Opinião
O casamento perfeito entre o FC Porto e Sérgio Conceição
2018-05-15 14:00:00
O treinador fez da equipa um todo que vale bem mais do que a soma das partes. O que explica o título e cria uma dúvida.

O trabalho brilhante de Sérgio Conceição, que conduziu ao título nacional indiscutível um plantel que no início da época parecia mais curto do que o dos rivais – mas que ele soube alargar com inteligentes medidas de gestão inclusivas – deve ser motivo de orgulho para todos os adeptos portistas, mas é ao mesmo tempo o primeiro ponto de interrogação para o momento em que os responsáveis do clube começam a encarar a nova temporada. Porque o todo desta equipa do FC Porto foi muito claramente superior ao que valiam as partes e isso, em altura de baralhar e dar de novo, não só levará o mercado a olhar com menos entusiasmo para os jogadores portistas como vai certamente centrar as atenções internacionais no homem que ali fez de cola-tudo: o próprio Sérgio Conceição. E aquilo de que Pinto da Costa menos precisa neste momento é de perder o treinador que tornou possível a interrupção do mais longo jejum de troféus em 36 anos de presidência.

A importância do treinador tem muitas justificações e ficou bem patente nos festejos. Nunca – creio que nem com José Mourinho, mas posso estar a ser injusto, porque com menos canais de TV em direto e sem redes sociais as coisas não atingiam em 2003 e 2004 a dimensão mediática que têm agora – um treinador foi tão celebrado pelos adeptos dos dragões e remeteu o próprio Pinto da Costa a um papel tão secundário. A justificação não é difícil de encontrar. Aliás, elas são múltiplas, desde a idade de Pinto da Costa, que naturalmente o torna menos ativo na frente de batalha, ao facto de nunca o FC Porto dos tempos modernos (desde 1982, quando chegou este presidente) ter passado tanto tempo sem ganhar um único troféu (e foram quase quatro anos desde a Supertaça de Agosto de 2014) ao importantíssimo aspeto que é o casamento perfeito entre a personalidade de Sérgio Conceição e o âmago do portismo.

O portismo é – ou pelo menos assim foi reinventado por Pinto da Costa e Pedroto – um estado de revolta contra o centralismo, seja ele o lisboeta, da capital (daí as constantes referências ao SLB nos cânticos das claques), seja o próprio elitismo portuense, bem personificado em Rui Rio (e daí a importância do regresso à Câmara Municipal nos festejos, patrocinado por Rui Moreira). E se a revolta de Pinto da Costa e José Maria Pedroto sempre pareceu política e estratégica, cuidadosamente planeada em cada ínfimo detalhe; se a revolta de José Mourinho sempre soou a marketing, a Mind Games, também cuidadosamente organizados; já a de Sérgio Conceição é absolutamente natural e genuína. Não quero com isto diminuir o mérito de quem gizou a estratégia ou de quem tão bem a soube interpretar e reinventar, mas somente explicar a razão pela qual aquilo que à partida parecia poder vir a tornar-se um problema – a panela de pressão de emoções que é a alma de Conceição – acabou por ser um argumento mais para o título do FC Porto. Conceição é assim e quem o conhece sabe bem por que razões: a referência aos pais, ambos falecidos, destapa um pouco o véu acerca das imensas dificuldades que teve de superar na vida. A questão é que, tenha isso acontecido de forma propositada e consciente ou não, em vez de permitir que esse traço de personalidade prejudicasse as ambições do grupo, ele foi capaz de o tornar num veículo de identificação com o portismo.

Claro que depois o FC Porto não ganhou só por causa disso. Ganhou também porque, em ano de limitações impostas pelo “Fair-Play Financeiro da UEFA”, teve um treinador que soube fazer do pouco muito. Se no início da época poderia parecer que o FC Porto tinha apenas 14 ou 15 opções sérias para jogar ao mais alto nível, Sérgio Conceição alargou essa base através de uma gestão sempre inclusiva do plantel. Começou por recuperar jogadores emprestados em que os seus antecessores já não acreditavam – Aboubakar e Marega foram disso os melhores exemplos – para depois, dentro do próprio grupo, ir fazendo uma rotação que indicava ao balneário que ali todos contavam. A forma como encostou Casillas deu esse sinal, porque pode ser vista de duas formas. O sentimento popular prefere salientar que foi uma forma de o treinador dizer que quem trabalha menos durante a semana vai sentar-se no banco, independentemente de ter mais ou menos estatuto. Eu prefiro ver a coisa pelo outro lado: qualquer um pode ser chamado a qualquer momento, o que significa que não só tem de estar preparado para isso – e não pode, nunca, relaxar – como que, jogando, vai mantendo os níveis competitivos em alta, vai estando rodado e pronto a competir de novo.

A questão que sobra é: e agora? Da SAD já chegaram notícias de que se espera vender alguns jogadores, mas também que há expectativas de poder comprar no próximo defeso, saindo do regime de “suspensão” imposto pela UEFA. O problema é que – e sim, sei bem que hoje em dia os valores de mercado são mais fixados pela particularidade de se ter o agente certo a trabalhar do que pelo valor real dos jogadores – o próprio mercado tem a noção de que esta equipa do FC Porto vale muito mais do que a soma das suas partes. Olha-se para jogadores fundamentais na caminhada, como Marega, Herrera, Brahimi, Alex Telles ou Felipe, e não se vê os grandes da Europa a perderem a cabeça com eles. Foram, todos eles, extraordinários, mas nem assim me parece viável que alguém chegue com uma mala com 30 milhões para levar um deles. Aliás, até me parece mais credível pensar que alguém possa olhar com apetite para Sérgio Conceição. O que seria uma pena para todos. Para o FC Porto, que perderia o arquiteto maior do sucesso, e para o próprio Conceição, que dificilmente encontrará no Mundo o caldo de cultura que no FC Porto lhe favorece o sucesso.