Opinião
Quando não ganham os favoritos. Das Aves a Portugal
2018-05-22 14:15:00

José Mota ficou sentido e, fosse o que fosse que lhe perguntassem, respondia da mesma forma: “Vocês não nos respeitaram!” No ponto de vista dele, tinha razão, é claro. O CD Aves teve muito menos espaço do que o Sporting na imprensa, nas rádios e nas TVs na semana que antecedeu a final da Taça de Portugal – o que nem é necessariamente mau, pois os leões seguramente até clamariam por menos atenção, face à gravidade dos assuntos que iam vendo debatidos no panorama mediático. No plano jornalístico, porém, claramente, não a tinha, embora mereça toda a compreensão. E até acabou por deixar que se passasse ao lado da lição que a final da Taça nos voltou a ensinar – uma lição que Fernando Santos já aprendeu há dois anos em França e que espera reavivar no mês que vem na Rússia. É que num bom dia, qualquer equipa de topo – sim, até o CD Aves – pode ganhar a outra.

Os jornais não devem fazer-se com ferramentas de agrimensor, dividindo o espaço pelos clubes ou distribuindo-o de acordo com o mérito desportivo dos diversos resultados. Na tarefa de editar há que fazer escolhas, que em condições normais se prendem com o valor-notícia de cada acontecimento. José Mota não é jornalista, não tem de pensar como um, mas deixou que a revolta – mesmo que planeada – tomasse conta do seu argumentário e, se durante a semana foram os acontecimentos de Alcochete a tirar o palco à chegada da sua equipa ao Jamor, no domingo foi a reação do treinador a travar a amplificação dos méritos do CD Aves – porque tem muito mais valor-notícia ou até valor-entretenimento ver o treinador vencedor a cascar nos jornalistas do que a explicar a forma como a sua equipa travou o Sporting.

E a questão é que Mota não descobriu a quadratura do círculo. Trabalhou muito bem a sua equipa, é verdade, nos vários planos. Em termos de organização tática, conseguiu algumas coisas: redução dos espaços entre linhas, impedindo os leões de jogarem dentro do bloco, fruto de um meio-campo sempre rigoroso nos posicionamentos; fecho dos defesas-laterais por dentro, prevendo as deambulações dos extremos leoninos para o espaço interior, e muita atenção dos seus próprios
extremos às subidas de Ristovski e Coentrão. Em organização defensiva – é verdade que beneficiando de um Sporting com opções discutíveis, pelo menos para quem não sabe como foi a semana da equipa, como a ausência de Ruiz – o CD Aves manteve o jogo controlado, conseguindo explorar as saídas rápidas para o contra-ataque, fruto da capacidade de Guedes receber sempre à frente de Coates e Mathieu e desmultiplicar a bola pelo espaço aberto nas costas dos laterais adversários.

Aqueles que no fim vociferavam contra os jogadores do Sporting, acusando-os de só terem querido jogar nos últimos dez minutos – que foi quando a equipa deixou de ter qualquer processo e se mandou como louca, em chuveirinho constante, para cima de um adversário que,noutro contexto, bem podia tê-la castigado mais ainda – esquecem-se de coisas fundamentais no desporto. Primeiro, que não ganha sempre quem mostra mais os dentes, quem mais quer ganhar. Mas fundamentalmente que, mesmo querendo todos os jogadores que estiveram no Jamor ganhar com a mesma força – e até admito que por diferentes razões – há sempre três resultados possíveis e que, num dia bom, qualquer equipa de um campeonato pode ganhar a outra. Muitos dos que insultaram os jogadores no fim, respondendo de forma pavloviana aos estímulos dos dias anteriores, até terão sido “um de onze milhões”, há dois anos, quando uma equipa de Portugal que não era favorita se sagrou campeã da
Europa.

Foi porque os outros – os franceses, os alemães, os italianos, os belgas, os croatas, os galeses, os espanhóis, os ingleses… - não quiseram ganhar? Não. Foi, como Fernando Santos recordou ontem à RTP, porque Portugal conseguiu encontrar o equilíbrio entre a vontade de jogar bonito (e por vezes os adeptos querem feio, como se viu nos últimos minutos da final da Taça) e a necessidade de jogar bem. O CD Aves conseguiu fazê-lo. Portugal, há dois anos, também. Veremos se repete a dose na Rússia.