Opinião
Os lobos contra os leões
2018-03-16 15:30:00

O Atlético de Madrid é a equipa mais forte em competição na Liga Europa, pelo que as probabilidades de o Sporting chegar às meias-finais não são tão altas como sucederia com outro adversário pela frente.

Há um ponto relativamente favorável para os leões, que é o facto de os ‘colchoneros’ poderem vir a manifestar um maior desgaste no jogo da 2.ª mão, em Alvalade, em face do dérbi no Bernabéu ensanduichado na eliminatória europeia. Convém lembrar que, apesar de estarem oito pontos atrás do líder Barça, o Atlético ainda tem foco no campeonato e quer fazer tudo para terminar à frente do Real Madrid (os brancos estão sete pontos atrás da equipa de Simeone).

Simeone está há cerca de seis anos no comando técnico, entrando na sequência da insípida etapa de Gregorio Manzano que diluiu a fama europeia conseguida com Quique Flores. O ‘Cholo’ chamou os jogadores à responsabilidade, ao compromisso coletivo, fazendo de cada jogo uma guerra, onde cada bola dividida se tornou um desafio de vida ou morte. Aos poucos, começou a sentir-se o medo nos oponentes e encarar a alcateia do Atlético passava a ser o primeiro pesadelo de qualquer equipa de futebol. E esse estado de espírito, em que todos trabalham por igual, possibilitou que os lobos de Arganzuela se agarrassem a uma ideia mais palpável de como estar no campo de batalha, uniformemente, o que lhes daria mais hipóteses de êxito.

A vitória na final da Taça do Rei de 2013 no Santiago Bernabéu, contra o Real Madrid treinado por Mourinho, foi um dos principais pontos de viragem e de assertividade ‘cholista’. Diz-se que o golo de Miranda (na foto), que fez com que Gabi levantasse a Taça na tribuna do estádio do arqui-rival, mudou a história do Atlético, tendo suprimido o sentimento de inferioridade do Atlético para o Real e para o Barça, enaltecendo novamente a face intrépida por que Luis Aragonés tanto pugnara.

O ‘Cholo’ sabia o que era ser campeão no Calderón como jogador. Em 1996, treinado por Antic e bem acompanhado pela arte de Pantic e de Caminero, o centrocampista argentino foi o segundo melhor marcador, só atrás do ponta de lança esquerdino Penev, recém-adquirido ao Valencia.

Simeone era um médio combativo na defesa e no ataque, essencialmente vertical, bastante agressivo na chegada à baliza. Como treinador, musculou o Atlético, lançou-o para um campeonato incrível em 2014 com o mítico golo de Godín em Camp Nou e levou os ‘colchoneros’ a duas finais da Champions, definindo-se com um estilo antagónico ao de Guardiola, que manifestava mais obsessão pela valorização da bola.

Embora as estatísticas sejam sugestivas, no sentido em que a posse de bola média por jogo do Atlético no campeonato espanhol é abaixo dos 50%, Simeone não exclui um ataque posicional bem delineado. E tanto Koke, Saúl e Griezmann providenciam capacidade nesse âmbito, do envolvimento mais próximo em circulação.

No entanto, o foco primordial e inegocíavel de Simeone é o de ter a equipa compactada ao máximo no momento de cobertura, que esteja orientada para defender atrás com grande articulação nas dobras e nas interceções, com 20/25 metros de distância da linha de defesas para a de avançados, não gerando brechas na zona defensiva para que o adversário não tenha facilidade em criar situações de golo.

Gabi, que chegou a Madrid de Saragoça no caminho inverso ao de Rúben Micael, tornou-se o coração do Atlético, o jogador que melhor representa o treinador dentro do campo, com a melhor noção dos ritmos e da estabilização das zonas de pressão. Muitos foram jogando no eixo do meio-campo do ‘Atleti’ com distinção, desde Tiago a Augusto. Hoje, mesmo sem dar uma manobra excelente no controlo de bola, Thomas, dono de um ótimo remate exterior, tem sido um dos que mais evoluiu na zona média, sendo que tanto ele como Koke e Saúl se adaptam a uma posição-base mais aberta nos flancos, se necessário, recorrendo posteriormente ao excecional sentido de rotura nas desmarcações-surpresa com chegada indetetável à grande área. Para esse efeito, contam também com a elasticidade ofensiva de Juanfran ou Vrsaljko pela direita, mais do que Lucas Hernández (Deschamps chamou-o agora aos 'Bleus') na esquerda. Filipe Luís partiu a perna e até deve falhar o Mundial.

Correa, com uma mobilidade estonteante, tem ainda mais garantias de utilização perante a saída de Carrasco e até Vitolo, depois de um estágio curto nas Canárias, se constitui como uma arma para atacar junto da faixa, oferecendo a profundidade que Lopetegui também lhe reconhece.

Em todo o caso, é Diego Costa que mais atrai os holofotes. O touro foi finalmente libertado na arena depois da SMS de Conte e compõe um formidável tandem com Griezmann, que, por sua vez, parece estar de cabeça limpa depois de ter gerido mal a sua comunicação com os adeptos no meio do folhetim-Barça. O canhoto é preponderante nos apoios frontais, a mostrar-se aos centrocampistas, a receber e a girar rapidamente para encarar os defesas adversários de frente. Já o gladiador sergipano, um lutador MMA em figura de jogador de futebol, adora partir pedra na frente. Deverá descair mais para o lado de Coates e é indiscutível que o Atlético se tornou mais complementar com a sua chegada, visto que agora há alguém que dá trabalho aos centrais, deixando Griezmann recolher a bola da frente para trás. Quando era Correa a protagonizar a sociedade de dois avançados com o ex-extremo da Real Sociedad, havia muita tendência do argentino em se deslocar para zonas exteriores e pelo menos um dos centrais podia anular Griezmann com mais probabilidade. Tendo de lidar com Diego Costa, agora alivia a carga em cima de Griezmann e os centrais já não têm tanta facilidade nas marcações ao francês.

Ao Sporting, calhou a equipa mais complicada, aquela que cria mais desconforto. A primeira mão no WM, o grande estádio do Atlético localizado na Avenida Luis Aragonés, será dos jogos mais exigentes da vigência leonina de Jorge Jesus e é fundamental ter toda a gente disponível e na melhor forma física possível, não só para os melhores estarem no ponto desejável de rendimento, como também para a variedade de soluções que JJ pretende para aplicar a estratégia mais adequada ao contexto.

Luís Catarino é comentador da Sporttv e escreve no Bancada às sextas-feiras.