Opinião
O recreio e o regresso às aulas
2017-09-20 14:00:00

Foram rápidas as reações ao vídeo de Aboubakar no balneário do Besiktas, depois da derrota do FC Porto frente aos turcos. A “traição” foi noticiada de várias formas e o caso espalhou-se com naturalidade, mas a possível enxurrada foi travada por um guarda-chuva convincente, erguido por Sérgio Conceição.

Na conferência de imprensa de antevisão do jogo frente a Rio Ave, o treinador arrumou o assunto em duas ou três frases, parecendo disposto a retirar o peso de uma inconveniente visita à intimidade de um adversário que festejava um triunfo no Estádio do Dragão. No entanto, o próprio Sérgio Conceição explicou que não desenvolveu qualquer tipo de tolerância aos sorrisos depois de uma derrota. Por isso, a explicação é outra.

Há alguns anos, um ex-treinador portista dizia que “no Porto, quando perdes, até o roupeiro olha para ti de lado”. A frase não belisca o importante papel dos técnicos de equipamentos, antes ajuda a perceber o grau de compromisso de todos os que fazem parte da estrutura alargada da equipa e o potencial de reação negativa que o vídeo de Aboubakar (em amena brincadeira com Ryan Babel, jogador do Besiktas) poderia ter provocado.

A diferença para outros tempos, em que o gesto seria condenado no balneário e abafado fora dele (especificidades da era anterior às redes sociais), não estará tanto na ausência de “carregadores de mística” de uma ala mais dura (João Pinto, Jorge Costa, Paulinho Santos ou o próprio Sérgio Conceição), mas sim numa gestão de maior equilíbrio entre a disciplina e o interesse desportivo.

O episódio da saída de Maicon do Dragão, após ter abandonado o relvado a meio de uma jogada e sem aviso prévio, poderá ter sido importante para que a decisão em relação a este caso tivesse um perfil diferente. Nessa altura, no início de 2016, a transferência forçada do brasileiro deixou o FC Porto de José Peseiro quase sem opções para o centro da defesa. Agora, Sérgio Conceição terá feito o “raio x” ao balneário e percebido que o episódio, apesar de desconfortável, não impediria sequer a titularidade de Aboubakar no jogo seguinte, com o Rio Ave.     

Para a história ter um final parecido com um filme de domingo à tarde faltava apenas um golo, uma dedicatória aos adeptos e a promessa de passar a ficar longe dos balneários dos adversários (neste caso, antigos companheiros de equipa). Só que, em Vila do Conde, Aboubakar terá feito um dos piores jogos da temporada, com uma desafinação estridente em lances de golo cantado e algumas decisões erradas. Os problemas de finalização frente ao Rio Ave e a exibição e o golo de Marega (já marcou por quatro vezes e ganha o “prémio combatividade” em quase todos os jogos) não devem chegar para afastar Aboubakar da titularidade, porque o camaronês corre praticamente sozinho num plantel que é manifestamente curto.

Depois de uma passagem pelo recreio, para alguns minutos de diversão com os ex-colegas do Besiktas, Aboubakar conseguiu “regressar às aulas” sem castigo, mas com menor margem de erro. Dentro e fora de campo.

Manuel Fernandes Silva é jornalista na RTP e escreve no Bancada às quartas-feiras