Opinião
O golpe de Fonseca
2017-09-15 16:25:00

A vitória do Shakhtar contra o Nápoles foi uma das maiores proezas da primeira jornada da Champions. Paulo Fonseca bateu-se com Maurizio Sarri num riquíssimo tabuleiro de xadrez e foi pena que o jogo só tivesse durado noventa minutos. Mas há ótimas notícias para quem ajuizadamente vá fixar a sua atenção neste grupo F, de Futebol com ‘F’ maiúsculo. É que Guardiola (Man.City) é o próximo na fila. Para já, ficam algumas notas sobre o golpe que PF infligiu no Nápoles.

Contra o Nápoles, na quarta-feira, o comportamento do Shakhtar foi perfeito, pela forma como os ucranianos desativaram as triangulações exaustivas que padronizam os ataques dos ‘azzurri’.

A distância entre a linha de defesas e o ataque não costumava ser superior a 25 metros. É certo que nem sempre o pressing ucraniano foi feito em zonas adiantadas, houve um recuo propositado da equipa antes e depois do 1-0, mas a linha de defesas mantinha-se subida em fase defensiva, o que favorecia o Shakhtar para a compressão máxima dos espaços de criação do Nápoles.

Bernard, o extremo-esquerdo, defendia muito por dentro, perto de Stepanenko, enquanto Marlos, o extremo-direito, também fechava próximo de Fred na zona central, com Taison alinhado com Ferreyra no meio da linha mais adiantada. Com esta disposição, o Shakhtar preencheu impecavelmente o corredor central e obrigava o Nápoles a rodar a bola por fora, pelo que a grande maioria das situações em que os italianos dirigiam a bola para a grande área de Pyatov era na base de cruzamentos rasteiros, exatamente porque era difícil entrar pelo meio a trocar a bola como os azuis tanto gostam.

Não deixa de ser verdade que Hamsik, um dos mais importantes alimentadores do jogo atacante do Nápoles, tem estado em baixo de forma – foi substituído em todos os jogos desta época (Nápoles e Eslováquia). Mas um dos motivos porque o capitão não conseguiu desenvolver as típicas combinações com Ghoulam e com Insigne na ala esquerda deve-se ao facto de a a bola não lhe ter chegado mais “jogável” para que posteriormente pudesse efetuar o passe mais vertical, que talvez viesse a rasgar o aparelho defensivo ucraniano.

Só quando Sarri reestruturou o sistema para 4-2-3-1 na segunda parte - com a saída de Hamsik e a entrada de Mertens para se aproximar de Milik - é que as combinações do Nápoles ganharam mais nitidez. E foi a fase em que o Shakhtar mais dificuldades sentiu, apesar de também ter tido oportunidades esporádicas para marcar o terceiro golo.

Um dos detalhes onde o Shakhtar mais pontuou foi a limitar os ataques combinativos do Nápoles pelo meio e a cingi-los a cruzamentos que depois Rakitsky e Ordets limpariam mais facilmente. Afinal de contas, Insigne e Callejón tentavam aproximar-se de Milik no meio, em fase de ataque, mas não só eram engolidos pela compressão das linhas do Shakhtar, como também Hamsik era incapaz de soltar o passe de forma mais acelerada para desmobilizar a concentração ucraniana. A troca de bola super acelerada que é normal na equipa de Sarri nunca aconteceu antes da entrada de Mertens.

No entanto, também a fase inicial de construção do Shakhtar estava preparada com minúcia, com uma invejável resistência à tentação de colocar a bola longa na frente. E, quando o tiveram de fazer, por acaso Ferreyra até costumava segurar, lutando com Albiol e Koulibaly. De qualquer forma, a ideia prioritária passava por sair a jogar em apoio, abrindo habitualmente o posicionamento dos dois defesas-centrais, Rakitsky e Ordets, encostados em cada uma das faces laterais da grande área, com os laterais Srna e Ismaily quase na linha do meio-campo, pressupondo que Fred e Stepanenko, os dois pivôs, recuassem até à grande área para se mostrarem ao guarda-redes e aos dois defesas-centrais. Num vislumbre rápido, Fred e Stepanenko pareciam mais defesas-centrais que os defesas-centrais.

Se Fred fosse pressionado por Hamsik e Stepanenko acompanhado por Zielinski, como era previsível, então Marlos pedia a bola junto da linha do meio-campo, no corredor central, porque Srna tinha-se adiantado em virtude da abertura dada por Ordets. Este pormenor da deslocação de Marlos para a zona interior é importante porque explica em que medida o equilíbrio do Nápoles abanou.

Ou seja, se, conforme foi referido acima, Hamsik e Zielinski tentavam pressionar alto e condicionar a fase inicial de construção do Shakhtar, então Diawara, o vértice recuado do 4-3-3 napolitano, também tinha de reduzir a distância para os dois colegas do meio-campo, para não correr o risco de haver uma cratera na zona média e a equipa ficar partida. Assim, Diawara manifestava tendência para se adiantar alguns metros, mas depois hesitava porque tinha de lidar, não só com Taison, o “dez” adversário que atuava no seu raio de ação, mas também com o súbito aparecimento de Marlos, o extremo invertido.

E foram várias vezes em que o Shakhtar conseguiu superioridade numérica e posicional onde mais lhe convinha: no centro do campo para depois projetar a bola com mais segurança para a frente, não sendo à toa que o Shakhtar terminou a primeira parte com 52% de posse de bola, um pequeno triunfo sabendo que o oponente é o Nápoles.

A primeira jornada da Liga dos Campeões trouxe-nos a cavalgada de 60 metros de Zappacosta, o furacão-Kane em Wembley, a retoma do Barça, o parque de diversões da MCN de Emery e até o regresso de Coutinho em Anfield. Mas o golpe de asa de Fonseca justifica idêntico realce.