Opinião
Carvalhal para ensinar o cisne
2017-12-29 14:00:00

Carlos Carvalhal é o sétimo homem a dirigir o Swansea desde o começo da época 15/16. O bracarense completa, assim, uma alucinante série de mudanças de comando técnico do clube galês, elencada por Monk, Curtis, Guidolin, Bradley, Clement e Britton. Antes deles, Michael Laudrup pôs a equipa a jogar futebol com classe, a ponto de vencerem a Taça da Liga de 2013. Estavam muito bem orientados na valorização da bola, mas com uma dependência muito grande do asturiano Michu para terminar a sequência das jogadas de ataque. E antes de Laudrup foram Martínez, Sousa e Rodgers quem já tinham inculcado ideias positivas no jogo dos brancos.

Recentemente desvinculado do Sheffield Wednesday, Carvalhal não se escondeu do desafio proposto por Huw Jenkins. O presidente do Swansea, reconhecendo no ex-estratega dos ‘Owls’ capacidades organizativas e comunicativas distintas, convidou-o para pegar no último classificado da Premier League e tirá-lo da zona vermelha.

Esta é entendida como a derradeira tentativa da administração norte-americana para salvar os cisnes do afogamento. O Swansea, recorde-se, é desde há um ano e meio controlado por Jason Levein e Steve Kaplan, os homens do dinheiro e que detém 68% do clube, ficando 21% na posse dos sócios e mantendo-se Jenkins como presidente. Levein chegou com o rótulo de uma figura próxima de Erik Thohir, pelo percurso no DC United, da MLS. Já Kaplan é co-presidente dos Memphis Grizzlies da NBA.

Carvalhal é contratado para maximizar a capacidade de um grupo que se foi afundando com Paul Clement e que também não foi capaz de subir de rendimento com o ‘upgrade’ efémero de Leon Britton, um símbolo vivo dos ‘Swans’. Falando em símbolos e desviando-nos um pouco do tema central do texto, Ivor Allchurch é um dos maiores do clube, não sendo à toa que tem uma estátua à porta do estádio. Foi um dos maiores virtuosos do futebol galês, identificado, por exemplo, no Mundial de 58, onde foi colega de outro gigante de Swansea, neste caso no sentido literal: John Charles, o monstruoso ponta de lança destacado no Leeds e da Juventus, no trio formidável com Sívori e Boniperti.

John Charles cresceu em Swansea, apesar de não se ter notabilizado como profissional no clube da sua cidade natal. Foi contemporâneo de outro craque com ligações à terra e ao clube, Cliff Jones, que seria um dos mais categorizados extremos-esquerdos, tanto no Swansea Town (designação do clube até 1969), como no Tottenham da dobradinha com Bill Nicholson, em 1961. Dean Saunders, que vestiu a camisola do Benfica nos anos noventa e que foi um dos avançados galeses com maior reputação internacional, também cresceu em Swansea.

O clube já teve treinadores para todos os gostos. Olhando só para os mais recentes, dispostos na introdução, Monk foi o mais completo, defendido pelo seu percurso notável como capitão daquele emblema. Guidolin aguçou o contra-ataque e salvou-os da descida, pelo que até se suscitou algum descontentamento dos sócios contra a direção na altura do seu despedimento. Isso complicou a recetividade a Bradley, que não conseguiu trazer Berbatov e nunca foi capaz de incorporar a identidade de jogo pretendida. Clement tinha uma ideia de jogo mais audaz, inspirada nos vários anos em que coadjuvou Ancelotti em Londres, Paris, Madrid e Munique, mas teve dificuldades em inspirar os jogadores a longo prazo.

As imagens do banco do Swansea no último jogo em Anfield, com alguns a jogadores a rir quando a própria equipa já perdia por 2-0 explicam parcialmente por que razão Fabianski ainda iria levar mais três golos na sua baliza durante aquele jogo, culminando um desempenho totalmente inoperante contra o Liverpool.

O objetivo é tão claro quanto titânico: ensinar o cisne a sobreviver no lago dos tubarões. O primeiro jogo de Carvalhal será já amanhã contra o Watford de Marco Silva, que, curiosamente, viveu um cenário semelhante ao de Carvalhal na mesma altura da época passada, quando pegou no Hull no pós-Mike Phelan.

Há alguns pontos favoráveis no plantel atual dos ‘Swans’. O guarda-redes, Fabianski, está bem estabelecido entre os melhores do campeonato, mas deve haver um esforço para retocar o eixo defensivo para que haja mais soluções para a eventualidade de Mawson e Fernández não estarem disponíveis. Mawson, internacional sub-21, é um dos jogadores mais valorizados e é o central-esquerdo que ficou com o lugar do capitão Ashley Williams, transferido para o Everton.

Roque Mesa, o pivô construtor que se destacou em Espanha, no Las Palmas de Quique Setién, faz sentido na coluna de uma equipa de Carvalhal, que reclama a bola e que a quer em sua posse para se expressar de modo mais entusiasta. É um centrocampista de 1.70m de altura, que pensa e toca a bola com facilidade, ao mesmo tempo que tem ritmo para a recuperar e pressionar. Não foi por acaso que Monchi, quando dirigia o futebol do Sevilla, o tinha incluído nas prioridades para atacar no mercado de transferências de 2016, quando Krichowiak saiu para o PSG.

É, pois, sobre o médio canário que a equipa pode e deve gravitar, pois ele dá o espírito de coordenação que ampara o sistema, lembrando também que Britton tem lidado com problemas físicos. Tom Carroll e Sam Clucas são dois canhotos com bom controlo. Esses dois e Leroy Fer, com mais rotura, constituem-se como opções seguras para poder jogar à frente de Roque Mesa. Mas não nos esqueçamos de Ki, o sul-coreano que tem estado lesionado e que é, provavelmente, o mais completo de todos, principalmente nos movimentos de desmarcação para circular e finalizar.

Nota-se que, apesar das boas ideias de Clement, não houve capacidade para ligar mais ataques. Com a saída de Sigurdsson, que foi seduzido por Koeman para acompanhar Williams para Goodison Park, e com a falha na aquisição de Chadli ainda no Verão, o Swansea deixou de ter ideias na zona ofensiva e consequente preparação de último passe junto da grande área do oponente. Na pré-época, contra a Sampdoria, e em contexto oficial, contra o Southampton, Clement chegou, quase em último recurso, a jogar com Routledge, um extremo de origem, a jogar no topo do losango, atrás dos dois avançados.

Em suma, não se conseguiu encadear melhor o transporte de bola para que Bony ou o prometedor Abraham a apanhassem na área para rematar com mais frequência. Com a intermitência de Renato e com a impossibilidade de jogar com um losango estável para dar uma dinâmica superior, tem-se pedido mais movimentos interiores de Jordan Ayew para compensar a falta de Sigurdsson ou até mesmo do irmão, André Ayew, quando ainda jogava no Liberty Stadium e se envolvia muitíssimo bem nos apoios pelo corredor central.

Depois de defrontar o Watford, não tarda Carvalhal encara Spurs, Arsenal e Liverpool, tendo ainda pelo meio uma exigente deslocação a Wolverhampton para travar os ferozes “Lobos” de Nuno Espírito Santo na Taça de Inglaterra. Ninguém disse que seria fácil.

Luís Catarino é comentador da Sporttv e escreve no Bancada às sextas-feiras.