Opinião
Ó Gelson, tu que me acodes
2018-02-08 14:00:00

Jorge Jesus abriu o coração, como geralmente faz a cada oportunidade que tem para o fazer, quando disse, no final do Sporting-FC Porto na meia-final da final four da Taça da Liga, que Gelson Martins era o único atacante que tinha à disposição no plantel que conseguia imprimir velocidade no jogo do Sporting. E é verdade. Mas, das duas, uma: ou Jorge Jesus enviava uma mensagem para cima queixando-se de que não lhe foram dados os jogadores que queria; ou estava a fazer uma autocritica pelo facto de não ter percebido que ter apenas Gelson como jogador capaz de desequilibrar se viria a revelar curto, mais cedo ou mais tarde.

À entrada para o último terço da temporada já se percebeu que Marcus Acuña não é esse jogador. O extremo argentino, que fique bem claro, é possuidor de muitas valências e é de uma extrema utilidade, mas não emprega a velocidade de que o jogo do Sporting, por vezes, carece. A questão é: quando o Sporting pagou quase nove milhões de euros pelo jogador, certamente saberia o que estava a contratar. Quer dizer, prever se um jogador se adaptará a uma nova realidade, com tudo o que isso implica, é uma tarefe quase impossível, mas perceber as características básicas de um jogador não deverá ser um trabalho de apalpadelas. Digo eu.

Não quero, com isto, tirar legitimidade à contratação de um jogador que tem sido convocado à seleção argentina. Nem pôr em causa a contratação de dois médios defensivos – Wendel e Misic – por cerca de 12 milhões de euros. Dir-me-ão que são oportunidades de negócio, e quem sou eu para discordar? A questão que me parece pertinente está relacionado com o futebol jogado, dentro de campo. E desafio quem me diga que o Sporting deslumbrava mesmo antes da lesão de Gelson. Raramente o fez esta temporada e, quanto muito, a presença de Gelson em campo ia atenuando a falta de vertigem no futebol do Sporting, que ficava a nu nos jogos em que o extremo não jogava. Recordo os jogos para as taças em que Jorge Jesus acabou por ter de recorrer à imprevisibilidade do atacante apartir do banco.

O treinador do Sporting certamente saberá que não é com a entrada de jogadores como Bryan Ruiz, Bruno César ou Rúben Ribeiro – excluo Daniel Podence propositadamente dado o infortúnio do jogador – que o jogo da equipa vai ganhar velocidade. Não está em causa, mais uma vez, a qualidade dos jogadores referidos ou a dedicação empreendida por estes profissionais na causa sportinguista. Mas há uma coisa que todos sabemos: estes jogadores não empregam a velocidade e a vertigem de que Jesus precisa.

Jorge Jesus já afirmou, bem ao seu jeito, que se lembra do futebol italiano quando olha para o jogo da sua equipa. Estilo “resultadista”. Chegou mesmo a comparar o Sporting com a Juventus, mas o que Jesus não quer ver é que esse “resultadismo” não tem existido ultimamente. Desde a vitória caseira frente ao Aves por 3-0, os leões disputaram seis partidas e apenas venceram uma, com um golo aos 84 minutos. Pelo meio aconteceu a conquista da Taça da Liga com duas vitórias nos pontapés de penálti. Se diante do FC Porto, a coisa pode não chocar, a verdade é que frente ao Vitória de Setúbal, o Sporting realizou uma das primeiras partes da era-Jorge Jesus.

Mas se para ser campeão de inverno – terminologia associada à conquista da Taça da Liga – o pouco futebol apresentado pelo Sporting não chegou para ser obstáculo, a verdade é que o mesmo não pode ser dito se nos focarmos no campeonato. Ainda com Gelson, o Sporting falhou, caricatamente, no Bonfim, ao deixar-se empatar num jogo que dominou territorialmente durante 90 minutos – até ao lance que deu o empate sadino – e falhou, já sem Gelson, na Amoreira, ao ceder aquela que foi a primeira derrota em competições nacionais na presente temporada.

Já ouvimos, também, ao longo da presente temporada, Jorge Jesus dizer que não é fácil fazer golos ao Sporting. Outra verdade. Lembro os jogos com Benfica e FC Porto e as exibições dignas na Liga dos Campeões ante FC Barcelona e Juventus. As aquisições de Mathieu e Fábio Coentrão, com todos os riscos que acarretavam devido aos problemas físicos, têm-se revelado muito acertadas. O defesa francês já mostrou que é de um nível acima, só possível ao campeonato português por estar na fase final da carreira; e Coentrão é sempre uma mais-valia estejam as lesões ultrapassadas. Há ainda o lateral Piccini que, pese embora algumas lacunas no plano ofensivo, tem uma excelente orientação defensiva; há Sebastián Coates; e há Rui Patrício, talvez na melhor fase da sua carreira.

A questão é que de pouco, ou nada, servirá ao Sporting defender muito bem contra o Vitória de Setúbal ou contra o Feirense se não conseguir, também, pôr em cheque as defensivas contrárias com um futebol ofensivo, acutilante e imprevisível. O futebol calculista chegou para Jorge Jesus vencer partidas como a de Vila do Conde, ou a do Bessa. Lembro até a vitória em Alvalade por 1-0 frente ao Belenenses onde na segunda parte a equipa, então, orientada por Domingos empurrou os leões para o seu meio-campo. Não esqueço também o empate caseiro frente ao SC Braga onde o Sporting se viu, grande parte do tempo, dominado pelo conjunto de Abel.

Isto para dizer que Jorge Jesus não se pode desculpar com a ausência de Gelson, simplesmente porque os sinais de que o Sporting dependia dos rasgos individuais do jovem atacante sempre lá estiveram. Sem Gelson o Sporting torna-se muito previsível. E mesmo com o regresso do internacional português à competição, continua a ser curto para uma equipa que tem ainda muito para discutir. É verdade que é o mercado que dita as leis, e talvez o Sporting não tenha tido a capacidade de precaver a necessidade da ter mais velocidade na equipa optando por se reforçar com jogadores de características diferentes como são os casos dos já referidos Wendel e Misic e ainda de Rúben Ribeiro e Montero.

Não há mal em Jorge Jesus projetar um Sporting “resultadista”, de dotar a equipa com jogadores com as características que ele entenda que sejam as mais adequadas. Só causa estranheza o facto de o treinador do Sporting se mostrar surpreendido, lamentando a falta de velocidade quando Gelson não joga.