Opinião
Até onde vai o Liverpool?
2018-05-25 14:00:00

Amanhã joga-se a grande final, a tal que consagra o maior da Europa. O Real Madrid tem mais detalhe, mais estirpe de Champions acumulada nos tempos mais recentes ao longo do eixo Lisboa-Milão, mas o Liverpool também se faz à estrada com alta cilindrada.

Esta foi a temporada em que se viu com mais nitidez a ideia geral que Klopp queria ver transmitida no jogo dos Reds, acoplando alguns laivos daquilo que fizera em Dortmund. Depois de alguns meses de indefinição e ineficácia na concretização do ‘gegenpressing’ no pós-Rodgers, o Liverpool finalmente joga à séria e sem tantas quebras ao longo dos jogos e da época. Os períodos de oscilação são menores e até a preparação física parece mais evidente, não só no ritmo obtido no jogo como também na sua relação com a diminuição da propensão para lesões.

Este é um dado importante e que mereceu algum cuidado estratégico da parte de ‘Kloppo’ na gestão dos jogos, de modo a não ver a equipa rebentar na ponta final dos jogos e também da temporada. O Liverpool começou a racionar, com mais ponderação e menos sofreguidão, a frequência com que decidia tentar ganhar a bola à frente. Falhando na primeira linha de pressão mais adiantada, mais estendida a equipa ficaria, facilitando a tarefa do adversário em perfurar a zona defensiva dos Reds. E tendo ficado sem Coutinho, transferido para Barcelona, ao mesmo tempo que Lallana passou uma eternidade a recuperar problemas físicos, mais depauperada ficou a equipa para poder pensar em jogar mais vezes em ataque combinativo que aumentasse o volume de posse de bola. A posse de bola não é, naturalmente, vista como um fim. Mas até para Klopp podia ser, em determinados momentos, uma via útil para a equipa serenar e não sobrecarregar o motor com as acelerações constantes em transição defensiva.

Foi a partir da saída de Coutinho que o plano ficou mais claro e que o Liverpool passou a conviver melhor com a ideia de recuo ocasional. Defendendo mais atrás em alguns momentos, permite-se ganhar fôlego para que, minutos mais tarde, se volte à carga com mais eficácia na pressão alta a abafar a fase inicial de construção do oponente, como Klopp mais preconiza.

Na teoria, faz sentido. A principal inquietação em torno da maior frequência dos momentos de recuo incide no facto de a equipa não ter propriamente a maior vocação para interpretar o momento de organização defensiva, quando a maioria dos seus jogadores está posicionada de frente para a bola, perto da grande área de Karius. Henderson vai fazendo os possíveis por melhorar o seu contexto, mas não é dos trincos mais genuínos para pensar muito mais nas coberturas do que nas incursões, ao mesmo tempo que Lucas Leiva já não tinha pedalada e foi para Itália, isto enquanto Melwood já tem lugar reservado para Naby Keita, enérgico centrocampista do Leipzig que se junta ao Liverpool na próxima época.

Robertson e Alexander-Arnold, os laterais, foram melhorando bastante o discernimento na fase defensiva. Se bem se recordam, Moreno começou a época como titular e Lopetegui até o testou a central-esquerdo numa linha de três defesas, percebendo-se que as noções defensivas do sevilhano estavam francamente melhores e que, por isso, Robertson teria poucas hipóteses. Mas Moreno lesionou-se, tal como Clyne.

Garantidamente que, mesmo sem a fantasia carioca de Coutinho, houve Milner e Oxlade-Chamberlain para fazer o Liverpool investir mais seriamente no tom que Klopp mais enaltece: o da incrível capacidade de pressão e de cobertura na zona média para reconquistar a bola. E quando ganham a bola, aumentou igualmente a capacidade para dar esticões e levar a bola rapidamente até à baliza, aproveitando-se a movimentação frenética dos três atacantes que variam de posição: Salah, Firmino e Mané.

O tridente diabólico do Liverpool tem um contexto quase perfeito. Sendo verdade que a equipa não manifesta total segurança em organização defensiva quando o adversário troca a bola pacientemente perto da área de Karius, a questão é que esse recuo, confiando que o Liverpool vai acabar por intercetar ou recuperar a bola em zona defensiva, também permite aos Reds desferirem contra-ataques fulminantes. E é nesse domínio que o Liverpool melhor se exprime e que se pode vulnerabilizar o Real Madrid, contando, por exemplo, que Marcelo também se aventure. Salah está à espreita.

Luís Catarino é comentador da Sporttv e escreve no Bancada às sextas-feiras.