Opinião
As máscaras, a marca do Zorro e um Monte
2017-12-11 14:00:00

Os comentários do género “Deus é bom mas o diabo também não é má pessoa” podem levar a outra interpretação mas no duelo de Manchester ganhou mesmo a melhor equipa, com uma (incomparavelmente) mais interessante proposta de jogo e a opção mais eficaz de o gerir em cada momento. Foi a vitória de um modelo de jogo, pensado como identidade que não se disfarça, antes se reforça, sobre um investimento na estratégia, na aposta diversa para cada partida e sempre na perspectiva do erro do rival. O City tem sempre o mesmo rosto, o United como que coloca máscaras distintas consoante o opositor. São dois caminhos igualmente respeitáveis – e só alguém com a competência de Mourinho pode tentar a segunda via a este nível com algum sucesso – mas não deixo de pensar que o técnico português teria mais sucesso retomando o caminho que o fez ganhar e encantar nos primeiros anos da carreira. Mais que medir méritos entre Pep e Mou, há que fazer a vénia à transcendente carreira deste City que tem praticamente sentenciando o campeonato inglês à décima-sexta jornada. São 15 vitórias em 16 jogos, com 48-11 em golos, numa média de três marcados por partida. Para quem duvidava se algum dia Guardiola seria capaz de ganhar em Inglaterra a resposta está dada.

Tudo o que foi dito reforça o mérito de Paulo Fonseca na forma como seu Shakthar – que também é líder confortável na Ucrânia - conseguiu  derrotar a até então armada invencível do careca catalão. E sublinho a forma, a forma como se consegue jogar e ganhar, sempre muito mais reveladora da qualidade de uma equipa que um qualquer resultado feliz. É verdade que Guardiola usou alguns jogadores menos habituais e até reclamou – a pensar no clássico seguinte em Inglaterra – a necessidade do grupo sentir uma derrota mas nem a habilidade discursiva de Pep impede que se diga que poucas equipas, muito poucas mesmo na Europa, ganhariam ao City daquela forma. Quem ainda não viu não desperdice a oportunidade de observar com atenção as jogadas (inteiras!) de cada um dos golos do Shaktar. Particularmente o segundo, que tem tudo o que uma equipa de topo deve conseguir fazer: assumir a posse sem medo, procurar espaço alternadamente em qualquer dos corredores (laterais e central), perceber que quando o espaço se fecha é preciso recomeçar, recuando ao guarda-redes se necessário, atrair até ao momento do passe, ser paciente até ao momento do melhor passe, o que ilumina o caminho da baliza. É essa a marca do Zorro que vale a pena guardar, mais que a vestimenta na sala de imprensa. Tinha bastado uma mascarilha para fazer a festa.

Em Portugal, vale cada vez mais a pena reparar no Desportivo de Chaves, que cresce de rendimento e sobe na tabela depois de sobreviver (elogie-se a crença dos dirigentes na aposta feita) a um calendário duro que o manteve algumas semanas no último lugar. Luís Castro não tem muitos jogadores com o perfil para o futebol que mais gosta mas já afinou a máquina por uma via alternativa. Ainda assim, a equipa que mais impressiona abaixo dos grandes (e muitas vezes incluindo estes) é sempre o Rio Ave de Miguel Cardoso. Não é demais o elogio repetido ao modo corajoso como assume cada jogo e em qualquer campo, com futebol de iniciativa e sem que lhe custe juntar vários talentos no mesmo onze, mas é uma subida de rendimento de cada jogador que agora salta aos olhos, na melhor prova da existência de um contexto que os favorece a darem o melhor que têm. E já não é só Ruben Ribeiro – a quem dediquei uma destas crónicas recentemente -, esse génio rebelde mas definitivo, na linha de Quaresma, capaz de esconder a bola entre as botas mas agora conhecedor de todos os atalhos para a melhor definição: de ritmos, passe e remate. Junta-se-lhe Francisco Geraldes, como também escrevi então, e é um regalo. E Guedes já não é só o avançado operário, dos sucessivos movimentos profundos que abrem espaços aos colegas, é também goleador com números interessantes, como Novais emerge para honrar o apelido do pai Abílio (bate bem livres como ele) e mostrar que voos mais altos lhe estão destinados. Dois outros jogadores merecem todavia o sublinhado a traço mais grosso, por um rendimento tão alto quanto inesperado e que os coloca eventualmente na rota da selecção nacional. Pelé será hoje o melhor médio defensivo em alternativa aos óbvios William e Danilo, com um sentido posicional e uma qualidade de passe, mesmo longo, quem podem transformar em bagatela a boa maquia que o Rio Ave pagou por ele ao Benfica. E perante a crise de centrais e a busca incessante por alguém que se afirme na posição, já vai sendo tempo que se repare em Nelson Monte. Cresceu na formação do Benfica mas voltou à terra natal em busca do seu espaço. Depois de algumas experiências também como lateral, ganhou o lugar da ausência de Marcão e dele já só sairá – aposto – para um clube maior. Até porque o futebol de equipa grande que o Rio Ave joga favorece a sua impressão digital: nenhum outro central português tem a qualidade para construir, seja para passar ou conduzir, que Monte revela aos 22 anos.