Opinião
As grandes duplas do Uruguai
2018-06-27 14:00:00

É muito normal ouvirmos falar das hipóteses de sucesso das equipas em Campeonatos do Mundo tendo como base de análise o currículo ou uma ideia mais ou menos pré-concebida e não tanto por aquilo que realmente valem.

A Inglaterra, campeã mundial no longínquo ano de 1966, é algumas vezes apontada como candidata ainda por causa de uma memória difusa, mesmo que não tenha o cimento de uma regularidade recente que sustente essa ideia. A Croácia, terceira classificada em 1998, fica quase sempre fora das apostas mais seguras, apesar de ter um conjunto de jogadores que permite sonhar com nova entrada no pódio. Estes até são dois exemplos de seleções que têm tido, neste Mundial russo, um percurso que permite antecipar uma trajetória de qualidade (apesar da diferença em relação à valia dos adversários que encontraram até agora), mas que surgem com um perfil inicial diferente, pelo menos para muitos adeptos.

O próximo adversário de Portugal no mundial russo é uma espécie de eterno romântico candidato, ancorado em títulos conseguidos na primeira metade do século passado. O Uruguai foi duas vezes campeão do mundo e ainda hoje é olhado quase como um membro ancião de uma família real, afastado dos grandes palcos, mas orgulhosamente empoleirado na parte de trás da galeria.

Só que a "Celeste Olímpica" que Portugal vai defrontar é uma equipa que exibe uma tradição recente de bons resultados em mundiais e qualidade na forma como coloca em campo as esperanças de regresso à glória dos tempos de Schiaffino, Obdulio Varela ou Alcides Ghiggia, os heróis do célebre "Maracanazo" de 1950.

Ao olhar para este Uruguai, não podemos apenas valorizar o somatório de jogadores talentosos e fiáveis que compõem o "onze" de Óscar Tabárez, o selecionador que comanda esta formação desde 2006 e que nunca deixou a equipa fora da fase a eliminar de um campeonato do mundo. Na mesma linha, por muito que se valorizem os dois "monstros" que enchem o ataque uruguaio (Edinson Cavani e Luis Suárez), vale a pena começar por destacar a eficácia da defesa.

No coração do setor mais recuado estão dois nomes: Godín e Giménez, uma dupla de centrais do Atlético de Madrid que transporta para a equipa uruguaia um casamento de muita conveniência para a baliza de Muslera. Lá atrás, perto das redes, a fiabilidade do guardião do Galatasaray ajudou a formação de Tabárez a manter a contabilidade negativa a zero. Os uruguaios são caso único neste torneio, mas agora vão ter pela frente o melhor finalizador do planeta. E não, não é nada a que Godín e Giménez não estejam habituados, nos muito intensos dérbis de Madrid. No fundo, o Uruguai tem (no mínimo) duas grandes duplas.

A outra, mais célebre, está no ataque. A dupla Cavani/Suárez soma muitos golos (96 em conjunto, ao serviço da "Celeste", 15 só na fase de apuramento) e tem nas costas uma equipa que tenta muitas vezes empurrar o adversário para a parede defensiva, um cenário que Portugal poderá ter de enfrentar em algumas parcelas do jogo de sábado. Até agora, o Uruguai marcou cinco golos, todos em lances de bola parada. Em Sochi, Portugal precisa de garantir que os livres não se vão tornar numa espécie de ataque aéreo à baliza de Rui Patrício.

P.S. - Depois de uma passagem demasiado sofrida aos oitavos de final (à semelhança do que aconteceu com Espanha e Argentina, por exemplo), a opinião publicada nas redes sociais tratou de encontrar em William Carvalho o escape para os nervos que o jogo de Saransk provocou na nação futebolística nacional. Lentidão, apatia, falta de velocidade e de intensidade foi o mínimo que se escreveu sobre o médio português, atirado de forma injusta e exagerada para a fogueira eterna da internet.

Uma visão mais atenta do jogo ajudaria a perceber o papel fundamental de William Carvalho no processo de construção da equipa portuguesa, aportando critério, qualidade de passe e muito mais segurança na saída de bola. Só que a emoção do jogo leva a que surjam medições em velocidade de ponta daquilo que deveria ser avaliado através de critérios futebolísticos, aqueles que verdadeiramente contam.

Manuel Fernandes Silva é jornalista na RTP e escreve no Bancada às quartas-feiras.