Opinião
Jonas, o escrete e as pistolas encravadas
2018-03-06 14:00:00
Mais que perceber quanto de Jonas há nos resultados do Benfica, há que perceber quanto do Benfica há nos golos de Jonas.

Jonas está a fazer um campeonato extraordinário. O jogo com o Marítimo, no sábado, foi disso exemplo. O adversário até entrou melhor, estava a criar dificuldades ao Benfica, mas assim que o “Pistolas” teve uma bola na área fez o primeiro golo. A história repetir-se-ia mais à frente, até retirar qualquer interesse competitivo que o jogo ainda pudesse ter para os observadores neutros. O hat-trick que o brasileiro completou na primeira parte do jogo, aumentando o seu total para 30 golos em 25 jogos, relançou dois debates. Um acerca do peso de Jonas no rendimento do Benfica. Outro acerca dos méritos do avançado, em contraponto com o demérito dos adversários. Afinal, Jonas é jogador para o a seleção brasileira? Ou só marca aos pequeninos e encrava as “pistolas” sempre que aumenta o grau de dificuldade dos jogos? As duas coisas estão ligadas.

Os benfiquistas não gostam que se diga que a equipa é excessivamente dependente de Jonas e a minha opinião é que, apesar de os números sugerirem um aumento da percentagem dos golos do número 10 no bolo global, já houve mais dependência daquilo que ele era capaz de dar ao onze. Sobretudo há dois anos, quando aquilo que a equipa jogava era incontestavelmente menos. Mas depois, os mesmos benfiquistas já se reveem na afirmação laudatória, segundo a qual uma bola na área em Jonas é golo certo. Aliás, até fundam nela a candidatura do jogador a uma vaga na fase final do Mundial, com a camisola canarinha. Afinal de contas, quem pode desprezar um avançado que garante um golo a cada vez que tem a bola na área? Ninguém. Nem o Brasil.

O problema é que as coisas não são bem assim. E, mais uma vez, as coisas estão ligadas. Jonas é, de facto, um finalizador temível, mas não possui o segredo da pedra filosofal futebolística e não transforma bolas quadradas em golos. O que acontece é que todo o processo da equipa do Benfica contribui para que a maior parte das bolas que chegam a Jonas na área sejam bolas de golo. Ao contrário do que sucedia, por exemplo, há dois anos, quando um Benfica em claro processo de mudança ganhou o campeonato sem futebol para isso, mas muito suportado na categoria individual de alguns dos seus jogadores, neste momento a equipa tem argumentos coletivos. Troca a bola a grande velocidade no meio-campo ofensivo, em tabelas que, por manterem a certeza de passe, vão tirando as defesas do caminho. O segredo de Jonas é o de conseguir participar nas tabelas – porque manteve a mobilidade, apesar de ter passado a ser a principal referência posicional do ataque – e aparecer depois no final das jogadas a finalizar e a fazer golos.

Ora é aqui que entra a outra “escola de pensamento”. Os adeptos mais radicais dos rivais na luta pelo título chamam a atenção para o facto de Jonas sumir sempre que o grau de dificuldade dos jogos aumenta. Fazem-no, até, de forma irreal, insinuando que os adversários facilitam – como se fosse possível um jogador marcar em 21 das 25 jornadas que leva o campeonato porque teve a tarefa facilitada por uma espécie de conspiração que envolveria 16 das 18 equipas do campeonato. A verdade é que, apesar de levar 30 golos em 25 jogos de campeonato esta época (e 95 em 98 jogos nos quatro campeonatos que fez na Luz), Jonas só marcou uma vez ao FC Porto e outra ao Sporting, ambas de penálti. E em três edições da Liga dos Campeões, fez apenas dois golos, ao Zenit e ao Galatasaray, que não são propriamente potências do nível das que a seleção brasileira terá de defrontar num Mundial.

Parece evidente que há um encravamento das pistolas de Jonas quando o nível dos duelos tende a elevar-se. No entanto, admito que isso não tenha a ver com a sua qualidade enquanto jogador, mas sim com a maior qualidade dos adversários na forma (coletiva) como se opõem ao processo do Benfica. No futebol português, vai tudo dar ao mesmo: a competitividade, quando se baixa daqueles quatro que estão no topo da tabela, é cada vez menor. Os golos de Jonas, aqui, são um efeito secundário, agradável para os benfiquistas, irritante para os rivais. Mas uma observação fria e neutra da realidade diz-nos que Jonas não é um alquimista imparável nem um atacante inútil noutras realidades. Neste momento, mais do que saber quanto de Jonas há nos resultados do Benfica, seria necessário entender quanto do Benfica há nos resultados de Jonas. E se o facto de ele falhar no degrau superior não tem a ver, sobretudo, com a equipa.

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