Opinião
Um oásis nos Arcos
2017-12-15 15:10:00

O projeto-Rio Ave foi das melhores coisas que aconteceram ao campeonato português nos últimos tempos e o triunfo nos Arcos contra o Benfica é mais um reflexo disso. Os rioavistas têm feito um percurso com sustentabilidade diretiva ao longo dos anos mais recentes, sabendo que na era de Pedro Martins a equipa foi ganhando ordem e estrutura. Porém, a pedrada no charco veio com Luís Castro, autor de uma proposta de jogo baseada numa maior valorização da bola. Miguel Cardoso não destoou dessa tese e trabalha o Rio Ave com bastante requinte, a ponto de terem eliminado o Benfica da Taça de Portugal. Hoje, o Rio Ave é justamente considerado um oásis pelo futebol singular que impõe no campo, independentemente do emblema adversário. 

Audaz e inegociável, o registo de jogo vila-condense acompanha as tendências atacantes de algumas das equipas mais empolgantes no circuito europeu. Em Espanha, são vários os conjuntos que apelam mais insistentemente a uma troca de bola com mais coragem no passe pelo chão, com apoios muito bem facultados para favorecer um avanço criterioso para a baliza, com possibilidade de criar perigo mais flagrante. Em Portugal, isso tem sido raro. 

Miguel Cardoso é irredutível quanto à manutenção desses princípios e exige que não haja desvios ou desconfianças sobre o caminho definido. E quanto melhor Cardoso comunicar e os jogadores entenderem a razão por que fazem as coisas daquela forma, mais próximos ficam da uniformidade no padrão de jogo para uma maior consistência. 

O jogo contra o Benfica demonstrou tudo isso. Na primeira linha de pressão, Guedes, com uma resistência invulgar, marca o tempo de pressão para encostar os defesas-construtores do oponente às cordas, seguindo-se os colegas em cadeia, de forma sincronizada e intuitiva. Já no momento de posse de bola, é notável a quantidade de apoios frontais conseguidos no corredor central. Pelo meio, chegando à zona ofensiva, obtém-se mais possibilidade de desferir o último passe e fortalece-se a capacidade criativa. Pelé até pode nem ser o centrocampista mais refinado, mas tem normalmente mais do que uma opção de passe viável, proporcionada pelos movimentos constantes de desmarcação no tempo certo de Tarantini, Geraldes, Ribeiro, Guedes e Novais, que nesse aspeto transmite mais esclarecimento que Barreto, mais apto para assegurar profundidade e agitação. 

Foi um dos exercícios mais aliciantes do Rio Ave v Benfica: olhar para os movimentos de desmarcação dos rioavistas do meio-campo para a frente, sobretudo os de Ribeiro e Geraldes, com pequenas fintas de mudança de direção que paralisavam momentaneamente o adversário que tinham mais perto de si. Degrau a degrau, no campo, o Rio Ave conseguia transportar a bola pelo chão porque os recetores sabem encontrar o tempo e o espaço certo para se mostrarem ao colega que possui a bola. 

O Rio Ave tem dinâmicas ímpares para um clube da sua dimensão em Portugal. Não vão ganhar os jogos todos, mas a ideia essencial do modelo de Cardoso está longe de assentar numa obsessão pela vitória. Existe interesse natural na vitória, mas, no pensamento coletivo, é mais decisivo manterem o espírito de jogo uniformizado, com enfoque no controlo e num futebol que acaba por ser entretido. E aí até ficarão mais perto do golo que os coloca mais perto de ganhar jogos.