Opinião
Se Jorge Mendes quer a SAD do FC Famalicão...
2018-06-23 14:00:00

Hoje é o dia da tão aguardada Assembleia Geral destituitiva do Sporting, e com razão a comunicação social portuguesa fala exclusivamente do assunto. Este mesmo sábado, outra AG, igualmente histórica, irá acontecer, mas está votada ao silêncio. Refiro-me à AG extraordinária do FC Famalicão com apenas um item na ordem do dia: vender 90 por cento da SAD a investidores estrangeiros. Este é um caminho inaugurado há menos de um ano, a 1 de julho de 2017, quando foi aprovada a transformação jurídica do FC Famalicão de uma SDUQ para SAD. Um destino que já atingiu muitos pequenos clubes portugueses, que estão a atravessar uma crise de crescimento devido ao aumento das pressões económicas e financeiras. Razão pela qual são forçados a sacrificar o clube como associação desportiva para facilitar a entrada de capital. Os efeitos são conhecidos, e como expliquei num artigo anterior, provavelmente até é contraditório. (https://bancada.pt/futebol/opiniao/o-dualismo-entre-clubes-e-sad). O clube abre-se aos capitais externos para estabilizar a situação económica (sem que o resultado seja garantido) e , ao fazê-lo, enfraquece a dimensão democrática do clube.

Mas há algo neste caso do FC Famalicão que o torna especial. Refiro-me às notícias divulgadas nas última semanas sobre o interesse de Jorge Mendes em investir na SAD do clube. Isso ficou conhecido graças a indiscrições jornalísticas, nunca negadas pelo fundador da Gestifute. Para fortalecer a hipótese, no entanto, deu um passo adicional: o anúncio oficial de que a liderança da SAD do FC Famalicão será delegada em Miguel Ribeiro, até há poucos dias diretor do Rio Ave, clube vassalo de Jorge Mendes. Como sempre acontece nestes casos, a manobra é apresentada de forma a ser atrativa para os adeptos do clube, com a promessa de um fortalecimento imediato da equipa tendo em vista um rápido regresso à Primeira Liga. Nesse sentido, a retórica é bastante óbvia. A promessa de glórias desportivas possibilitada pelo capital privado é o refrão que serve para ofuscar a amargura de perder a base democrática do clube.

Neste caso específico, pode ser que o impulso da Gestifute realmente permite que o FC Famalicão retorne à elite do futebol português.Mas esse não é o aspecto mais importante. O que realmente conta é o facto de que, se Jorge Mendes realmente entrasse diretamente num clube o conflito de interesses seria muito pesado. Estamos a falar do superagente mais poderoso do mundo. Um estatuto que, apesar dos rudes golpes na imagem que tem sofrido na sequência das investigações relacionadas com desvios de dinheiro no futebol, continua a manter uma posição central no mapa do poder global do futebol. Esta estratégia é visível pelo súbito interesse no mercado italiano (especialmente as relações com a Lazio e o Nápoles), que até agora tinha sido muito secundário nas suas estratégias, assim como a tecelagem de relacionamentos com clubes do Championship, que visam recuperar um lugar na Premier League. Primeiro o Wolverhampton, agora também o Nottingham Forest.

Este tipo de conduta, por parte de quem detém um poder tão esmagador em Portugal, e que poderá levar à posse de um clube, é algo a ser evitado. Uma questão elementar de transparência não recomenda isso. Esperaria que a FPF e a Liga tivessem uma posição clara sobre este ponto. Mas tenho a certeza que eles evitarão fazer isso. Quem tocaria em Jorge Mendes em Portugal? É nestas circunstâncias que entendemos melhor a diferença entre líderes e burocratas.

P.S. Comecei este artigo com uma referência à AG do Sporting. Será um momento de clareza e colocará nas mãos dos sócios a escolha do futuro do clube. Muito se sabe e se diz sobre o que é de domínio público, mas também há alguns bastidores. Um deles diz respeito à entrada de possíveis novos investidores na SAD leonina, caso haja uma mudança de liderança. Os nomes circulam, e atrás de uma das figuras pronta para entrar na SAD estaria um personagem muito importante do futebol português. Quem é ele? Como o meu ilustre compatriota Pier Paolo Pasolini escreveu: "Eu sei, mas não tenho a prova". Por isso, mantenho o nome para mim. Talvez fale sobre isso daqui a alguns meses.

Pippo Russo é um jornalista free-lancer e sociólogo italiano e escreve no Bancada ao quarto sábado de cada mês.