Opinião
Ulisses e as sereias do mercado
2018-08-25 14:00:00
Pippo Russo é um jornalista e sociólogo italiano que escreve no Bancada ao quarto sábado de cada mês.

Estamos prestes a deixar para trás uma edição do mercado estival de transferências que será digna de registo. Não tanto pelos negócios concluídos e por aqueles que ainda o serão, mas pelo timing particular que foi imposto às conversações. Como se sabe, dois dos principais mercados nacionais encerraram as transferências quando estavam a iniciar-se os respetivos campeonatos: o inglês, isto é, o mais rico em absoluto, e o italiano, que mesmo não sendo já tão dominante como foi outrora, está sempre entre os que mais gastam a contratar no estrangeiro.

Esses dois mercados já encerraram, em resposta a um pedido vindo sobretudo dos treinadores, que tantas vezes se lamentaram pela precariedade dos grupos com que preparam a época desportiva no Verão, que tantas vezes os levou a terem de redesenhar a ideia de equipa já depois de o campeonato ter arrancado. Para os treinadores da Série A e da Premier League, o encerramento antecipado do mercado foi, portanto, uma ótima notícia. Mas se olharmos para lá do interesse corporativo de uma classe muito limitada de sujeitos, como deveremos interpretar esta decisão tomada em Inglaterra e Itália?

No meu ponto de vista, há que fazer duas ordens de considerações. A primeira prende-se com o equilíbrio competitivo entre os clubes que operam no mesmo mercado de transferências global mas têm à disposição timings diferentes. Parece evidente que quem tem mais 20 dias para operar no mercado está em vantagem sobre quem os não tem. E a vantagem é a possibilidade de corrigir imediatamente os erros de avaliação que foram cometidos na construção do grupo – uma possibilidade que deveria ser satisfeita na abertura invernal do mercado de transferências, mas que no entanto é oferecida a esses clubes que podem prolongar as negociações até 31 de Agosto. E acerca deste aspeto considero que o equilíbrio competitivo não seria garantido dando a todos a hipótese de prolongar as negociações até 31 de Agosto, mas sim fazendo valer para todos a regra que encerra os mercados na véspera do início dos campeonatos. Seria a fórmula mais justa e levaria os clubes a uma maior atenção na construção dos plantéis durante o período de abertura de mercado.

A segunda ordem de considerações respeita aos efeitos da redução da despesa gerada pelas escolhas feitas em Inglaterra e Itália. Já vos disse acima que a pressão para se chegar a esta solução veio sobretudo dos treinadores. Mas seria ingenuidade acreditar que a vontade deles tenha sido determinante numa escolha política com tanto peso. Os treinadores não contam assim tanto. A eles, cabe-lhes trabalhar com o grupo de jogadores que lhes colocam à disposição. Deve por isso concluir-se que o encerramento antecipado do mercado de transferências em Inglaterra e Itália foi uma decisão tomada de acordo com o interesse dos clubes. Se esta medida não fosse conveniente para estes, nunca teria sido assumida.

Mas se as coisas são de facto assim, é preciso perguntar o que terá levado os proprietários dos clubes ingleses e italianos a impor a si mesmos uma medida limitativa da sua força competitiva no confronto com clubes concorrentes, como os espanhóis, os alemães, os franceses ou os portugueses. Para esta questão, não existe uma resposta certa. Mas podemos encontrar uma plausível: estes proprietários de clubes, que estão entre os maiores gastadores (dissipadores?) de dinheiro no mercado de transferências, decidiram impor um limite a si mesmos. E como não conseguem fazê-lo com o mercado aberto, optaram pela via mais drástica de encerrar o mercado. Como Ulisses, decidiram fazer-se amarrar ao mastro principal para não cederem ao canto das sereias.

É um sinal de força? Sim, se partirmos do princípio que uma das nossas maiores forças é a admissão das nossas debilidades. Uma admissão que é o primeiro passo para poder combatê-las. Continua por resolver o facto de que os clubes dos campeonatos mais ricos não são capazes de disciplinar-se nos gastos a não ser limitando a sua própria liberdade. Uma escolha que, a longo prazo, não funcionará. E fico muito curioso por verificar se daqui a um ano os clubes ingleses e italianos voltarão a amarrar-se com a corda de Ulisses ou se voltarão a dissipar alegremente dinheiro até ao último minuto do dia 31 de Agosto.

Pippo Russo é um jornalista e sociólogo italiano que escreve no Bancada ao quarto sábado de cada mês.