Opinião
Meia parte para um candidato
2018-02-21 14:00:00

Acaba hoje o maior intervalo da história do futebol português. Entre 15 de janeiro e 21 de fevereiro, Sérgio Conceição terá tido tempo para adormecer a azia (reconhecida pelo próprio) que o golo do Estoril lhe provocou, mas também para estruturar um plano de ataque à baliza adversária e ao relógio. A segunda parte do jogo que está a perder é mais um desafio para um treinador que tem conseguido manter a alguma distância as ameaças à liderança portista.

Do jogo da Amoreira não resultará uma definição clara, um afastamento da refrega de algum dos candidatos ou uma óbvia confirmação de sucesso de outro (ou outros). Mas se a equipa azul e branca virar o marcador ao contrário, conseguirá colocar-se numa espécie de zona VIP da luta pelo título, assumindo um favoritismo mais evidente e cavando uma vantagem dura de ultrapassar para Benfica e Sporting.

O Estoril vai começar a segunda parte com um golo no bolso e é provável que fique a meio caminho entre a defesa de uma vantagem prometedora e a necessidade de ter bola para tentar ferir um adversário que vai entrar em campo com o frenesim de um tigre perante a visão de carne fresca. Uma voracidade portista que foi evidente em Chaves e frente ao Rio Ave, duas das equipas mais competentes do campeonato.

A imagem do pagamento da fatura europeia é recorrente para explicar o que devolve um grande ao tamanho natural depois de uma humilhação europeia. Na base desse tipo de resposta (que o FC Porto deu sempre esta época, depois das derrotas frente a Besiktas, Leipzig e Liverpool) está quase sempre a explicação mais simples para a derrota que antecedeu a redenção caseira: o adversário anterior era melhor, foi mais forte, mais competente e mais ambicioso. E muito acima do nível médio do campeonato português, onde os grandes navegam em águas mais calmas.

O FC Porto dominador e castigador para grande parte dos adversários internos não conseguiu fazer "check-in" nas derrotas europeias, sendo substituído (com prejuízo) por um Dragão menos impositivo, com menos posse de bola e menos oportunidades de golo. No caso do Liverpool há uma notória diferença de orçamentos, mas também foi palpável uma diferença de abordagem.

Numa fase da temporada com muitas quebras de rendimento, lesões e castigos, Sérgio Conceição está a tentar enraizar a candidatura portista em alguns nomes que parecem estar a dar garantias ao treinador nos momentos decisivos.

Sérgio Oliveira confirmou que é possível ao Porto sobreviver sem Danilo Pereira. A prova está escrita na forma como se encostou a Herrera para formar uma dupla competente no meio-campo portista, encimando as exibições com três golos nos últimos cinco jogos.

Alex Telles vai empilhando assistências e conseguiu tornar o pé esquerdo no caminho mais rápido para o golo. O futebol mais retilíneo e menos virtuoso afasta-o de Drulovic e João Vieira Pinto, mas chega a aproximar-se destes no que toca à eficácia na forma como entrega golos aos avançados. Para além disso, o lateral brasileiro conseguiu trazer uma maior acutilância ao corredor canhoto, possibilitando a Brahimi uma melhor exploração das zonas centrais. Alex Telles exibe um registo mais semelhante ao de Alex Sandro, por oposição a Layún, que não conseguia construir uma sociedade tão eficaz com o criativo argelino.

Com Aboubakar de baixa, Sérgio Conceição obrigou-se a recuperar Tiquinho Soares, mas o brasileiro respondeu de forma tão eficaz que tornou numa memória difusa o desentendimento com o treinador, há menos de um mês, no clássico da Taça da Liga. Soares juntou trabalho, qualidade e eficácia, conseguindo manter o Porto num patamar alto de eficácia ofensiva.

Na baliza, Sérgio Conceição demorou alguns meses até perceber que o melhor guarda-redes portista andava pelo banco nos jogos europeus e do campeonato, mas assumiu agora que a experiência de Casillas dá garantias nos momentos mais decisivos. E haverá tempo para José Sá voltar aos postes, já na próxima temporada.

Todos estes nomes deverão ter lugar marcado nas primeiras opções de Sérgio Conceição no "meio jogo" em atraso, mas o labirinto da limitação de escolhas que os treinadores vão ter pela frente ameaça condicionar de forma muito decisiva o encontro entre o Estoril e o FC Porto.

P.S. - A 26 de junho do ano passado, num texto aqui publicado, coloquei Rúben Dias numa lista de centrais com possibilidades de chamada ao Campeonato do Mundo. Agora, a poucos meses das escolhas finais de Fernando Santos, a candidatura do jovem central do Benfica ganha cada vez mais força, ancorada numa titularidade sem discussão (e com excelentes exibições) na equipa de Rui Vitória. Afinal há mesmo futuro para o eixo defensivo da Seleção Nacional.

Manuel Fernandes Silva é jornalista na RTP e escreve no Bancada às quartas-feiras