Opinião
O que valem Krovinovic e Gelson Martins
2018-01-30 14:00:00
Viagem às alternativas ao dispor de Vitória e Jesus para superarem a perda dos seus jogadores mais importantes.

É verdade que os treinadores desdramatizaram a coisa, um a falar como habitualmente nestes casos de “falta de eficácia” e o outro a preferir valorizar as correções que fez ao intervalo e que, valha a verdade, transformaram uma exibição horrível numa partida esforçada, mas o empate do Benfica no Restelo e a fraca demonstração dada pelo Sporting na final da Taça da Liga fizeram soar os sinais de alarme no quartel dos dois perseguidores do FC Porto no campeonato. Com razão? Sim, mas também fruto de contingências absolutamente compreensíveis. Resta saber se emendáveis em tempo útil.

O Sporting acusou em demasia a falta de Gelson – e de Podence, ao mesmo tempo, já agora. O Benfica foi incapaz de superar os problemas que lhe foram colocados pela perda de Krovinovic. E, convém não deixar esse fator de lado, ambos sofreram porque do outro lado estavam duas equipas – o Vitória FC e o Belenenses – com um propósito bem gizado, que não se deram à degola e perceberam bem onde podiam fazer mal aos favoritos. O Vitória FC colocando pressão na bola de saída leonina e tapando o acesso à bola que geralmente entra por dentro, povoando bem o corredor central. E o Belenenses, menos agressivo no momento defensivo, apostando sempre na qualidade e na segurança na posse, recusando a lotaria que é dar chutões na frente à espera de ganhar segundas bolas que depois acabam sempre por favorecer quem, mesmo que seja menos agressivo nos duelos, recebe e passa melhor.

O jogo é uno, não só entre os vários momentos protagonizados por uma equipa – ataca-se a pensar como se vai reagir à perda e defende-se com a ideia no que se fará quando se recupera a bola – mas também no sentido de que nunca o comportamento de uma equipa é desligado do que a outra faz em campo. É o famoso “uma equipa joga o que a outra deixa jogar” – e nesse aspeto tanto o Vitória FC como o Belenenses já tinham visto em prática quais eram as melhores formas de contrariar o Sporting e o Benfica. O Sporting sentira dificuldades sempre que alguém o pressiona alto – tinha-o feito o Belenenses, mas também o Benfica e FC Porto – e o Benfica sofrera sempre que os adversários lhe roubam a vontade de ter a bola por muito tempo – como se vira no duplo confronto com o Rio Ave, por exemplo.

No entanto, achar que o problema esteve apenas naquilo que os adversários puseram em campo é ignorar a sua raiz e, à partida, abdicar de o corrigir. E aí, acreditem, há correções a fazer. Sejam elas de nomes, estratégias ou até de aperfeiçoamento através do treino, como muito bem disse Silas, novo treinador do Belenenses: “Sei o que correu mal e garanto que daqui a algum tempo vai deixar de correr”. O próprio Rui Vitória foi invulgarmente assertivo quando falou da questão Krovinovic-João Carvalho. “O Krovinovic cresceu com a equipa, que por sua vez também cresceu com ele”, disse o treinador do Benfica. E é verdade. Ninguém esperaria que o Benfica fosse tão forte sem aquele que foi o principal impulsionador das suas recentes boas exibições como era com ele: se assim fosse, provavelmente já estaria a jogar João Carvalho mesmo antes da lesão do médio croata.

A questão, no Benfica, pode ser de crescimento – talvez daqui a uns dois meses, depois de estar plenamente integrado e de ter a equipa a crescer em seu redor, João Carvalho possa ser para o Benfica aquilo que Krovinovic foi depois do Ano Novo. O problema é que o Benfica não tem esses dois meses. Já não os tem, porque errou em demasia até aqui. Precisa de respostas já – e nesse aspeto a largueza que tem no calendário, com apenas um jogo por semana, não é necessariamente uma coisa boa, porque se permite repousar e preparar cada jogo, no treino, com mais tempo, reduz os espaços de maior crescimento, que são obviamente em competição. A dúvida maior fica assim em torno do que vai fazer Rui Vitória. Manter a aposta em João Carvalho e no 4x3x3? Ou optar por chamar Zivkovic, como fez a partir de dada altura no jogo com o Belenenses, transformando o sistema em algo mais próximo do 4x2x3x1, que lhe daria mais capacidade de penetração com bola mas ao mesmo tempo menos preenchimento de espaços a meio-campo? Vem aí o Rio Ave e a resposta dos encarnados nesse jogo pode dar pistas a este respeito.

No Sporting, claramente, é uma questão de opções – tantas são as que Jesus tem ao seu dispor. É verdade que Gelson é um jogador único no plantel, porque mesmo Podence rende muito mais a jogar atrás do ponta-de-lança e a aparecer na ala, em trocas posicionais, do que a jogar a partir da faixa lateral. E se isso começa por ser sintomático – de opções de mercado que favorecem sempre os jogadores credenciados, mais experientes, por isso mesmo menos dados a grandes mudanças de velocidade ou a acometimentos de intensidade defensiva no meio-campo adversário – acaba convertido num problema que aparentemente tem deixado os leões em desespero pela compra imediata de mais um extremo.

O que Jesus já terá percebido – e é estranho que um treinador como ele tenha precisado de ver a coisa em prática para o perceber – é que não pode jogar com quatro motores de baixa rotação na frente (Dost, Montero, Rúben Ribeiro e Ruiz). Porque ninguém vai buscar a profundidade ofensiva, ninguém gosta de receber no espaço, ninguém gasta energia a condicionar a saída de bola ao adversário no momento defensivo, ninguém é capaz de meter uma mudança de velocidade com a bola nos pés. Não havendo Gelson – nem Podence – e mantendo-se a ideia de que Doumbia não pode ser segundo avançado, o que o força a ser suplente de Dost, Acuña torna-se fundamental na esquerda e Bruno Fernandes tem de jogar na direita, o que é um desperdício, pois a sua capacidade para definir os caminhos da equipa recomendam-no muito mais ao centro. E, nesse sentido, este é, sim, um problema não só de abundância, mas de abundância de escolhas repetidas sem que tenha aparecido ainda o cromo carimbado.