Opinião
Bruno de Carvalho e a democracia
2018-04-11 14:00:00

Hoje em dia é difícil perceber em que tipo de realidade vive Bruno de Carvalho. O presidente do Sporting parece uma criança que pinta uns sarrabiscos num papel e diz que está ali uma obra de arte. Mas também se assemelha ao soldado que marcha fora de tempo e consegue jurar que é ele o único que avança no ritmo certo, enquanto todo o restante batalhão segue desalinhado.

Bruno de Carvalho não começou agora a criar realidades alternativas, porque os primeiros sinais remontam ao processo ‘kafkiano’ de saída de Marco Silva, conduzido com o silêncio cúmplice de quase todos os elementos dos órgãos sociais do clube e o apoio unânime da Administração da SAD. Nessa altura, como agora, o líder leonino contou com o apoio espúrio de algumas figuras do Sporting. Os argumentos em defesa do presidente quase não diferem, mas desta vez há uma imensa maioria (apenas uma das claques prestou apoio ao líder leonino, no jogo com o Paços de Ferreira) que já não encontra justificação para o que aparenta ser “apenas” irresponsabilidade e egocentrismo. A Bruno de Carvalho parece faltar ainda, quase sempre, um espírito democrático que nunca pode deixar de estar no âmago de uma instituição desportiva com a dimensão e a história do Sporting Clube de Portugal.

Os méritos de Bruno de Carvalho são conhecidos e já foram devidamente assinalados: a recuperação financeira do clube, a retoma competitiva da equipa de futebol, a construção do pavilhão e o inegável talento para escolher treinadores (Leonardo Jardim, Marco Silva e Jorge Jesus). No entanto, toda esta obra fica praticamente soterrada, tapada por uma torrente de publicações nas redes sociais e várias críticas e acusações públicas que feriram de morte o relacionamento do líder com o plantel profissional de futebol.

Bruno de Carvalho não tem apenas um problema de ego ou de comunicação, tem um problema grave com as opiniões divergentes. Só que a democracia não é moldável, não devendo ser elogiada quando permite vitórias indiscutíveis em eleições e em assembleias-gerais e desprezada e atacada quando os jogadores defendem a honra (depois de terem sido criticados na mesma medida e nos mesmos meios de difusão) ou quando os jornalistas fazem perguntas pertinentes e incómodas.

O presidente do Sporting castigou os jogadores com uma repreensão pública (mais uma de várias, é bom lembrar) depois de uma derrota no terreno do Atlético de Madrid, a meio de uma eliminatória e na altura mais crucial da temporada. E fê-lo à distância, porque não viajou para a capital espanhola, por motivos de saúde. Sentado no sofá, longe do calor da refrega, Bruno de Carvalho pegou no telemóvel e achou que aquela seria a forma certa de intervir. E aquilo que não se entende é a alegada surpresa pela reacção da opinião pública, de muitos adeptos (que viram os comentários negativos serem sistematicamente apagados das últimas publicações de Bruno de Carvalho nas redes sociais) e dos jogadores.    

Como disse Jorge Jesus (que merece nota 20 pela forma brilhante como tem conseguido gerir as intervenções públicas ao longo desta crise), “quem faz crescer os clubes são os jogadores”. Quem fez crescer o Sporting, enquanto potência futebolística? Peyroteo, Travassos, Vasques, Albano, Jesus Correia, João Morais, Vítor Damas, Yazalde, Oceano, Figo, Nani, Cristiano Ronaldo e tantos outros. Mas também Rui Patrício e William Carvalho, dois crónicos titulares do Sporting e da Seleção Nacional que o presidente do clube de Alvalade atacou de forma pouco dissimulada numa das últimas publicações nas redes sociais.  

O Sporting tem agora uma lista extensa de jogadores descontentes (e que provavelmente vão querer deixar o clube no final da temporada), um presidente fragilizado e sem rumo aparente, investidores e patrocinadores preocupados e um treinador que precisa de preparar uma etapa da época com decisões importantes e que vai fazê-lo num ambiente de “fogo e fúria”. A solução nunca será fácil, mas é difícil imaginar que Bruno de Carvalho possa não fazer já parte, apenas, do problema.

Manuel Fernandes Silva é jornalista na RTP e escreve no Bancada às quartas-feiras.