Opinião
Jonas e o alerta vermelho
2018-08-03 14:00:00

Em Portugal, anda tudo cheio de calor e na dimensão desportiva também há quem tenha de conviver com a sensação de alerta vermelho. Refiro-me ao assunto-Jonas. E convenhamos que é um folhetim que levanta mais dúvidas do que certezas. Não se trata de um elemento qualquer e é indesmentível que o Benfica terá mais ou menos garantias de êxito na edição 2018/19 conforme seja mais ou menos capaz de resolver aquilo que tem de ser resolvido com o seu jogador mais singular.

Há, ou não, possibilidade real, de o avançado paulista regressar à Vila Belmiro? Há, ou não, uma lesão nas costas arreliadora, a mesma que o tirou do desafio da época passada em Setúbal? Há, ou não, um mini-conflito de estatuto e de hierarquia resultante da súbita chegada de Facundo Ferreyra? E, a partir desta última pergunta, há, ou não, dificuldade de Rui Vitória em considerar Jonas na equipa-tipo sem prejuízo para o conceituado ex-Shakhtar, percebendo a consolidação do sistema de apenas um avançado-centro vincado nos dois últimos terços da época passada?

A questão da lesão nas costas merece alguma reflexão. Hoje, as capas de dois diários desportivos remetem, em simultâneo, para esse assunto. Já não é de agora que se fala nessa limitação física crónica, mas dá que pensar que, mesmo carregando uma lesão persistente na zona lombar, o craque de Bebedouro tenha sido capaz de finalizar a passada temporada com 34 golos em 30 jornadas do campeonato português. Trinta e quatro, por extenso. Foi a campanha mais profícua da carreira e, acredito eu, Jonas nunca passaria de unidade-chave a peso morto em tão curto espaço de tempo. Ou seja, confiando na tese de que ele esteja fisicamente diminuído com o mesmo problema da época passada na qual fez a sua melhor época da carreira, pode o Benfica dar-se ao luxo de viabilizar o seu abandono ou o seu afastamento gradual do clube ou da equipa titular?

Jonas é um dos mais bem sucedidos e acarinhados futebolistas da história do Benfica. À medida que espalha classe em cada passo nos relvados da Liga, acrescenta um toque especial e a sua resolução perto e longe da grande área é inigualável. Porém, se quisermos cingir-nos aos dados mais imediatos relativos aos golos, o atacante que o Valencia outrora desprezou também não passa propriamente vergonhas nas lides estatísticas: 99 golos anotados em 110 jornadas espalhadas por quatro épocas de águia ao peito. A primeira época com 20 em 27, a segunda com 32 em 34, a terceira, com menos utilização por causa de lesão, com 13 em 19, e a mais recente com 34 em 30.

Ou seja, se à etapa em Lisboa quisermos juntar as três épocas anteriores no Mestalla, Jonas carimbou sempre, só em jogos de campeonato espanhol ou português, um registo goleador de dois dígitos em cada uma das últimas sete temporadas que realizou na carreira. Aliás, em Valência fez uma boa dupla com Roberto Soldado, que curiosamente poderá ser seu adversário na eliminatória com o Fenerbahçe.

Admitindo também que houvesse intenção de o utilizar para não quebrar o ganho de forma nesta fase preparatória da temporada, pode parecer mais estranho é que Jonas tivesse sido utilizado a conta-gotas na ICC. Por outras palavras, acabou por ficar numa zona de nenhures, uma vez que não ficou fora somente a tratar a lesão da melhor forma possível para não agravar antes de encarar os turcos, ao mesmo tempo que, nas vezes em que jogou, também não se testou em simultâneo com aqueles que Rui Vitória projeta como prováveis titulares para defrontar a tropa de Cocu.

Olhem para o exemplo do jogo com o Dortmund. É verdade que Jonas atuou na segunda metade da segunda parte próximo de Ferreyra, rodeado por Cervi e Salvio. Mas os dois do meio-campo eram Alfa e Samaris, cenário que não testa verdadeiramente a possibilidade de chegada à área e de ligação da zona média para a zona ofensiva. Num contexto em que Jonas joga mais recuado em relação ao outro avançado-centro, seria importante começar a ver de que forma é que os médios poderiam aparecer para finalizar, em cooperação com as deslocações de Jonas para zonas exteriores a criar jogo. Para além disso, Grimaldo já nem estava em campo para envolver os ataques de uma forma que Yuri Ribeiro não consegue com tanta fineza.

Contra a Juventus, Jonas atuou na segunda parte sozinho na frente, rodeado por João Félix e Rafa. Meio-campo? Gedson, Alfa e Parks... No Algarve, encarando o Lyon, naquele que foi o jogo mais exigente de toda a pré-época por via da fasquia estabelecida por Bruno Genésio, com um alinhamento inicial que deve ser mais aproximado àquele que se vai ver contra o Fener, Rui Vitória lançou Jonas apenas para a segunda parte para combinar com Castillo, acabando o jogo novamente com o mesmo eixo do meio-campo que finalizou com o Dortmund: Alfa e Samaris, unidades num plano mais inferior na hierarquia dos centrocampistas, que até podem nem vir a ficar na Luz.

Rui Vitória tem preferência pelo desenho de três médios, como ficou marcado desde a deslocação a Guimarães em novembro. Não ter Krovinovic disponível no imediato reduz as ideias ofensivas e a eficácia das dinâmicas em ataque mais prolongado, ainda que Gedson tente dar um jeito perto de Pizzi e Fejsa.

Mas o Benfica da ICC, também por não ter Jonas devidamente enquadrado para filtrar combinações mais curtas, acaba por ser muito orientado para ações de contra-ataque e, por conseguinte, mais escasso em variações atacantes. Com aquele alinhamento, tem forçosamente de apostar ainda mais na rotura de Gedson e de Pizzi (vide golo no Algarve), esquecendo a opção de ver os centrocampistas manobrar mais a bola à procura de mais momentos para infiltrar a bola na zona de remate, como acontecia tantas vezes com Grimaldo, Krovinovic, Cervi e Jonas em 2017/18. Neste preciso momento, sem o croata disponível, é pouco exequível tentar jogar desse modo com projeção ofensiva de maior duração.

De qualquer forma, naquele caminho de desenhar mais movimento e rotura, vimos o Benfica ter o seu melhor segmento contra os franceses no início da segunda parte até ao momento do 2-2, também quando o Lyon começou a perder fulgor. Uma nota interessante nessa parte do jogo teve a ver com a boa dinâmica oferecida por Almeida e Grimaldo, defesas-laterais que acrescentaram muito mais movimento por fora e por dentro do campo, possibilitando mais aproximação de Zivkovic e Salvio às zonas de definição de golo.

Haveria outros temas importantes para debater sobre a equipa do Benfica, por exemplo na posição de guarda-redes. Mas, para já, naquilo que concerne ao jogador mais distinto do plantel, ainda há perguntas que não encontram respostas convincentes. Se Jonas tem um problema absolutamente limitativo, não deveria ir a jogo, sob pena de comprometer irremediavelmente a sua participação no campeonato e, claro, nas eliminatórias de qualificação para a fase de grupos da Liga dos Campeões. No entanto, se Jonas estava apto para ir a jogo, não existe muito nexo em ir para a ICC e montar o onze sem o camisola 10 englobado naquele que deve ser o onze mais forte idealizado pelo treinador. Não pode ter Jonas a jogar com os suplentes.

Aquilo que transparece é que Rui Vitória está fisgado no 4-3-3 e isso pode sobrar para Jonas. Ferreyra não foi contratado para ficar no banco e, como tal, pode pressupor Jonas para uma súbita e quase inacreditável condição de suplente, o que aparenta ser uma autêntica heresia. Porque a verdade é que se o treinador estivesse verdadeiramente interessado em ver comportamentos coletivos num sistema de dois avançados-centro, tê-lo-ia feito na ICC com Jonas, outro ponta de lança, sim, mas ter Grimaldo a avançar pela ala e ainda apresentar Fejsa ou Gedson ao lado de Pizzi atrás de si no meio-campo. Os mais fortes.

Da ICC, as conclusões que se tiram é que tudo está longe de estar concluído.