Opinião
Carille e Renato
2017-12-09 14:00:00

Em Novembro de 2015, os rivais Palmeiras e Santos estavam mais ou menos na mesma situação: no Brasileirão, afastados do título mas ainda com hipóteses de chegarem aos lugares de apuramento para a Taça dos Libertadores seguinte; na Copa do Brasil, ambos classificados para a final de uma prova que garante ao vencedor uma vaga na competição continental.

Os dois treinadores, Marcelo Oliveira, do Verdão, e Dorival Junior, do Peixe, usaram então a mesma estratégia para driblar o inchado calendário brasileiro: poupar jogadores no campeonato e apostar tudo na Copa do Brasil onde os dois tinham 50% de possibilidades de ganhar e, por consequência, de se apurarem para a ambicionada “Liberta”. A estratégia, porém, haveria de funcionar para um – fez bem em abdicar do Brasileirão porque ganhou a Copa – e dar errado para o outro – não entrou na zona de Libertadores via campeonato e ainda saiu derrotado na final da taça. O Palmeiras ganhou nos penáltis – Oliveira acertou, disseram imprensa e adeptos. O Santos perdeu nos penáltis – Dorival errou, sentenciaram jornalistas e torcidas.

Serve o exemplo, prosaico, para provar que certo no futebol, só a dúvida. No futebol e não só: um grande mestre de xadrez pode abrir à siciliana um dia e ganhar e no dia seguinte abrir à siciliana e perder. Pode optar, e bem, pela Grünfeld num match e pode optar, e mal, pela mesma Grünfeld, noutro.Também na política, os debates são intermináveis em todos os tempos e em todas as latitudes: devemos priorizar a austeridade? Ou estimular o consumo? E na vida: quem arrisca não petisca ou grão a grão enche a galinha o papo?

Com o ano civil – e futebolístico – a chegar ao fim é tempo de balanços no Brasil. E, como nos casos acima citados, ficou uma certeza: a dúvida. Afinal, os dois grandes vencedores da temporada optaram por estratégias diferentes mas chegaram ao mesmo fim: ganharam. Quem está certo?

Um deles foi o Corinthians, campeão brasileiro: apostou, por convicção ou falta de dinheiro, nunca se saberá, em Fábio Carille como treinador. Quase anónimo enquanto atleta, Carille é um apaixonado pelo estudo, obcecado por cursos, sempre disposto a aprender, a observar, a analisar, a comparar, a pesar, a refletir. Ao longo de nove anos foi adjunto, primeiro no obscuro Grêmio Barueri, depois no Corinthians de Mano Menezes e de Tite, dois dos mais modernos treinadores do país. Especializou-se no treino defensivo ao ponto de, sob a sua coordenação, como auxiliar ou principal, em oito anos o Timão ter sido por quatro vezes a equipa com menos golos sofridos da Série A – e o pior registo foi um honroso sétimo lugar, de entre 20 clubes. Um Corinthians de orçamento enxuto, cuja estrela era o desacreditado Jô, baseou-se na espessura da sua defesa e na inspiração, à vez, dos seus (raros) criativos para vencer, sem brilho além do do próprio esforço, o Brasileirão.

O outro grande vencedor foi o Grêmio, novo titular da Taça dos Libertadores da América e às vésperas de defrontar, pela lógica, o Real Madrid na final do Mundial de Clubes. Em vez de Carille, optou pelo maior ídolo da sua história – Renato Portaluppi, ou Renato Gaúcho, como é conhecido fora do Rio Grande do Sul, que, ao contrário do sóbrio Carille, é ousado, descarado, soberbo, extravagante. Ao ponto de dizer, no contexto da discussão sobre se os técnicos brasileiros deveriam investir em cursos na Europa, que “quem sabe, sabe, quem não sabe, vai estudar”. E outras variações da mesma ideia: “Quem não sabe vai estudar, quem sabe, como eu, vai para a praia” ou “futebol é como andar de bicicleta, nunca desaprende”.

Ora Renato – que por baixo da capa de fanfarrão até suspendeu o seu bem amado futevólei na Barra da Tijica e viveu fechado num hotel em Porto Alegre onde se dedicou horas a fio a decifrar dados de desempenho dos seus jogadores e dos adversários e a tomar centenas de decisões técnicas e táticas por dia – construiu uma ótima equipa. E se ele foi a cabeça do título, o guarda-redes Marcelo Grohe, os centrais Geromel e Kannemann, os médios Michel e Arthur, o criativo Luan e o “9” Barrios foram o tronco, e os laterais Edilson e Cortez (quem diria?) e os extremos Ramiro e Fernandinho foram os membros.

Carille e Renato, o racional e o empírico, o grave e o agudo, o yin e o yang desta história, afinal tiveram os dois razão. Porque ambos tiveram uma ideia e morreram por ela. E quando se morre por uma ideia ganha-se sempre, mesmo perdendo.