Opinião
Gonçalo na hora das decisões
2018-01-31 14:10:00

Um tigre não pode ser herbívoro, um pinguim não consegue voar e uma baleia não sobrevive fora de água. Dificilmente se deixa de ser aquilo que sempre se foi, no mundo animal ou em qualquer outro contexto. Por isso é que o FC Porto nunca poderia deixar de ser um candidato natural ao título, mesmo que os dados iniciais da época demonstrassem que os dragões não tinham um plantel ao nível dos rivais ou desempenhos recentes capazes de ancorar uma ambição alargada. 

A temporada começou e apareceram bons resultados, trazidos por Sérgio Conceição e suportados por exibições que colocaram os azuis e brancos de novo no topo das candidaturas. Se no início da época a pressão era ainda limitada, hoje os adeptos portistas já exigem de forma estridente a conquista de troféus, dos títulos que andam arredios do clube desde o início da passagem de Paulo Fonseca (que conquistou a Supertaça Cândido de Oliveira).

Nos próximos tempos o FC Porto vai receber o Braga, vai defrontar o Liverpool por duas vezes e ainda voltará a ter pela frente o Sporting, também em jornada dupla (campeonato e Taça de Portugal). No meio deste calendário apertado, os azuis e brancos ainda terão de regressar ao Estoril para fazer a segunda parte de um jogo que estão a perder no fim dos primeiros 45 minutos (trata-se de um dos intervalos mais longos da história do futebol mundial, seguramente). 

A perda de pontos em Moreira de Cónegos, na ressaca da eliminação na meia final da Taça da Liga, acrescentou pressão para o próximo ciclo, que deverá ser clarificador quanto ao sucesso ou insucesso da atual versão do FC Porto. 

A lesão de Danilo Pereira obrigou a equipa de Sérgio Conceição a vestir um fato diferente na primeira jornada pós-Taça da Liga, um fato que o Moreirense tratou de apertar com força, ao longo de todo o jogo. 

A equipa de Sérgio Vieira apresentou-se com duas linhas defensivas de quatro jogadores e uma vontade indómita de tornar o relvado (ainda) mais pequeno, condicionando um jogo interior que parecia ser aposta firme de Sérgio Conceição para este encontro. O treinador do FC Porto juntou Óliver Torres, Brahimi e Paulinho (deixando a posição de médio mais recuado a Herrera), mas pareceu faltar sempre alguém para transportar bola e para provocar o erro do adversário. Poderia ter sido Óliver, mas o espanhol andou demasiado afastado das zonas de definição, baixando muito para iniciar a construção ofensiva, particularmente numa primeira parte em que os dragões não conseguiram exibir poder de fogo. 

Sérgio Conceição chegou a juntar no jogo quatro armas ofensivas fortíssimas: Aboubakar, Soares, Brahimi e Marega, mas esse empurrão terá surgido demasiado tarde e durou menos de dez minutos, com este elenco. Depois, o técnico portista decidiu apostar na mobilidade de Waris em detrimento da imponência de Aboubakar.  

Há, no entanto, margem para uma terceira via no plantel do FC Porto que vai abraçar a segunda metade da temporada. A chegada de Gonçalo Paciência permite a entrada no ataque portista de um futebol mais “gourmet”, trazido por um jogador carregado de técnica e criatividade, mas que também já se consegue impor fisicamente, podendo conseguir uma boa ligação com os “carros de assalto” que até agora têm tido protagonismo na temporada azul e branca.

Gonçalo permite um jogo de apoios e mais combinativo, mas para se impor no Dragão, terá de haver margem para a consolidação deste tipo de ações no futebol ofensivo portista (feito muito mais de vertigem e de ataque à profundidade). Se isso acontecer, o avançado que brilhou no Vitória de Setúbal ainda poderá ir a tempo de ser muito útil a Sérgio Conceição.  

Manuel Fernandes Silva é jornalista na RTP e escreve no Bancada às quartas-feiras