Opinião
Jogo, antijogo e as lições dos grandes
2018-03-14 14:00:00

Quando Luís Castro chega ao ponto de subir um pouco o tom de voz, quando critica de forma declarada as regras dos empréstimos e fá-lo utilizando cirurgicamente a força de algumas palavras, então percebemos que o futebol português está mesmo embrulhado em problemas graves.

O treinador do Desportivo de Chaves é praticamente o padrão nacional de cavalheirismo, mas até essa reconhecida serenidade sofre justificados abalos, face a uma quase quotidiana manta de acusações a várias equipas do nosso campeonato.

Luís Castro perdeu com o Sporting, elogiou a eficácia do adversário e lembrou-nos aquilo que nunca deixou de parecer evidente: “o princípio que reside (na regra que impede jogadores emprestados de defrontarem o clube com o qual têm contrato) é o da desconfiança, que todos são uma cambada de desonestos. Se ganhamos, estamos comprados. Se perdemos por três ou quatro, é porque somos vendidos”.

Um dos exemplos mais recentes surgiu de dentro de um próprio clube, foi a espécie de purga que o presidente do Marítimo colocou em marcha depois da goleada sofrida na Luz. O nome de Fábio Pacheco serviu de tapete para que todos os responsáveis pudessem limpar os pés depois de um mau resultado. E com várias alterações no “onze”, até surgiu um triunfo no jogo seguinte. Como se o “desterro” dos alegados culpados pela goleada pudesse criar a ilusão de que era afinal possível mudar tudo para melhor, num abrir e fechar de olhos.   

Há algo de trágico-cómico no destino das equipas de gama “média” ou “média/baixa” que defrontam os grandes. É como se entrassem em campo com aquele discutível adágio brasileiro às costas: “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”. Na linha de Luís Castro, o treinador do Paços de Ferreira traduziu isto para linguagem ainda mais simples, explicando que a ideia feita é de que as equipas ‘facilitam’ quando perdem por 5-0 e fazem antijogo quando ganham.

É verdade que os últimos minutos do encontro de Paços de Ferreira foram uma inutilidade para quem pretendia atacar e marcar, mas se a fronteira da legalidade foi quebrada, a responsabilidade primacial deverá ser atribuída ao árbitro, que tem a missão de zelar sempre pelo melhor aproveitamento do precioso tempo de jogo. Desta vez, em vários momentos, não o conseguiu fazer.

O Paços de Ferreira marcou a um grande e depois jogou como equipa pequena e matreira. Poderá haver quem ache isto uma novidade, mas o futebol português está cheio de histórias idênticas. A diferença é que esta fez colar um rótulo imediato de antijogo à equipa da casa e ao treinador.

No meio da confusão final, João Henriques ficou de braço estendido enquanto tentava cumprimentar o técnico adversário, mas exibiu nervos de aço e um discurso que lhe garantiram a segunda vitória da noite, mas esta por números mais expressivos. Perante a “reprimenda” pública de Sérgio Conceição, o treinador pacense não aumentou o volume, mas não deixou de responder com firmeza. E clareza. Como também foi cristalino na forma como negou que o técnico adversário lhe tivesse cuspido na cara no breve (des)encontro no relvado (um boato criado e potenciado pela habitual voragem – tantas vezes mentirosa e insultuosa – das redes sociais).

Quem já trabalhou com João Henriques garante reconhecer a assertividade tranquila e um certo comedimento na hora da vitória, mas algumas análises instantâneas e inflamadas surgiram carregadas de injustiça em relação ao trabalho de um treinador desconhecido para tantos, até agora. O técnico do Paços de Ferreira estuda os adversários até ao limite e prepara detalhadamente cada jogo, mudando muitas vezes a face da equipa para melhor contraditar o elenco e as características de cada adversário. Terá feito isso, uma vez mais, frente ao FC Porto. Sem uma grande exibição, com algum antijogo, mas com um muito bom resultado.

O papel de estreante na Primeira Liga facilitou algumas críticas, mas João Henriques chega ao principal escalão com um conhecimento profundo do futebol e da classe de treinadores, a mesma para a qual trabalha enquanto formador de novos técnicos. Agora que deixou as aulas de educação física na terra natal, em Tomar (que ainda conseguiu acumular de forma residual enquanto treinou o Leixões), João Henriques já terá percebido que entrou na espiral do eterno fogo da polémica, que circula a toda a velocidade no cume do futebol português.

Manuel Fernandes Silva é jornalista na RTP e escreve no Bancada às quartas-feiras.

 

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