao primeiro escalão, e para apurar o campeão nacional do segundo escalão disputou-se uma final, entre os dois clubes, a duas mãos. Até aqui tudo bem. O problema surgiu ao intervalo do jogo da segunda mão, em Ovar, quando o delegado da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) informou os clubes de que a final seria decidida num sistema de pontos. Isto é, a vitória valeria três pontos, e o número de golos deixaria de ser relevante.

Por essa altura, a Ovarense vencia por 1-0, ou seja, de acordo com o que ficou estabelecido numa reunião, no dia do encontro da segunda mão, a equipa de Ovar teria de marcar mais dois golos e não sofrer nenhum para levar o jogo para prolongamento. Só que não. O Bancada foi tentar perceber o que aconteceu e contactou as três partes envolvidas e até à hora da publicação deste artigo, apenas o Marítimo prestou declarações. A FPF rejeitou comentar o assunto e as tentativas de contacto com a Ovarense não deram resultado.

“Tivemos todos reunidos antes do jogo da segunda mão, delegados da federação, clubes e árbitros. Ficou decidido por unanimidade que a final seria decidida por diferença de golos, ou seja, se a Ovarense vencesse por três golos de diferença, o jogo ia para prolongamento, se vencesse por quatro ou mais era campeã e qualquer outro resultado daria o título ao Marítimo”, disse, ao Bancada, Hélder Freitas, diretor do departamento de futebol feminino do Marítimo.

O insólito aconteceu então.

De acordo com o treinador da equipa feminina do Marítimo, Nuno Reis, ia a caminho do balneário, no intervalo, quando soube da mudança de planos: “Antes do jogo foi dito às atletas que o jogo só ia a prolongamento se a Ovarense ganhasse por uma diferença de três golos e no intervalo o delegado vem com esta alteração. Íamos a entrar no balneário quando o meu diretor me chamou para ir lá dentro porque tinha havido uma alteração qualquer”, revelou ao Bancada, Nuno Reis.

Alguma coisa mudou entre o momento da reunião, com todas as partes presentes, antes do início do encontro e o intervalo do mesmo. Mas o quê?

“Depois da reunião, o delegado enviou um mail para a federação porque estava com dúvidas nos golos fora. Ora, depois vem com a informação, já no intervalo, que se a Ovarense ganhasse por qualquer resultado, o jogo ia a prolongamento”, explicou-nos o diretor do departamento de futebol feminino do Marítimo. “O regulamento é claro, diz que nas finais a duas mãos vence quem tiver mais pontos e em caso de empate remete para os regulamentos da competição que vai ao pormenor dos golos”, acrescentou Hélder Freitas.

O Bancada deu uma vista de olhos no Regulamento do Campeonato Nacional de Promoção de Futebol Feminino e e reparou que no capítulo II (Organização Técnica), artigo 11.º diz que "o formato da competição é definido através de comunicado oficial publicado até 31 de agosto de cada época desportiva". O Bancada encontrou o comunicado oficial, publicado a 16 de agosto de 2017, e leu o seguinte: “Na 3ª fase da prova - FINAL, as equipas vencedoras de cada uma das 2 Séries da 2ª Fase, jogarão entre si duas vezes e por pontos, uma na qualidade de visitada e outra na qualidade de visitante, para apuramento de Campeão. Em caso de empate no apuramento do vencedor destes jogos da Final, serão aplicados os critérios dispostos no art.º 12º do Regulamento da Prova."

De regresso ao Regulamento do Campeonato Nacional de Promoção de Futebol Feminino e ao artigo 12.º.

Artigo 12.º Classificação e desempates

  1. Com vista a determinar a classificação dos Clubes em cada Fase referida no artigo anterior, adota-se a seguinte tabela:
  2. a) Vitória - 3 pontos;
  3. b) Empate - 1 ponto;
  4. c) Derrota - 0 pontos.
  5. Quando, no final das Fases referidas no artigo anterior, existam Clubes em situação de igualdade pontual, o desempate será efetuado de acordo com os seguintes critérios e ordem de preferência:
  6. a) O maior número de pontos alcançados pelos Clubes empatados, nos jogos que realizaram entre si, na fase da Prova em causa;
  7. b) A diferença entre o número de golos marcados e o número de golos sofridos pelos Clubes empatados, nos jogos que realizaram entre si, na fase da Prova em causa;
  8. c) A maior diferença entre o número de golos marcados e o número de golos sofridos pelos Clubes empatados, nos jogos realizados na fase da prova em causa;
  9. d) O maior número de vitórias na fase da prova em causa;
  10. e) O maior número de golos marcados na fase da prova em causa;
  11. f) O menor número de golos sofridos na fase da prova em causa.
  12. Se, após a aplicação sucessiva dos critérios enunciados no número anterior, ainda subsistir uma situação de igualdade, será observado o seguinte:
  13. a) Tratando-se de dois Clubes em situação de igualdade:
  14. i) Um jogo em estádio neutro, designado pela FPF;
  15. ii) Subsistindo a igualdade, será feito um prolongamento de 30 minutos, dividido em duas partes de 15 minutos, sem intervalo, mas com mudança de campo;

iii) Se ainda subsistir a igualdade, o vencedor será apurado através da marcação de pontapés de grande penalidade.

  1. b) Tratando-se de mais de dois Clubes em situação de igualdade:
  2. i) Será realizada uma competição, na qual todos os Clubes jogarão entre si apenas uma vez, em estádio neutro, designado pela FPF;
  3. ii) Se, no final desta competição, se mantiver a igualdade, são observados os critérios previstos no número 2.
  4. Os resultados obtidos em cada jogo consideram-se tacitamente homologados 15 dias após a realização dos mesmos, sem prejuízo do disposto no Regulamento Disciplinar da FPF.
  5. O disposto no número anterior não prejudica a aplicação de sanções disciplinares decorrentes dos jogos realizados.
  6. Nas finais jogadas a “duas mãos”, se no final do tempo regulamentar do segundo jogo o resultado estiver empatado no conjunto das “duas mãos” é realizado um prolongamento de 30 minutos, dividido em duas partes de 15 minutos, em intervalo, mas com mudança de campo.
  7. Quando no final do prolongamento a igualdade subsistir, os clubes procedem a um desempate através de pontapés marca de grande penalidade, em conformidade com as Leis do jogo.

A questão prende-se com a interpretação do ponto 6. do artigo acima referido. O Marítimo já enviou o protesto à Federação Portuguesa de Futebol alegando que apesar do empate em pontos - uma vitória para cada equipa -, a final não estaria empatada no que a golos diz respeito, uma vez que no conjunto das duas mãos (antes do prolongamento), a vantagem de 7-5 daria o título aos madeirenses. Já a FPF faz uma leitura diferente da dos insulares e por isso atribuiu o título à Ovarense.

Mas mais do que interpretações díspares do mesmo regulamento, o que fica desta trapalhada é a forma pouco profissional como tudo foi conduzido pelos responsáveis da Federação Portuguesa de Futebol. Afinal de contas, é de um título nacional de que estamos a falar e de uma regra de importância capital que foi alterada no intervalo de uma final.

Assim vai o futebol português.