Prolongamento
Balotelli: 1,89m de talento e 87 kg de loucura, num homem de duas caras
2017-09-10 11:45:00
Avançado italiano ajudou o Nice a golear o AS Monaco

Mário Barwuah Balotelli: Loucura, polémica, dinheiro, insolência, talento. Estas palavras poderiam ajudar a descrever o avançado italiano que, depois de ter despontado no Inter de Roberto Mancini, em 2007 – substituindo David Suazo (lembra-se dele?) –, já tem, imagine, 27 anos. Neste sábado, Balotelli regressou à titularidade, após lesão, e, com um bis, ajudou o Nice a despachar o poderoso AS Monaco, por 4-0. Teremos “Balo” de volta? As odds não estão a favor do italiano…

José Mourinho, que muitas desavenças teve com Balotelli, no Inter, chegou a dizer que “confiar nele? Nunca. Não o consigo manter em casa dois dias. Precisa de trabalhar e descansar. Mas ele é jovem...”. É jovem, caro Mourinho? Era. Para Balotelli, o tempo tem passado a correr e o outrora jovem avançado, cujos comportamentos de adolescente lhe enevoavam o talento, já é um homem feito e um jogador experiente, que tarda em justificar a alcunha de “Super Mário”. E a juventude deixou de ser desculpa.

Recorda-se daquela noite de 28 de Junho, em Varsóvia, no Euro 2012, quando Mário Balotelli destruiu a poderosa Alemanha, quase sozinho? Uma cabeçada contundente, aos 20 minutos, e um míssil indefensável, 16 minutos depois, enviaram os alemães de volta a Berlim, na meia-final desse europeu. O mundo do futebol e, em particular, os italianos, acreditavam que acabara de nascer “Super Mário”, a nova estrela do futebol europeu e o sucessor definitivo de Roberto Baggio, Del Piero, Totti ou Inzaghi. Mas talvez não…

Futebolista “formatado” versus homem espontâneo

Depois de, em 2012, se ter agigantado e colocado, de pleno direito, na rota dos melhores do mundo, Balotelli não quis fazer valer esse rótulo. Não só não o justificou como fez dele um mero caso de “talento sem cérebro”, como tantos outros. Depois de sair do Inter Milão, seguiram-se três épocas intermitentes, em Manchester, duas temporadas de ligeira ressurreição, no AC Milan, e dois anos desastrosos: em Liverpool, primeiro, e novamente no AC Milan, depois.

Durante estes anos, Balotelli foi engordando a lista de episódios caricatos, que lhe valeram a imagem de um rapaz (ou será homem?) louco e infantil. As histórias são muitas: incendiou a própria casa com fogo de artifício, atirou setas aos miúdos da formação, enquanto treinavam, interrompeu a conferência de imprensa de apresentação de Stramacioni como treinador do Inter, em 2012 (entrou, cumprimentou toda a gente e foi-se embora), lutou com um simples colete de treino – imagens que se tornaram virais – e disparou um tiro de pistola, “como brincadeira”, em plena Piazza della Republica, em Milão. Episódios caricatos, “à Balotelli”, a ver no vídeo que lhe deixamos.

Há quem diga que, aos futebolistas, faz falta esta dose de espontaneidade, humanizando-os, e tornando-os menos formatados para a discrição e para as “declarações de cassete”. O avançado italiano nunca quis ter a vida pacata e reservada de quase todos os (bem sucedidos) jogadores profissionais de futebol. Estes momentos de loucura, se não trouxerem consequências no seu rendimento em campo, poderiam ser o espelho de um futebolista famoso e rico, mas que também é um cidadão comum, descomplexado e desformatado.

O problema é que, para além destes momentos caricatos, o italiano nunca pôs de lado o mau feitio que lhe valeu várias expulsões – quase sempre vermelhos diretos – ao longo da carreira e as lutas com colegas de equipa, que o fizeram ser expulso dos treinos, mais do que uma vez. Em grande parte, foi esse mau feitio e esses momentos de intolerância (mais do que as loucuras e brincadeiras) que fizeram de Balotelli um jogador que muitos treinadores não quiseram ter no seu grupo de trabalho.

As “Balotellisses” do Mario

O italiano sempre foi um jogador individualista e nunca se importou com esse rótulo. Prova disso é que, apesar de ser um jogador de ataque e de ter feito 70 jogos na Premier League, fez apenas uma assistência para golo (só uma, amigo???). Curiosamente, essa assistência proporcionou um dos momentos mais épicos da história do futebol. A 13 de maio de 2012, no Etihad Stadium, aos 94 minutos da última jornada do campeonato – e já depois de Dzeko ter marcado aos 92 – Balotelli colocou a bola nos pés de Kun Aguero, que fez o 3-2, frente ao QPR, e entregou o título ao City, que, sem esse golo, terminaria o campeonato a um ponto do rival de Manchester.

Se os factos não chegam, passemos aos testemunhos das “Balotellisses”. “Balotelli faz as coisas com o coração”, disse Roberto Mancini, o “pai” futebolístico do italiano, numa ideia corroborada por José Coelho, jogador português que foi companheiro de Balotelli nas camadas jovens do Inter Milão: “Nunca foi notícia por beber ou sair à noite. Ele faz coisas mais inocentes”.

Já Mourinho disse que não pode consentir “que um rapaz como ele se esforce menos nos treinos do que jogadores como Figo, Córdoba ou Zanetti” e foi mais longe: “Não confio no Mario. Ninguém confia. Pode marcar dois golos ao Arsenal, mas também pode levar um cartão vermelho”.

Mais recentemente, Mancini voltou a falar de Balotelli: “O Mario é um bom rapaz, mas governado pelo instinto. Ele tinha tanta qualidade quando começou… se tivesse continuado sem percalços, teria chegado ao nível de Cristiano Ronaldo e poderia ter sido o seu sucessor. Agora, com 26 anos, não sei se chega a esse nível, mas pode melhorar o nível atual”. Quando Mancini disse isto, Balotelli estava num mau momento. Agora, em França, parece querer renascer. Outra vez.

Acabar com o “carnaval”, na cidade do carnaval

Em 2013 e 2014, as tais épocas de ressurreição, em Milão, o até então jovem e incontrolável Balotelli conquistou Adriano Galliani, vice-presidente do AC Milan, mostrando-se um rapaz calmo e empenhado nos treinos. “Ele é muito pontual. É quem acende as luzes no Milanello (centro de estágios do clube) e eu estou a pensar dar-lhe as chaves”, brincou Galliani.

Já na última temporada, em França, no Nice, onde chegou no verão de 2016, o juízo de Mario Balotelli pareceu manter-se, mas conjugado com rendimento desportivo. A cidade costeira da Côte d’Azur, com vista para o Mediterrâneo, é também conhecida pelo seu carnaval. E foi aí que Balotelli começou a tentar transformar o “carnaval” que era a sua carreira, num percurso de sucesso. É difícil saber se perder a tal espontaneidade e loucura é bom ou mau. O facto é que o rendimento desportivo tem melhorado e os próprios colegas descobriram um Balotelli diferente e... decisivo no grande campeonato do Nice, que chegou, surpreendentemente, ao terceiro lugar da Ligue 1.

Neste sábado, como já dissemos, Balotelli ajudou o Nice a despachar o Monaco, de Leonardo Jardim, com um bis, aos seis e aos 60 minutos.

Dante, defesa brasileiro da equipa francesa, reconheceu o esforço de “Balo”: “Ele está realmente focado e disposto a limpar essa imagem [de problemático]. Vejo no Balotelli um rapaz simples fora de campo e, dentro dele, decisivo. Quando o Mario está focado no futebol, tem qualidades que não se encontram em qualquer jogador”.

Renascido ou juízo temporário?

Passados quase 10 anos (!!!) desde a sua estreia, Balotelli não está no poderoso Inter, no abastado Manchester City, no prestigiado AC Milan, nem tão pouco no mítico Liverpool. O italo-ganês é uma das estrelas de um modesto Nice e terminou o último campeonato com 15 golos marcados, em 23 jogos.

Num exercício especulativo, não será exagerado dizer que, se tivesse jogado 30 ou 36 jogos, como fizeram Lacazette e Cavani, o avançado italiano teria “mordido os calcanhares” dos dois melhores marcadores da prova. Balotelli foi um dos destaques da equipa de Lucien Favre, que contou ainda com a jovem estrela Pléa e com dois bem conhecidos dos portugueses: Ricardo Pereira, emprestado pelo FC Porto, e Jean-Michaël Seri, antigo médio do Paços de Ferreira.

Voltando a Dante: “Ele [Balotelli] teve passagens complicadas por outros clubes, mas sei que aqui vai dar certo”. O facto é que tem dado certo.

Aos 26 anos, Balotelli tem sido menos Balotelli. E isso, até ver, parece estar a dar resultado. O talento já conhecíamos, resta saber se o juízo veio para ficar.