Opinião
Cintra, Bruno, os prazos e os consensos
2018-07-24 14:00:00

Tudo na vida tem prazo de validade, mas nada no universo indica que a realidade não possa ser renovada de tempos a tempos. Este é um pensamento que já me tinha ocorrido quando vi Bruno de Carvalho desbaratar numa primavera a maioria esmagadora que lhe deu a vitória na Assembleia Geral de 17 de Fevereiro até chegar à destituição de 23 de Junho. E que me ressaltou num canto qualquer da mente para reaparecer à tona quando vi José Maria Ricciardi aconselhar Sousa Cintra como solução válida para continuar à frente do Sporting depois das eleições de Setembro.

Não vou sequer recordar a importância da via tecnocrata – que o populismo leonino confunde com “os croquetes”, mas que não tem nada a ver – na queda de Cintra e na sua substituição por Pedro Santana Lopes, em 1995. Porque isso, na verdade, não é nada importante. Na altura, Cintra estava em desvario, tinha esgotado o prazo de validade, porque o poder tem esse efeito nas pessoas: leva-as a perder o foco e a centrar-se mais no instinto de sobrevivência do que no bem comum. Nada impede aqueles que, em 1995, acharam que era altura de Cintra sair de achar hoje que o seu regresso, desde que acompanhado por uma nova geração de dirigentes e conselheiros, seja uma coisa boa para o Sporting. Como nada impediu muitos dos que em Fevereiro votaram ao lado de Bruno de Carvalho de em Junho aprovarem a sua destituição.

Porque, muito mais depressa do que Cintra na década de 90 do século passado – o Mundo é bem mais rápido hoje, graças às tecnologias de comunicação e às redes sociais – Bruno de Carvalho também perdeu o foco e passou a centrar-se sobretudo, nem foi na sobrevivência, foi no culto do eu, na supremacia total do ego perante os interesses comuns. Esta radicalização, contra os adversários, as instituições, os jornalistas e, por fim, os próprios jogadores, gerou um lote de apoiantes indefetíveis mas necessariamente mais reduzido, tão reduzido que torna impossível a sua liderança. Creio que se Bruno de Carvalho chegar a ir a eleições terá mais de 25 por cento dos votos, o que até poderia chegar-lhe para vencer, mas nunca para governar satisfatoriamente o clube. Porque não se pode governar contra três quartos dos eleitores.

É por isso que acho – e já achava, ainda ele era presidente – que o prazo de validade de Bruno de Carvalho se esgotou. Pode até, como acontece agora com Sousa Cintra, vir a renovar-se e voltar a ser solução de futuro, mas não é solução no presente. Aliás, mesmo sem o passado recente de conflito que o ex-líder leonino carrega com ele, a hipótese de terem de vir a governar contra boa parte do universo leonino desaconselha os candidatos que estão em campanha – embora muito dependa do nível de urbanidade que a campanha venha a ter e daquilo que eles forem dizendo uns acerca dos outros. Benedito, Madeira Rodrigues e Varandas não são soluções milagrosas e estão a dividir uma mesma base de apoio, o que não só os prejudicará caso Bruno de Carvalho ou Carlos Vieira venham a entrar na corrida como pode dificultar o esforço de governação que se seguirá às eleições, se levar a um clube dividido.

Ricciardi aponta a experiência como principal atributo de Cintra, de uma eventual entrada de Cintra na corrida à presidência do Sporting. Não vou tanto por aí e entendo que essas palavras serviram sobretudo para fazer contraponto à inexperiência de Figo, que o banqueiro não quer ver à frente do clube. A grande vantagem de Cintra neste momento é provocar sentimentos diametralmente opostos aos que provocava em 1995: se na altura dividia, é hoje o mais consensual dos sportinguistas. E isso vale ouro.