Comecei pelos finais de Junho, aqui no Bancada, e falhei logo a primeira previsão: a de um campeonato bem jogado, por via de plantéis construídos com mais dinheiro e onde vários treinadores insinuavam propostas de jogo interessantes. Não tem sido assim, que exceção feita aos grandes, com argumentos incomparáveis, e ao Sporting de Braga, igualmente acima dos demais, só o Rio Ave - sobretudo o Rio Ave - mais o Chaves (em crescendo) e o Portimonense (mais inconstante) têm valido a pena. Claro que posso mencionar a coragem táctica do Tondela ou a consistência do Boavista, mas já estou a reduzir muito a fasquia de exigência, tendendo a uma normalização por baixo. Globalmente, o campeonato tem sido competitivo mas fraco.
Escrevi em Julho, ainda o mês ia curto, e quando colocavam ainda o Benfica como principal candidato, por via do tetra: “a Rui Vitória pede-se que tente o penta mas que aumente também a qualidade de jogo e sobretudo que possa dar outra imagem na Europa”. A qualidade de jogo piorou e a imagem na Europa foi o que se viu. Quanto ao Porto, o reconhecimento do óbvio, ao tempo: “Sérgio Conceição tem o desafio mais difícil que é o de chegar, construir e ganhar. Para já, tem gerido mais saídas do que entradas mas é dos reforços que dependerá a probabilidade de sucesso”. Talvez ainda seja, mas o mérito de ter superado o desafio inicial faz do treinador do Porto a principal figura da época, até agora. Sobre o Sporting escrevi que “ao terceiro ano em Alvalade, Jorge Jesus só pode ganhar ou ganhar” e que “a aposta em jogadores consagrados ou ambientados ao futebol português tenta evitar os erros do Verão passado mas uma maior regularidade nas exibições é igualmente imprescindível”. Sem ser perfeita a esse nível, a equipa está mais constante, e ganhar torna-se de vez um imperativo se ao excelente plantel disponível se juntarem mesmo reforços fantásticos, como Wendel e Vietto, além de Rúben Ribeiro.
A Ruben Ribeiro dediquei uma crónica que era quase um manifesto para que pudesse jogar a outro nível, e foi quase profética: “Vê-se Ruben Ribeiro jogar pelo Rio Ave frente ao Sporting e pensa-se que não deslustraria na outra metade do campo (…) E pergunta-se a seguir porque não chegou mais alto. Em Itália, onde o cartão de cidadão tem menos peso que por cá, estaria decerto a caminho de um grande em janeiro, a despeito dos 30 anos, ou mesmo, se a concorrência pela posição o permitisse, a bater à porta da seleção”. O grande já está, fata saber se Fernando Santos repara nele também. E o elogio ao craque era o elogio à equipa que o ajuda a brilhar, o Rio Ave, e a Miguel Cardoso, o treinador que lhe deu o contexto ideal para explodir: “Ruben Ribeiro não é jogador de equipas que jogam recuadas, muito longe da baliza contrária e à espera que o rival falhe. O negócio dele é com a bola e só numa equipa que a preza poderia brilhar. É um bálsamo ver o atual Rio Ave por entre uma série de modelos repetidos e cinzentos. Ruben Ribeiro é a sétima cor do arco-íris, o prémio suplementar para quem gosta do jogo. Em dia sim, e têm sido vários, ele sozinho vale o bilhete”.
Levei com as críticas costumeiras quando falei de três técnicos portugueses que estavam estranhamente desempregados, numa crónica a que chamei Memória Curta: “três dos melhores – mesmo dos melhores - treinadores portugueses estão sem clube: Paulo Bento, Paulo Sousa e Vítor Pereira. Aparentemente nenhum deles é, nesta altura, particularmente atractivo nos principais mercados. Isso prova dois factos: que futebol é momento e que a memória dos homens é curta (…) mas não é o último trago que define a qualidade de um vinho nem o último capítulo que torna sofrível um bom livro”. Todos eles escrevem agora novas páginas da carreira no milionário campeonato da China (Vítor Pereira e Paulo Sousa em equipas candidatas ao título), enchendo currículos e contas bancárias. Elogiei sem reservas o que Marco Silva está a fazer no Watford: “ a equipa está longe de ser perfeita mas é um coletivo que impressiona pela competência do processo, seja no rigor com que domina o espaço e controla a profundidade no momento de defender, seja na mobilidade e na agressividade que apresenta, com soluções trabalhadas, de cada vez que ganha a bola. As melhores equipas não são defensivas nem ofensivas, são equilibradas. Assim é este Watford, apesar da qualidade discutível de alguns jogadores, agravada por ausências de tomo”. Mantenho tudo, mesmo se os últimos resultados reforçam o que está dito na última frase. E sorrio ao ver Carlos Carvalhal, mais um dos nossos muito bons, chegar ao mesmo nível Premier, com um desafio tão difícil com aliciante no País de Gales. A propósito, fica uma cunha assumida para que a SportTV, nos seus vários canais (!), seja capaz de incluir mais jogos em direto de Watford e Swansea, deixando de os tratar de modo idêntico ao West Brom ou ao Burnley, que é o que incrivelmente tem acontecido.
Do melhor que o jogo nos dá destaquei De Bruyne, com um arranque de época que só terá rival em Messi: “é bem capaz de ser, por estes dias, o jogador mais completo que é possível encontrar num relvado: organiza como um médio centro, dribla em progressão como um extremo e finaliza como um goleador (…) já não é só o jogador que carrega com ele a bola e a equipa, é também o que sabe baixar e organizar pelo passe. Numa expressão: entende o jogo”. Pelo entendimento do jogo, pelo conhecimento de todos os seus segredos, cheguei a Busquets, o rei da jogada seguinte: “quando baixa para dar critério, ainda na zona dos centrais, Busquets é a bússola para encontrar o homem livre, que há-de valer superioridade numérica após receber os passes certeiros que superam linhas de pressão rival e abrem espaço onde é mais decisivo. E quando a equipa se adianta, a influência não decresce, antes aumenta, pela facilidade que tem em orientar, sabendo por onde é melhor fazer circular a bola, para onde direccionar o jogo e os colegas, dando forma a triângulos sucessivos que evitam o estrangulamento do jogo”. Nos melhores jogadores, o melhor jogo, as melhores equipas. Man City e Barcelona são as melhores hoje. De todas.
E o melhor de tudo será sempre o jogo e os seus artistas, o que nos encanta desde o berço. Falei de muitos deles numa crónica a que chamei Banalidade do Bem, de muitos e de todos os clubes, como sempre, de tantos que me povoam a infância feliz de adepto. Cheguei ao fim com alguns dos melhores que vi por cá, com “Balakov, e Deco, e depois Aimar, e sempre as luvas das defesas que a rádio cantava, luvas imensas do Mlynarczyck, como do Meszaros antes dele e do Preud´Homme depois, as luvas e o bigode do Mly, como o de Walesa, outro polaco, da Gdansk rebelde, inconformada com o destino, passei a dar mais valor à rebeldia, a gostar cada vez menos dos cumpridores de ordens que eternizam os maus no poder, só mais tarde aprendi com Hannah Arendt que também isso explicou o maior dos horrores, a banalidade do mal nazi, tantas vezes as maiores atrocidades são garantidas por burocratas acríticos ou simples tontos a quem a propaganda cega, não nos ceguemos nós, logo pelo futebol, tão rico nos credos mais diversos, porque o bem, mesmo o mais banal, tem todas as cores que quisermos”. Feliz ano novo.