Opinião
O futebol e os manipuladores que abanam a cauda
2017-11-28 14:00:00
O futebol joga-se hoje também muito longe das quatro linhas. Há quem tenha por missão "abanar a cauda". Que são vocês.

Vou fazer isto pela ordem da classificação, para não ferir suscetibilidades, que isto anda tudo muito sensível. Trabalhei com o Francisco J. Marques no Público, com o Nuno Saraiva no Diário de Notícias e com o José Marinho na Sport TV. Tive sempre boa impressão dos três e assino por baixo qualquer documento que diga que foram jornalistas sérios, honestos e competentes. Como explicar, então, o que está a passar-se agora, com ataques de caráter e acusações de manipulação? É muito simples. Eles já não são jornalistas e continuam a ser profissionais, mas de um novo ofício: a comunicação empresarial, que no caso dos clubes de futebol tem a agravante de misturar interesses competitivos com paixão muitas vezes irracional. E agora vem a parte que não vão gostar de ler: a culpa do que está a passar-se é, primeiro que tudo, vossa. Dos potenciais consumidores de informação.

E a culpa é, antes de mais, vossa, por duas razões. Primeiro, porque em termos de futebol pensam muitas vezes com o coração. Quem de vós nunca disse a famosa frase “esses jornalistas só andam aí para defender os interesses do [inserir nome do clube rival]!”? Ou não a completou  com um “isso era mas é correr com eles todos daqui! À pancada, de preferência!” Ou, por fim, não fez a síntese e recolheu os aplausos gerais com um unânime “eu cá só acredito no que diz o meu presidente [ou o jornal do meu clube, ou a televisão do eu clube]!”? Pois bem, foi aí que chegámos. Com os meios de comunicação social enredados numa realidade de desinvestimento por força da abundância de conteúdos gratuitos – ninguém paga pela informação, mas ela continua a custar dinheiro a produzir… – os clubes vieram ocupar o espaço vazio e deram aos adeptos aquilo que eles querem. Que é comunicação parcial.

É por isso que não confundo as coisas. Primeiro, nada me impele a achar que – outra vez pela ordem da classificação – o Francisco J. Marques, o Nuno Saraiva ou o José Marinho sejam maus profissionais nas tribunas televisivas que ocupam ou nas redes sociais que utilizam. O que são é profissionais de outro ofício. Para o meu gosto pessoal, vão quase sempre longe de mais, mas também aí a responsabilidade é muito vossa, que pedem sempre mais defesa das vossas cores e ataque feroz às dos rivais. E aqui surge a vossa segunda culpa – e a nossa primeira, enquanto classe jornalística. Vossa, porque, regra geral, reagem com cliques a tudo o que baixa o nível: os cliques são uma das novas formas de financiamento dos projetos jornalísticos e o conceito de “conteúdo viral” nas redes sociais é bastante curioso de analisar. E nossa, enquanto classe jornalística, porque muitas vezes, cansados da vossa indiferença a trabalhos sérios mas que não metem a faca na liga e com a pressão dos salários para pagar, cedemos a essa tentação do clique fácil e damos espaço a assuntos que deviam ser hermeticamente contidos em salas para atrasados mentais.

Para que não haja dúvidas, aquilo que o Bancada faz é muito simples: tudo o que venha dos departamentos de comunicação dos clubes só nos interessa se for factual e objetivo. Não queremos opiniões. Mesmo que isso nos custe milhares de cliques, não queremos saber se um clube acha que o outro foi beneficiado ou se outro suspeita que os árbitros ou os delegados têm medo da influência do primeiro... Não damos guarida a “achismos”, a não ser que venham de primeiras figuras: se um presidente ou um treinador o disserem é diferente, com a nuance de que estes nunca o dizem, pois contrataram alguém para lhes fazer o trabalho sujo. Para que possam perceber melhor as diferenças, aconselho que vejam o filme “Wag the Dog”, de Barry Levinson, que teve o título português “Manobras na Casa Branca”. Nele, um presidente norte-americano à beira da reeleição é apanhado num escândalo sexual e o seu principal conselheiro (Dustin Hoffman) contrata um produtor de Hollywood (Robert de Niro) para “fabricar” uma guerra fictícia com a Albânia nos meios de comunicação global. O primeiro objetivo era desviar as atenções; o segundo era recolher os louros por ter pacificado o Mundo, mas o que interessava mesmo era ganhar as eleições.

Toda aquela gente tem vidas normais. Todos são profissionais e fazem o seu trabalho. Todos: o presidente, o conselheiro, o produtor. Mas os únicos enganados são os eleitores norte-americanos. Não queiram ser a cauda do cão.*

 

*O título do filme, “Wag the dog”, "Abana o cão", em tradução literal, vem de uma piada. “Por que é que o cão abana a cauda? Porque é mais inteligente do que a cauda. Se a cauda fosse mais inteligente do que o cão, seria a cauda a abanar o cão”. Na analogia feita no título, a cauda são os eleitores, que são abanáveis por quem é mais inteligente e consegue sempre manipulá-los.