Prolongamento
André Cruz: "Golo do Mathieu fez-me lembrar os meus"
2017-09-21 21:00:00
"Não é qualquer um que faz um golo daqueles", frisa Inácio, que não esquece o "dom" de marcar livres do brasileiro

Longe iam os tempos em que o Sporting tinha um marcador de livres diretos de eleição. André Cruz encheu de encanto o coração dos sportinguistas e revelou-se determinante para o quebrar de um jejum de 18 anos sem conquistar o título de campeão nacional quando na época 1999/2000 decidiu jogo após jogo através do temível e certeiro pé esquerdo. Quase duas décadas depois, os leões parecem ter encontrado uma nova referência: também esquerdino, também central, Mathieu, bem ao estilo do antigo internacional brasileiro, lançou os verde e brancos para o triunfo diante do CD Tondela reavivando memórias antigas numa fase em que o clube de Alvalade tenta quebrar novo jejum no campeonato. Nem o próprio André Cruz ficou indiferente ao golo apontado pelo francês.

"O golo do Mathieu fez-me lembrar os meus", diz ao Bancada o ídolo do Sporting, sublinhando a qualidade do movimento técnico do defesa gaulês. "Foi um golo muito bonito. Um amigo meu mandou-me o vídeo e tive oportunidade de desfrutar do momento. Foi um golo muito bonito, de alguém que sabe o que está fazendo."

André Cruz sublinha que para se bater bem livres diretos é preciso ter esse dom e trabalhar. Trabalhar muito. "Tendo essa apetência, se se treinar todos os dias a marcação, as coisas acabam por sair naturalmente. É preciso é trabalhar muito, pois assim certamente que o jogador tem condições para fazer mais golos", afirma, reforçando: "Em 1989 fiz um golo muito lindo pela seleção do Brasil frente à Itália na vitória por 1-0 e as pessoas ainda hoje me perguntam: como se faz, como se marca um golo daqueles? E é como digo: além do dom natural é preciso trabalhar muito. O Rogério Ceni, guarda-redes que marcou muitos golos de livres, é a prova disso mesmo, da importância do treino, da tentativa de aperfeiçoar sempre, de tentar fazer sempre melhor."

Será Mathieu um substituto à altura de André Cruz? Augusto Inácio, também ele esquerdino, marcador de livres, e treinador do internacional brasileiro na época de ouro para os leões, acredita que sim. "Não é qualquer um que faz um golo daqueles. Foi um pontapé fantástico", sublinha Inácio, acrescentando: "Mathieu pode aproveitar esta mais valia."

O treinador campeão pelo clube de Alvalade em 1999/2000 ressalva, todavia, o facto de até ao momento esta faceta de Mathieu só ter sido vista em dois momentos e aguarda com expectativa a possibilidade de apreciar o francês a marcar não tanto da zona central mas de uma zona mais lateral. "O golo que fez ao Tondela faz-me acreditar que vai marcar mais, pois ele fez o mais difícil: rematar em jeito, mas com força. Aliar a força à técnica é o mais difícil. Vamos ver, no entanto, como marcará numa zona mais lateral. Até agora, vimos dois livres: um em que fez golo e outro que passou perto da barra. Vamos ver..."

O nome de André Cruz, pela similaridade e pelo contexto vivido atualmente pelos leões, não pôde deixar de vir à tona. "O Sporting nunca mais teve um jogador com a capacidade de marcar livres evidenciada pelo André Cruz", lembra Augusto Inácio. E o que é preciso para se ser um bom executante de livres diretos? "É preciso ter o dom, ter jeito e, depois, tem que se trabalhar muito. Há uns que têm jeito, há uns que têm força e há outros que têm força e jeito. São os predestinados como o André Cruz."

Neste contexto, Augusto Inácio conta ao Bancada a forma curiosa como o internacional brasileiro treinava livres. "Acabava os treinos e punha um colete mesmo na gaveta, como se diz na gíria futebolística, mesmo no cantinho, no ângulo superior da baliza e tentava acertar com a bola no colete. O Sporting teve a sorte de ter tido um jogador como o André, que foi fundamental resolvendo diversos jogos, como foi o caso do jogo do título com o Salgueiros em Vidal Pinheiro, em que marcou o primeiro e o quarto na vitória por 4-0. Fez o mesmo em Leiria, em Aveiro e frente ao FC Porto através de um remate tremendo de força e colocação, que deixou o Vítor Baía sem reação."

É precisamente o golo apontado aos dragões que André Cruz elege como o preferido apontado com a camisola do Sporting. "O golo mais bonito que marquei pelo Sporting foi o meu primeiro em Alvalade contra o FC Porto. Foi esse o mais bonito. Abriu o caminho para a vitória que acabou por ser de 2-0, com mais um golo do Acosta, e na altura passámos para a frente do campeonato. Não esqueço também os dois golos que fiz na festa do título, contra o Salgueiros. Foi uma época muito bonita que jamais esquecerei. Foi tudo muito bonito."

A importância cada vez maior que as bolas paradas têm no futebol moderno não deixa de ser enfatizada por Inácio. "Setenta e tal por cento dos golos são feitos através de bolas paradas, pelo que os jogadores que sabem marcar livres são importantíssimos e o Sporting não tem um, ou não tinha, desde o André Cruz." Neste contexto, o antigo técnico dos leões lembra um jogador determinante na marcação de livres diretos que lhe enchia as medidas. "Só me lembro de um que era eficaz na direita, na esquerda, no meio. Era o Heitor, que jogou no Marítimo e no Vitória de Guimarães. Era perigosíssimo fosse de onde fosse."

Esquerdino como André Cruz e Mathieu, Inácio, que no entanto era lateral, também revelava apetência pela marcação de livres. "Eu era só em jeito. Não era um predestinado. Gostava de marcar mais em jeito, perto da meia lua, picando a bola por cima da barreira." A este propósito recorda um episódio curioso: "A vontade de marcar era tanta que uma vez contra o Vitória de Setúbal fiz um golo por mera sorte. Era livre indireto, mas não me apercebi que o árbitro tinha a mão no ar e rematei diretamente para a baliza, só que a bola ainda bateu na cabeça de um defesa, pelo que foi mesmo golo."

Há dezassete anos, os golos de André Cruz e companhia resultaram na conquista do título. Poderá o Sporting ter pretensão idêntica esta temporada? "Todos os anos se pensa nisso. Há duas temporadas o Sporting fez 86 pontos e não foi campeão. Esta época o Sporting começa com seis vitórias em outros tantos jogos e é natural que a expectativa esteja elevada. Fazendo um pouco de futurologia, mas com realismo, não estou a ver um Benfica tão forte como há dois anos, mas estou a ver um FC Porto mais forte. O que joga contra o FC Porto é o facto de ter um plantel curto", refere Augusto Inácio, criticando a forma como o Benfica agiu durante o mercado de transferências. "O Benfica trabalhou mal neste defeso. Não se precaveu e tem o problema do lateral-direito, o problema do guarda-redes, o problema dos defesas-centrais, ainda por cima com jogadores propensos a lesões como o Fejsa, o Júlio César, o Grimaldo, o Jardel..."

Neste cenário, Inácio acredita que o Sporting tem legítimas esperanças de sonhar com o título. O antigo treinador leonino rejeita, todavia, euforias. "É natural que os sportinguistas estejam confiantes, mas o Sporting só deve olhar para si e fazer o seu trabalho. Está no bom caminho."

Também André Cruz mostra confiança de que o Sporting poderá voltar a ser campeão nacional. "Acredito muito nisso. Vi a primeira parte do Sporting frente ao Olympiacos, na Grécia, e foi muito boa. Não deixou o adversário jogar e criou imensas oportunidades de golo. Marcou três, mas podia ter marcado muitos mais. O Sporting deixou-me uma impressão muito boa, mostrando-se uma equipa competitiva, forte, criativa, que cria muitas ocasiões de golo."

Neste sentido, o antigo internacional brasileiro, hoje em dia dedicado à formação de talentos em São Paulo, reforça o otimismo. "A equipa deixou-me bastante confiante. Espero que o Sporting volte a estar ao mais alto nível em Portugal e nas competições europeias. Ficaria muito feliz."

De Koeman a Sergio Ramos

Os livres diretos são cada vez mais importantes no futebol moderno mas são cada vez mais raros os defesa-centrais com capacidade para desequilibrar neste particular. Ronald Koeman, antigo internacional holandês do FC Barcelona, PSV, Ajax e Feyenoord, é talvez a grande referência mundial de centrais goleadores especialistas na cobrança de livres diretos. Com um temível e portentoso pé direito, o jogador que mais tarde treinou o Benfica apontou nada mais, nada menos do que 250 golos, marca verdadeiramente extraordinária para um defensor.

Sergio Ramos é o maior expoente da atualidade neste aspecto, somando 40 golos. Ao central madridista há a juntar nomes como o belga Van Buyten (64 golos, a maioria dos quais na transformação de livres diretos), Vidic (46 golos), Juan (44), Naldo (27) Vertonghen (21) e Vermaelen (20).