Opinião
Agosto de duas caras no Dragão
2018-08-29 14:00:00
Manuel Fernandes Silva é jornalista na RTP e escreve no Bancada às quartas-feiras.

No início do mês, o FC Porto parecia andar de sorriso aberto, quase no meio de uma festa popular, daquelas que fazem de agosto uma espécie de sábado à noite com 31 dias. O triunfo na Supertaça Cândido de Oliveira deu à equipa de Sérgio Conceição o segundo troféu em poucos meses, a estreia na Liga teve vitória com cinco golos e Marega, afastado destes primeiros “bailaricos” do mês, até parecia já não fazer falta nenhuma. Se não fosse o elevado risco de incêndio, os adeptos portistas podiam muito bem ter carregado no foguetório.

Frente ao Desportivo de Chaves, na primeira jornada, surgiu uma cópia quase perfeita da melhor versão do último exercício portista, com muita presença na área contrária e momentos de quase voragem ofensiva, que acabaram por desmontar a equipa transmontana. Mas por muito que a exibição do FC Porto tenha sido merecedora de elogios, não pode ser dissociada de uma réplica quebradiça da formação de Daniel Ramos. Os sinais dados pelo campeão nacional foram prometedores, mas a vitória apertada no Jamor (casa da equipa da SAD do Belenenses) abriu um ângulo de visão diferente, protagonizado por um adversário que, ao contrário do anterior, trabalhou para causar “ferimentos” à defesa portista.

A força dos números oferece, neste caso, poucas dúvidas. Os cinco golos sofridos pela equipa de Sérgio Conceição nas últimas duas jornadas sinalizam os problemas de equilíbrio da equipa campeã nacional, que mudou parte importante do elenco da defesa em relação à temporada passada.

Iker Casillas não baixou de nível em relação à época que terminou com o título portista e mantém-se, para já, como um farol de confiança para o resto da equipa, mesmo quando os jogos não acabam bem para o FC Porto. No encontro frente ao Vitória de Guimarães, o guarda-redes espanhol sofreu três golos, mas saiu do campo praticamente ilibado.

No lado direito da defesa, Maxi Pereira não perdeu a marca de água de lutador e o ADN ofensivo, mas a tudo isto acrescentou mais um ano no calendário. Já não é de hoje, mas em termos defensivos Maxi nem sempre consegue acompanhar o ritmo dos adversários, acabando por não ser uma barragem completamente eficaz contra os cruzamentos para a grande área portista.

Marcano deixou a dupla de centrais e também houve mudança de turno na liderança. Felipe é agora o chefe da defesa, enquanto Diogo Leite ocupa a vaga que resta (pelo menos enquanto não estiverem na primeira linha outras opções, como Chancel Mbemba ou até Éder Militão). O jovem defesa da formação portista exibe qualidade, mas não é ainda um “produto” acabado. No encontro frente ao Vitória minhoto, Diogo Leite ficou ligado ao terceiro golo vimaranense, aquele que acabou por cavar a diferença no resultado.

O central português surge do lado esquerdo, no posto que era de Marcano e com a missão de guardar as costas a Alex Telles, mas isso nem sempre é fácil. O lateral brasileiro continua a demonstrar grande exuberância ofensiva, mas está pior – e mais desprotegido – a defender. Mais uma vez, o jogo frente ao Vitória de Guimarães acaba por ser um barómetro importante, particularmente o lance do segundo golo da equipa de Luís Castro, em que Tozé surge livre nas costas de Alex Telles.

Mais à frente no relvado, Danilo Pereira continua (por agora) a ser uma saudade para os companheiros de equipa, pelo menos em alguns momentos em que a dupla Sérgio Oliveira/Herrera não consegue ser cem por cento eficaz no trabalho de proteção a meio-campo, particularmente frente a adversários que manejam bem a bola e criam repetidos desequilíbrios. Foi este o caso de um Vitória que fez coincidir em campo, na parte final, André André, Tozé, Davidson, Ola John e Welthon.

O nome maior do FC Porto atual é argelino. Brahimi é o santo e senha da criatividade ofensiva portista e sem ele em campo a equipa de Sérgio Conceição parece um barco que perdeu o leme. A influência no jogo ofensivo é insubstituível e quando Brahimi atravessa a linha para sair do relvado, leva com ele quase toda a magia. Foi sem ele em campo que o Vitória de Guimarães provocou o caos no Dragão.

O FC Porto manteve-se com um rumo algo errático no que diz respeito aos reforços para a nova temporada. Ao Dragão não chegou um único jogador capaz de ser titular logo à partida e sem grandes debates. A verdade é que, mais do que a qualidade (inegável) dos jogadores em causa, foi a necessidade que transportou André Pereira e Diogo Leite para o “onze” inicial de Sérgio Conceição, numa altura que talvez aconselhasse uma incorporação mais faseada nas primeiras escolhas.

Ao treinador do FC Porto pede-se quase um novo toque de Midas, capaz de transformar jogadores pouco consensuais em figuras cimeiras, como foi o caso de Moussa Marega. Neste segundo ano, parece mais difícil antever novo sucesso de Sérgio Conceição num “programa de novas oportunidades”. O que não quer dizer que o treinador do FC Porto não tente, por exemplo, recuperar Adrián López. Ao abraçar esse e outros desafios de elevado risco, Conceição “anuncia” que já percebeu que, para além da obrigatória contratação para o corredor esquerdo da defesa (e o falhanço de Zakarya vai obrigar o Porto a definir novo alvo), já não deve haver margem para mais entradas, muito menos para a chegada de verdadeiros reforços ao Dragão.

P.S. - No meio de sete candidaturas à presidência do Sporting Clube de Portugal, haverá pontos de contacto entre alguns projetos que vão a votos no próximo mês, mas apenas Pedro Madeira Rodrigues decidiu, à partida, que José Peseiro não serve para treinar a equipa de futebol profissional. Fez esse anúncio em pleno processo competitivo e sem pensar nos reflexos negativos que poderia trazer. Agora, ao perceber que Peseiro está a conseguir ter resultados, no meio de inúmeros problemas e na ressaca da pior crise da história do futebol leonino, o candidato tentou emendar a mão com uma proposta ainda mais descabida: diz que gostava de manter José Peseiro no Sporting...mas como treinador-adjunto de Ranieri.

Manuel Fernandes Silva é jornalista na RTP e escreve no Bancada às quartas-feiras.