Opinião
Dembelé personifica a comoção do Barça após o caso Neymar
2017-09-02 14:50:00

Ronaldinho abandonou o Paris St. Germain, um clube sem tradição popular que foi aquilo que os seus empresários ou xeques quiseram que ele fosse, para assinar pelo Barça no Verão de 2003. Ronaldinho tinha 23 anos e o Barça já não ganhava um título desde o ano 2000. A contratação de Figo, capitão e grande estrela da equipa, pelo Real Madrid causara uma depressão abissal. Mas ainda que o prognóstico dado ao clube fosse muito reservado, o Barça mantinha o caráter atraente no mercado mundial. Durante toda a sua história, tinha sido o destino dos melhores jogadores do Mundo, de Kubala e Cruyff a Schuster e Maradona, passando por Romário e Ronaldo. Ronaldinho considerou que aquela era a equipa perfeita para se tornar o melhor futebolista do seu tempo. E acertou. Passaram 13 anos e Neymar percorreu agora o caminho inverso: deixou o Barça para assinar pelo Paris St. Germain, onde pretende ocupar o lugar de Leo Messi e Cristiano Ronaldo.

O Barça viveu o caso-Neymar com uma frustração semelhante à do caso-Figo. De repente, o clube parece atacado de todas as enfermidades. A equipa envelhece, a cantera não produz jogadores há cinco anos e o sucessor potencial de Messi prefere jogar na Liga francesa. As duas derrotas frente ao Real Madrid na Supertaça de Espanha multiplicaram o estado de choque. Sergi Busquets, um dos grandes heróis da época dourada, não escondeu o receio. “Precisamos de reforços”, declarou. Não é normal que um jogador explique as necessidades do seu clube de forma tão clara. Mas a Busquets juntou-se depois Gerard Piqué, cuja voz se presume representar o barcelonismo profundo. “Pela primeira vez sentimo-nos inferiores ao Real Madrid”, confessou.

Os jogadores, os adeptos e os jornalistas comungaram na ideia de um clube quebrado e de uma equipa submetida a uma crise grave. A posição do Barça na escala hierárquica do futebol tinha sido muito danificada. Durante quase dez anos, tinha sido o clube de referência no Mundo. Os melhores futebolistas queriam jogar no Barça. Neymar foi um deles. Deslumbrado pela equipa fascinante de Pep Guardiola, rompeu o pré-acordo com o Real Madrid e assinou pelo FC Barcelona, um desplante que Florentino Pérez, presidente madridista, ainda não conseguiu digerir.

É certo que, em termos históricos, o Barça sempre comprou bem e vendeu mal. Cruyff, Maradona, Schuster, Romário e Ronaldo saíram mal ou até muito mal do clube, mas a situação mudou quando o Barça engendrou o melhor futebolista do planeta: Leo Messi. Pela primeira vez na história, o clube não tinha ido ao mercado buscar um jogador bandeira – tinha-o em casa. Os novos Ronaldinhos – Alexis Sánchez foi um deles – tinham de resignar-se a ocupar o segundo lugar, na melhor das hipóteses. Neymar não se resignou. Queria ser o número um do Mundo e queria sê-lo agora. O dinheiro catari do Paris St. Germain também o ajudou a tomar a decisão.

Há uma evidente desproporção entre os maus sinais que emite o Barça e a realidade de uma equipa que, num bom dia, pode ganhar a qualquer outra. Mas é assim o futebol, um território de perceções exageradas. Duas vitórias frente aos débeis Betis e Alavés aliviaram o dramatismo. Com gesto sério, sem o melhor sorriso no rosto, Messi recordou que é o melhor nos dois jogos. Ofereceu assim um par de semanas de tranquilidade à direção e a possibilidade de emendar neste mercado de verão os enormes equívocos das últimas duas temporadas. A resposta da direção, contudo, não convenceu ninguém.

O Barça contratou o lateral português Nelson Semedo (30 milhões de euros), o médio brasileiro Paulinho (40 milhões) e o atacante francês Dembelé (150 milhões). Os dois primeiros não trazem ilusão a ninguém. Dembelé é uma incógnita. Aponta a ser um bom jogador, talvez até um grande jogador, mas o seu preço é consequência da bolha produzida pela contratação de Neymar pelo PSG: 222 milhões de euros. Dembelé teria custado 60 ou 70 milhões em julho e um mês mais tarde valia 150. O pior para Dembelé e para o Barça é que ele chega a um clube que não tem tempo para jogadores promissores. O Barça precisa de realidades instantâneas e Dembelé não está nessa classe. É outra notícia preocupante para o Barça: antes contratava os melhores do Mundo agora tem de conformar-se e contratar uma promessa de estrela.

Santiago Segurola é jornalista, ensaísta e comentador de futebol espanhol e escreve no Bancada ao primeiro sábado de cada mês.