Opinião
O título segundo Conceição
2018-05-09 14:00:00

Naquele mês de junho de 2017, a apresentação do novo treinador do FC Porto teve os cuidados e a pompa habituais: cenário bem montado, todas as principais figuras diretivas do clube presentes, a correria habitual de câmaras, microfones e repórteres. Mas o primeiro dia de Sérgio Conceição trazia dois temas de risco imediato para o novo técnico. O nome de Marco Silva ainda era sussurrado nas paredes do Dragão e antes da entrada do ex-treinador do Nantes havia uma já longa lista de técnicos competentes que não tinham conseguido ter sucesso no FC Porto nas últimas temporadas (Paulo Fonseca, Julen Lopetegui e Nuno Espírito Santo são os principais exemplos por terem, tal como Sérgio Conceição, iniciado um projecto de raiz, no início da temporada).

Por outro lado, o descrédito da candidatura portista ao título era quase total e acabava por retirar uma parte importante da habitual pressão sentida pelo ocupante da cadeira azul e branca. O defeso costuma ser o tempo de todos os sonhos para os adeptos, mas naquele verão de 2017 não havia uma lista de reforços que permitisse aos portistas antecipar a quebra da hegemonia do Benfica no campeonato. Para além do regresso aos títulos, a plateia azul e branca desejava, com igual fervor, impedir o “penta” encarnado.

Todo este contexto ajuda a entender ainda melhor os méritos de Sérgio Conceição, um treinador a quem se apontou, em primeiro lugar, uma ideia pré-concebida de “instabilidade emocional”, muito antes de se valorar o extraordinário trabalho feito, na temporada anterior, ao serviço do Nantes (retirou a equipa dos lugares de descida e terminou o campeonato francês no sétimo posto, à porta de uma qualificação para as provas da UEFA).

A ideia de que o plantel era curto ganhou corpo cedo, logo depois do fecho de um mercado de transferências que levou apenas Vaná para o FC Porto (o guarda-redes do Feirense foi contratado para salvaguardar uma possível saída de Iker Casillas), a juntar a uma lista de “proscritos”, a quem as restrições impostas pela UEFA davam um segundo fôlego no Dragão.

O FC Porto tinha vivido tempos de abundância com Julen Lopetegui (e antes com André Villas-Boas), mas agora seria mesmo necessário um trabalho de autor, um “traço de arquitecto” que permitisse o crescimento rápido do plantel. E foi isso que Sérgio Conceição conseguiu fazer, sustentado num “onze” sempre equilibrado, com uma dupla de centrais bem comandada por Marcano, dois laterais exuberantes a atacar e eficazes a defender (Alex Telles e Ricardo), um meio-campo que até foi capaz de superar a longa ausência de Danilo Pereira nas horas mais decisivas da época (com Herrera a fazer a melhor temporada no FC Porto, sempre bem secundado por Sérgio Oliveira) e um ataque que nunca esteve apenas dependente de um único jogador, ao contrário do que aconteceu no Benfica e no Sporting.

No meio de muitas boas decisões, Sérgio Conceição teve ainda o mérito de reconhecer sem rodeios planos de voo menos conseguidos, como aconteceu após a derrota com o Besiktas, em casa, na Liga dos Campeões. Esse momento inicial do percurso europeu permitiu ao treinador realinhar o meio-campo, dando-lhe maior intensidade e musculatura, o que permitiu aos dragões competir em patamares mais elevados sem perda de competitividade.

A primazia das questões técnicas e táticas no sucesso de Sérgio Conceição não pode afugentar outro factor de primacial importância. O FC Porto também teve sucesso porque o treinador demonstrou ter capacidade para congregar uma gigantesca base de apoio. Sem abusar da oratória belicista (embora tenha tido necessidade de se retractar em algumas ocasiões), Sérgio Conceição recuperou em parte o padrão de discurso de André Villas-Boas, José Mourinho e até José Maria Pedroto. A exigente bancada do Dragão respondeu com um apoio unânime ao líder.

Tal como acontece com praticamente todos os campeões, o título do FC Porto surge de forma absolutamente justa. A regularidade, a superação das dificuldades e o acerto nos momentos decisivos da prova justificavam as felicitações dos dois principais rivais. Jorge Jesus (que ainda pode conquistar um segundo troféu esta época) teve essa dimensão de desportivismo, que apenas engrandece quem a protagoniza. Rui Vitória, um treinador de enormes méritos e com vários títulos conquistados nos últimos anos, optou por não dar os parabéns ao adversário. Foi mais uma má decisão, a juntar a várias outras (táticas e estratégicas) que afastaram o Benfica do sucesso esta temporada.

P.S. – Nem mesmo a festa do FC Porto conseguiu obscurecer o feito histórico do Rio Ave de Miguel Cardoso, que igualou a melhor classificação de sempre do clube de Vila do Conde. O Rio Ave volta a terminar o campeonato no quinto lugar, tal como em 1981/1982, quando Mourinho Félix (pai de José Mourinho) orientava a equipa.

O técnico nunca se afastou das ideias de futebol positivo que quis impor no Rio Ave, mesmo em alturas de menor exuberância. A lógica resultadista nunca entrou em Vila do Conde, mas nem por isso os bons resultados deixaram de aparecer. Em ano de estreia como técnico principal em Portugal, Miguel Cardoso consegue ser um dos indiscutíveis vencedores da temporada. E demonstrou estar preparado para outros voos, ainda mais exigentes.

Manuel Fernandes Silva é jornalista na RTP e escreve no Bancada às quartas-feiras.