Opinião
Resultado ou espectáculo? Resultado e espectáculo
2018-10-01 13:50:00
Carlos Daniel é jornalista na RTP e escreve no Bancada às segundas feiras.

Sérgio Conceição sempre foi assim, de dizer verdades com frases abertas. E para mais agora, sentado no título da época passada, de que foi o principal obreiro – não se lhe recuse isso, nas circunstâncias em que ganhou -, não se esperaria que diferente fosse. Já esta época falou nas qualidades do “vinho da tasca” quando o dinheiro não alcança champagne, como agora recomendou duas salas históricas da invicta, o Coliseu ou o Sá da Bandeira, a quem não parecer digno de libreto o que observa no Dragão. Percebo-o mas não subscrevo desta vez, mesmo se desconheço os comentadores ou adeptos a quem endereça a mensagem. Nem é tanto pela sugestão da dicotomia com que coloco em título e que me parece sempre uma falácia, muito mais pelo simples facto de que a exibição do Porto, em particular a da primeira parte, teve mesmo espectáculo. É certo que o golo surgiu tardio e feliz, mas o guarda-redes que errou nesse lance adiou vezes sem conta que os dragões crescessem no marcador mais cedo, em largos minutos de produção com qualidade e quase todas as variantes que valeram o título da época anterior:  capacidade de mudar de ritmos para acelerar na hora certa, de ter bola para ligar o jogo entre os três corredores, de ser profundo tanto nas alas quanto no eixo central, além desse binómio raro que é o de atacar sempre com muitas unidades mas ser profundamente eficaz a recuperar a bola após a perda (o que fez com que o Tondela – umas das boas equipas do campeonato, que tem personalidade com bola e uma grande capacidade de estender jogo – tivesse muitas dificuldades em ver de perto a área de Casillas). Ou seja, não foi por não dar espectáculo que o Porto correu risco de não ganhar. Jogou ao seu estilo, ofensivo e objectivo, acelerativo e pressionante. Quem não gostou desta vez já não gostaria antes.

As equipas de José Peseiro costumam dar espetáculo. O Sporting ainda não dá. Prefere começar com passos seguros, depois da pré-época mais louca do mundo, na tentativa de que a equipa aproveite mais o erro contrário do que se exponha ela própria ao erro. Neste últimos jogo foi visível a metade (ou um pouco mais) da equipa que predominantemente defende (o que se acentua com Gudelj junto a Petrovic) e as quatro unidades que têm licença para atacar (os alas, Bruno Fernandes e o ponta de lança). É uma solução que dá para ganhar a maior parte dos jogos internamente, que mesmo desfalcado o conjunto tem melhores unidades que quase todos os opositores, mas ainda não chega para garantir tudo o que se pede a um candidato quando vai à Luz  ou a Braga. E aí não ganhou. Claro que o que não falta à equipa do Sporting, e ao seu treinador, são atenuantes, a começar pela falta de tanta gente face ao ano passado. São os que já não há (Patrício, Piccini, Coentrão, William, Gelson) mais os que não tem havido, seja o mais seguro de trás (Mathieu) ou o mais profícuo da frente (Bas Dost). E todos admitirão, por exemplo, que preparar uma equipa e um processo ofensivo para servir Dost é bem diferente de encontrar a melhor forma de alimentar Montero. O crescimento do Sporting vai passar por duas questões essenciais, pelo menos. Uma é conseguir ligar melhor os momentos defensivo e ofensivo, fazer com que a equipa se sinta mais confortável com bola, podendo envolver mais gente e acrescentar dinâmica na hora de atacar. Isso passa também pela segunda questão, que é a de dosear a tendência dos jogadores ofensivos de transformar cada posse de bola num ataque (muitas vezes numa perda de bola rápida). O elixir da juventude garante aceleração e sempre mais uma reserva de energia mas retira pensamento e capacidade de controlo. Um bola em Jovane ou Raphinha é sempre um pretexto para uma correria e mesmo Bruno Fernandes, um craque indiscutível, será ainda melhor jogador quando às capacidades de acelerar, desmarcar e pressionar, juntar o discernimento da pausa, de perceber que há momentos em que desacelerar é o que se pede.

O Benfica segue o caminho habitual na quarta época de Rui Vitória, com doses elevadas de motivação (visíveis na ideia de reconquista) mas produção de jogo excessivamente dependente de acções individuais. É também isso que reduz tantas vezes o debate à importância de certas unidades, ora de Jonas, ora de Salvio, ora da novidade Gedson. Com um plantel de enorme qualidade, que será fundamental perante a onda de lesões destes dias, e onde já nem na baliza há um ponto fraco, a verdade é que a equipa continua a ter pouca bola e a viver essencialmente entre duas situações: ou cai sobre o adversário e o sufoca (normalmente perante equipas menos apetrechadas e essencialmente na Luz) ou recua linhas (seja contra um poderoso Bayern ou quando em vantagem, por exemplo em Chaves) e espera a felicidade de um rasgo em contra-ataque por não ter capacidade de controlo com bola. A opção por jogadores de perfil mais físico (Gedson, Alfa Semedo, Gabriel) e não obstante a qualidade desses homens, não mudou a história. Nem será por aí que se muda. E ver Zivkovic – fundamental no final da época passada – sempre preterido apenas confirma que a evolução se fará por mais do mesmo. Assim que assente um onze que lhe garanta alguns triunfos seguidos, os encarnados vão estabilizar e lutar pelo título, não tenho dúvidas. Outra coisa é esperar um Benfica mais forte que o dos anos anteriores e a brilhar na Europa. Isso já é menos provável.

Na frente da tabela segue o Sporting de Braga que Abel Ferreira tornou competitivo a um nível extraordinário. Não são de mais os elogios a um homem de discurso forte e gradualmente mais eficaz (mais assente na valorização dos seus) mas que principalmente consolidou um processo de jogo, a que nem uma debandada (Jefferson, Vukcevic, André Horta) somada a uma série de lesões (Matheus, Ricardo Ferreira, Raúl Silva e Pulinho) retirou competência. Pelo caminho lançou gente nova - o guarda-redes Tiago Sá, o lateral Sequeira e mesmo João Novais - e essencialmente manteve um desempenho de regularidade rara, em casa e fora, num saldo de golos marcados e sofridos idêntico ao de Porto e Benfica, e que até lhe vale hoje uma liderança inédita. Na base do jogar do Braga estão algumas ideias que o aproximam do Porto, principalmente na intenção clara de chegar à baliza pelo caminho mais curto e rápido. Não que a equipa não saiba ter bola, mesmo se teve de reaprender alguns caminhos com a perda de Vukcevic e do mais novo dos Horta, mas nunca desperdiça a hipótese de ganhar metros e superar linhas, seja com recurso ao farol permanente que é Dyego Sousa, na plenitude enquanto ponta de lança e excelente nos apoios que dá nas saídas de bola longa mas não apenas, seja na exploração direta da velocidade de Wilson Eduardo, como ainda agora se viu frente ao Belenenses, em mais uma demonstração de que a estratégia conta. Perante um adversário que deixa espaço nas costas e gosta de arriscar na construção, o Braga esperou para pressionar nas zonas certas, forçou erros sucessivos e aproveitou o espaço com mestria. Também aqui há resultado e espectáculo, que o melhor espectáculo para quem gosta do jogo é ver em campo uma equipa que sabe o que está a fazer.

Carlos Daniel é jornalista na RTP e escreve no Bancada às segundas feiras.