Opinião
Paris é Paris
2018-03-17 14:00:00

Pode-se cair nos oitavos de final da Liga dos Campeões aos pés do bicampeão europeu em título. Pode-se fazer a vénia face a uma equipa que tem um quíntuplo Bola de Ouro e uma experiência incomparável na prova. No entanto, apesar do prestígio prodigioso do Real Madrid, apesar do respeito que ele suscita por todo o Mundo, não foram os madridistas que se qualificaram para os quartos-de-final da Champions, onde encontrarão a Juventus, numa espécie de desforra da última final. Não: foi, isso sim, o Paris Saint Germain que perdeu.

Desde o início da época, o líder do campeonato de França tem uma equipa melhor do que o terceiro classificado da Liga espanhola. E durante três quartos do jogo da primeira mão, até foi superior ao Real Madrid. Mas foi eliminado. Deixou ganhar a equipa de Cristiano Ronaldo. Talvez a história me contradiga. Talvez o Real Madrid some a terceira Liga dos Campeões consecutiva ao seu palmarés em Maio. Mas o Real de hoje já não é, de todo, o da última Primavera. E deve tanto a presença nos últimos oito à fraqueza extrema do PSG no Dia D como às suas próprias forças.

Um ano depois da patética remontada de Barcelona, o Paris Saint-Germain voltou a derreter-se no dia mais importante da temporada. Depois do golpe, Daniel Alves – ele próprio muito bom na primeira mão e muito mau na segunda – evocou uma “alquimia” que não se tinha produzido no clube, tal como não se realizara numa determinada época na seleção brasileira. Tem razão, sem qualquer dúvida. Mas se essa “alquimia” ainda não existe, é simplesmente porque o PSG ainda não é um clube grande. Ou, melhor, porque não é gerido como um clube grande.

No campo, o PSG de Unai Emery recorda, por instantes, o Real Madrid de Rafael Benítez. O atual treinador do Newcastle tinha sido escolhido por defeito. Ele sabia-o, os jogadores sabiam-no, o clube não conseguia escondê-lo. Morreu numa noite de clássico, quando fez jogar a equipa que os adeptos e os media reclamavam. Uma equipa desequilibrada, que se inclinava demasiado para a frente e que foi castigada pelo FC Barcelona. Umas semanas depois, Zinedine Zidane foi entronizado e, debaixo dos “Hurras” da multidão, voltou a dar brilho ao Real, instalando Casemiro na posição de sentinela. Isto é, fez exatamente aquilo que um dia apontavam a Benítez para o criticar.

Foi isto que aconteceu a Emery. À chegada a Paris, apontava para um jogo diferente, mais direto, com mais passagem pelos corredores. Mas rapidamente abdicou das suas ideias face às reticências dos seus quadros e voltou ao meio-campo a três, que queima contra os pequenos mas atinge invariavelmente os limites nas grandes noites. O regresso ao Parque dos Príncipes, no início de Março, foi a caricatura: o trio Motta-Verratti-Rabiot girava no vazio, o Real Madrid bloqueou os corredores e o PSG colapsou.

Emery não vai passar do final de época em Paris, a sua passagem será recordada como um falhanço e ele irá embora com a amargura suprema de não ter podido ir ao fundo das suas ideias, num clube que possui meios financeiros extraordinários.

Como é isso possível? Eis a questão que devia inquietar os decisores parisienses. No Verão, toda a gente constatara que faltava um dinamitador na frente, mas sobretudo uma sentinela de alto nível no meio-campo e laterais mais fiáveis. E o que fizeram os dirigentes do clube? Trouxeram não um, mas dois dinamitadores (Mbappé e Neymar), recrutaram dois laterais não propriamente fiáveis (Berchiche não tem talento suficiente, Daniel Alves já não tem pernas) e, sobretudo, fracassaram na busca da sentinela (Danilo Pereira e Fabinho eram demasiado caros). No campo, o PSG não tem, portanto, esse jogador que cria os pontos de equilíbrio. O homem indispensável a toda a equipa, mais ainda quando esta tem dois jogadores (Mbappé e Neymar) que baixam para defender uma vez em casa três.

Os dirigentes condenaram Emery quando não lhe deram um bom casting. A cavaram a sepultura do técnico basco com a gestão aproximativa do dia-a-dia. Todos os momentos de crise, ao longo da época, deram a imagem de uma gestão demasiado cobarde. Nasser Al-Khelaïfi, o presidente, e Antero Henrique, o seu número dois, não encarnam aquela autoridade que se impõe a todos. Por enquanto, sempre que surgiram problemas, cortaram sempre a favor das forças políticas do momento. Concretamente, do clã brasileiro, liderado por Daniel Alves e Neymar, que ganhou todas as batalhas. O regresso de Thiago Silva como titular no jogo da segunda mão, contra o Real Madrid, quando tinha sido afastado na primeira, foi o último sinal a apontar nesse sentido. Ora, recordou Arrigo Sacchi ao L’Équipe, dois dias após a eliminação, “tudo parte do clube, da sua história, da sua visão, das suas regras e da sua liderança”. “O clube vem antes da equipa e a equipa vem antes de cada individualidade. A sensação que dá é a de que esta hierarquia de valores está invertida no PSG”, completou.

Desde 2011, os cataris parecem escrever numa página branca. O presidente parece estar à escuta dos mínimos pedidos das suas estrelas, hoje Neymar, anteriormente Ibrahimovic. Ao alimentar uma proximidade assumida com os seus quadros, Nasser Al-Khelaïfi marca um autogolo. Esta semana, foi visitar Neymar ao Brasil, na vivenda onde este iniciou a convalescença, perto do Rio de Janeiro. Depois, foi à fundação Neymar Jr, próximo de Santos, na companhia de Antero Henrique. Era uma visita prevista há muito, é verdade. Mas mais uma vez o presidente parisiense deixou passar uma imagem de um líder pronto para tudo para segurar a sua estrela e sem exigir grande coisa em retorno.

É o seu dever de presidente fazer tudo para convencer os melhores a ficar ou a vir para o PSG. Florentino Pérez fez o mesmo com Cristiano Ronaldo, em tempos. Mas o patrão do Real Madrid nunca deu a impressão de se prosternar diante de um ídolo. Quer ele tenha disso consciência ou não, esta é a mensagem enviada por Nasser Al-Khelaïfi. E, bem mais do que Emery, aí está o fundo da questão.

Régis Dupont é jornalista do "L’Équipe" e escreve no Bancada aos terceiros sábados de cada mês.