Opinião
O bacilo do controlo de jogo
2018-02-19 14:00:00

Vi com atenção de analista e agrado de adepto o Juventus-Tottenham da semana passada, um verdadeiro jogo de Champions em que ambas as equipas mostraram ambição. Ambas e em todo o jogo? Isso já não. A partir de determinado momento, já com dois golos de vantagem, a Juventus cedeu à síndroma italiana do controlo com linhas mais baixas, pensando mais em explorar os desequilíbrios que o adversário autorizasse na hora de assumir o esforço de recuperação do resultado. Consequência: a Juve pressionante dos primeiros minutos, a impedir a construção de jogo dos Spurs logo à saída da área inglesa, deu lugar a uma Signora retraída, agrupada entre a sua área e a linha do meio campo (o bloco baixo, por definição). Claro que num ou outro contra-ataque poderia ter marcado e quase sentenciado o jogo, desperdiçou até um penalti no final do primeiro tempo, mas podendo o episódico mexer com o estrutural verdadeiramente nunca o altera por si só. A equipa italiana tinha entregado a iniciativa a um rival forte, recheado de jogadores capazes de decidir um jogo e que tinham passado a estar mais vezes perto da zona de finalização. Daí aos golos foi uma questão de acerto entre um bom passe interior e uma desmarcação de sucesso. 

Um dia depois em Madrid, também o PSG esteve na frente e se deixou ultrapassar no resultado. Ponto comum: com um resultado positivo, empate fora a meio da segunda parte, Unay Emery deixou-se igualmente contaminar pelo bacilo do controlo e vai de trocar o goleador Cavani - igualmente um ponto de apoio fundamental para as arrancadas de Neymar ou Mbappé -  pelo lateral Meunier. Dani Alves subia uns metros no campo e a equipa tentava fechar caminhos, com duas linhas defensivas de quatro homens, na ideia de estar mais protegida perante o adivinhável assalto final do Madrid, tão comum em Chamartín. Não saberemos o que teria sucedido sem essa mexida mas não há dúvidas sobre o que aconteceu com ela: o Real teve o ascendente que nunca conseguira até então, o PSG experimentou muito mais dificuldades para ter bola no meio campo contrário e os avançados da casa passaram a viver como gostam, mais junto da baliza contrária. E há um que bem conhecemos que nunca falha nessa zona e nesses momentos: Cristiano Ronaldo, um feiticeiro do golo como raramente o mundo viu.

No Dragão, na goleada sofrida pelo Porto, a história foi diversa, já que a equipa portuguesa nunca esteve em vantagem, mesmo se podia tê-lo conseguido no lance de Otávio, ainda no primeiro quarto de hora. No entanto, o Porto veio a falhar em duas dimensões relevantes, sendo uma mais comum que a outra na equipa portista. Ao contrário do hábito de ser pressionante sobre a construção do rival contrário, optou desta vez por um bloco médio-baixo que impedisse a exploração do espaço nas constas da defesa. Na linha de objetividade que é sua imagem de marca com bola, muitas vezes traduzida em lançamentos longos para aproveitar a potência e velocidade dos atacantes, fez desse tipo de lances a forma privilegiada de chegar à área inglesa. Com esta insistência acabou por perder a bola demasiado depressa e com o recuo estratégico (associado a grandes preocupações individuais no momento defensivo) esteve quase sempre longe da zona de ataque, sujeitando-se a perdas de bola em zonas comprometedoras que Salah, Mané e companhia aproveitaram sem clemência. Claro que a diferença de qualidade individual também explica o resultado, como explica a goleada de sentido inverso entretanto conseguida diante do Rio Ave, mas não foi só na concretização da estratégia que o Porto foi diferente, foi na intenção também, e aí começou a perder num caso e a ganhar no outro. A estratégia, o plano para cada jogo é fundamental para o sucesso e não há treinador competente - como são Aleggri, Emery e Conceição - que não deva tentar uma abordagem específica perante um novo e distinto desafio. Mais que perceber o óbvio - que umas vezes corre melhor que outras - anoto o que me parece cada vez mais evidente quando no opositor se acumulam talentos capazes de constituir onzes e sobretudo ataques de sonho: deixá-los estar mais tempo perto da nossa área é colocarmo-nos mais longe da felicidade.

Carlos Daniel é jornalista na RTP e escreve no Bancada às segundas-feiras.