Opinião
As meias-finais de sonho
2018-03-19 13:55:00
Podem estar à vista umas meias finais de sonho na Liga dos Campeões, mesmo se no futebol, como em nenhum outro desporto, a surpresa espreita a cada ronda. Claro que Roma, Sevilha, Juventus e Liverpool têm capacidade para criar problemas a qualquer rival mas os favoritos estarão do outro lado da relva e, se se confirmarem como tal, podem permitir, por uma vez, ter nas meias finais aquelas que são porventura as quatro melhores equipas da actualidade: Barcelona, Bayern de Munique, Manchester City e Real Madrid. 
 
Ainda no plano teórico, serão de Juventus e o Liverpool as maiores hipóteses de alterar esta lógica de probabilidades. É certo que o trauma da derrota clara na final de 2017 há-de ainda pairar em Turim mas também é verdade que os italianos ganharam as últimas quatro eliminatórias a duas mão frente aos merengues, a última das quais na meia-final da Liga dos Campeões de 2015. Ainda assim, todos já perceberam que o Real Madrid da Champions - quando a motivação de todos os seus craques está no limite máximo - é muito diferente daquele que tantas vezes parece à deriva na Liga espanhola. Já o futebol rock´n roll do Liverpool de Klopp contrasta claramente com a espécie de música erudita sem falhas na pauta que sai das botas dos homens do Manchester City e os reds foram mesmo a única equipa que ganhou ao City, e de goleada, na corrente Premier League. Ainda assim, os favoritos estarão equipados de azul celeste, que a organização de Guardiola é mais segura, além de que a ideia de jogo ofensiva se consolidou tornando exuberantes quer a qualidade do jogo posicional com bola quer a capacidade de gerir e alternar os ritmos.
 
Com maior ou menor dificuldade, é ainda mais provável o apuramento do Barcelona, ainda que os jogadores maduros da Roma saibam dar corpo à astúcia do treinador Di Francesco, como mostraram frente ao Shakthar, e do Bayern de Munique, que o Sevilha eliminou o Manchester United mas os homens de Mourinho estiveram longe do que poderiam (e deveriam) render. Se Barcelona, City, Bayern e Real se qualificarem, teremos, mais que o inevitável choque de titãs, um verdadeiro choque de ideias. É certo que três das quatro equipas apresentam a impressão digital de Guardiola, que passou a última década entre Barcelona, Munique e Manchester, mas há diferenças substantivas no jogar e na evolução que tiveram os modelos de Barça e Bayern. 
 
O contraste absoluto mora em Madrid, na constelação extraordinária que Zidane vai gerindo, sempre com mais fogo ofensivo que segurança na retaguarda. Varia entre um meio campo pensador e que lhe valeu os maiores títulos, quando tem Kroos, Modric e Isco, e uma fórmula mais acelerada para os momentos de transição, quando aposta na BBC (Bale, Benzema e Cristiano) e na capacidade vertiginosa de aproveitar o espaço que o rival der. Se a Champions terminasse numa liga a quatro, decidida por pontos, acredito que o Real dificilmente ganharia. Acontece que é a eliminar e aí os madrilenos são demolidores, que fazem sempre golos mesmo quando parecem anestesiados no jogo. Para cúmulo, está aí de novo o melhor Ronaldo, a prometer mais um final de época em cheio, o que autoriza o Real a sonhar em tocar o céu novamente. O Bayern perdeu muito do jogo de posse com mobilidade permanente dos anos de Pep, que apostava na versatilidade dos jogadores e na capacidade para desempenharem mais que uma função mas, passado o ministério errante de Ancelotti, voltou aos trilhos do sucesso com o velho Jupp Heynckes. Num futebol mais rectilíneo, em que há especialistas assumidos de cada lugar, regressaram as acelerações nos corredores que resgataram os veteranos Robben e Ribéry, além de se multiplicarem as soluções a meio campo, com a contratação do geómetra Rudy, o regresso do criativo Thiago Alcãntara e a inclusão de um craque chamado Tolisso. Os bávaros recuperam hábitos que valeram a época inesquecível de 2013, devem festejar a vitória na Bundesliga ainda em Março e podem voltar a sonhar com a glória total, mesmo não sendo o principal favorito nesta Champions.  
 
Do Manchester City pode dizer-se que tem menor pedigree internacional mas a experiência é sempre uma questão subjectiva e pesa bem menos que a qualidade de jogo. Quanto a esta última, não tenho grandes dúvidas: os azuis celestes de Manchester representam hoje o melhor projecto do continente, com um domínio raro dos vários momentos ofensivos e defensivos (excepção da bola parada defensiva, mas mesmo aí com um guarda-redes que aumentou as garantias) e um crescimento para níveis superlativos de unidades como De Bruyne, Leroy Sané e Otamendi. Além de que, com a Premier no bolso, Guardiola pode concentrar-se na luta por voltar a sentar-se no trono europeu. O Barcelona não é tão sufocante como o City mas reequilibrou-se tacticamente. A saída do genial Neymar acabou por permitir, agora em 1.4.4.2, que a equipa se sinta confortável no momento defensivo, protegendo-se mais à largura, e devolvesse Messi ao corredor central onde verdadeiramente pode reinar. O argentino é muito mais que o acelerador criativo de outrora, que quase sempre rompia para finalizar, é sobretudo o maestro que define como e por onde deve seguir cada posse de bola. E quem tem Messi também está sempre mais perto de ganhar. 
 
Nota: Por motivo de férias, estarei ausente do convívio com os leitores do bancada.pt nas próximas duas semanas.
 
Carlos Daniel é jornalista na RTP e escreve no Bancada às segundas-feiras.