Opinião
As fronteiras do clássico
2017-11-29 14:00:00

A que parte do campo vai chegar a guerra de comunicação travada entre FC Porto e Benfica? Os ‘tweets’, os comentários, as estratégias diárias tomarão lugar no clássico, ou vai ficar tudo arrumado a um canto enquanto se desenrolam os 90 minutos?

No princípio era apenas o jogo, quase bacteriologicamente puro, nos tempos em que os árbitros e os jogadores entravam em campo de bigode aparado e brilhantina no cabelo e em que a rivalidade parecia ser apenas uma cavalheiresca divergência de gosto.

O fio do tempo trouxe-nos até este ponto, em que Sérgio Conceição, Rui Vitória, Aboubakar, Jonas, Brahimi ou Pizzi parecem ser os figurantes e não os atores principais de um desporto cada vez mais jogado em teclados de computador e não no relvado. Acontece que nunca ninguém se apaixonou por um clube por causa da maior ou menor pontaria na guerrilha de comunicação ou pela prosa dos comunicados e das queixas contra os adversários. Isto parece ser uma evidência, mas a prática quotidiana criou um reposicionamento inédito, uma especificidade portuguesa que coloca o epicentro do jogo no acessório e não no essencial (que é, relembre-se): a capacidade técnica, o talento, a filigrana tática ou o golpe de asa estratégico. Também os erros, claro. Até os de arbitragem, porque falhar é um verbo que nenhuma atividade consegue evitar conjugar.

Por muito que lá esteja, no mesmo local e quase com o mesmo destaque, a verdade é que ninguém vai ao Museu do Louvre para olhar apenas para a moldura da Mona Lisa. O que é realmente importante está no centro do quadro e não na periferia. O mesmo se passa com as recentes e estridentes trocas de argumentos entre os clubes: até podem encher páginas de jornais e exigir minutos de programas de televisão (reclamando um mediatismo que, diga-se, nem sempre é exagerado), mas nunca serão tomadas em linha de conta na hora da compra do ingresso para o jogo. Pelo contrário, há “guerras” que são produtos tóxicos, nocivos para a saúde dos clubes e de todo o desporto-rei.

É neste contexto quase bélico que FC Porto e Benfica vão entrar juntos no relvado do Estádio do Dragão, mas a última jornada retirou uma certa carga decisiva ao clássico. Um jogo que iria ser quase uma definitiva prova de vida para a equipa de Rui Vitória deixa de ter esse peso, passando até a ser uma oportunidade interessante (embora complicada) para uma aproximação dos encarnados à liderança.

Para isso o Benfica irá contar com o talento individual que já resolveu inúmeros problemas a Rui Vitória, (com destaque para Jonas, o mais decisivo dos jogadores do campeonato) mas é provável que também se faça valer da combinação lucrativa entre Pizzi, Krovinovic e Jonas, com o médio português a ser resgatado, frente ao Vitória de Setúbal, de uma longa série de apagamento. A goleada aos sadinos serviu ainda para confirmar que a ausência do croata da lista europeia foi um erro de casting que terá retirado competitividade aos encarnados na Liga dos Campeões.

Com o empate na Vila das Aves, o FC Porto perdeu a oportunidade de poder aplicar uma espécie de sentença de morte à candidatura do Benfica ao título de campeão nacional. Mesmo jogando em casa, perante um rival que já exibiu fragilidades em jogos grandes (na Liga dos Campeões), não é expectável que os portistas exerçam um domínio intenso, até porque a equipa de Sérgio Conceição circula pelo campo com algum (por vezes exagerado) conforto quando a bola está na posse do adversário. A ausência de Corona (devido a castigo) deverá ser compensada pelo regresso de Marega ao ‘onze’, ficando Soares como a alternativa mais credível para tentar agitar o jogo a partir do banco de suplentes.

Quando juntamos num texto estes nomes de jogadores do FC Porto e do Benfica, percebemos logo que este clássico, qualquer clássico, não se vai decidir por um qualquer ranking dos gritos mais audíveis ou das denúncias mais graves.

Poucas vezes o ruído exterior ultrapassa as fronteiras do relvado, mesmo quando ultrapassa as do bom senso.