Grande Futebol
Zlatko Dalic, o terço, a fé que move montanhas e a revolta contida
2018-07-13 16:00:00
"Deem-me o Real Madrid ou o Barcelona e também ganho títulos", afirma o treinador da Croácia

O improvável treinador da Croácia e não menos improvável finalista do Campeonato do Mundo é um homem de convicções fortes. Zlatko Dalic subiu a pulso na vida, tem um percurso de trabalho árduo, sobretudo no Médio Oriente, sabe o que é sofrer para alcançar os objetivos e recebeu agora, aos 51 anos, a recompensa de uma fé que move montanhas. "Ao longo da minha carreira escolhi sempre o caminho mais difícil. Fui para o estrangeiro porque foi onde arranjei trabalho. Na Europa só querem grandes nomes...", lamentava esta quinta-feira, lembrando todo um percurso de luta por um ideal. "Comecei num pequeno clube e fui subindo, estive em alguns dos melhores clubes da Ásia. Acreditei em mim e quando a seleção me chamou não tive dúvidas, tive confiança no meu trabalho. Mas nada me foi dado de graça. Nada disso de ter um convite para treinar um grande clube porque fui um grande jogador. Há grandes treinadores na Croácia, Niko Kovac, Slaven Bilic... É como costumo dizer: Deem-me o Real Madrid ou o Barcelona e também ganho títulos."

Católito devoto, com a tal fé inabalável, Dalic sonha agora com aquilo que até em sonhos era difícil de admitir: conduzir a Croácia à vitória no Mundial. Para alimentar o sonho, conta também com um companheiro de vida: um terço. "A fé dá-me força! Ando sempre com um terço na algibeira e nunca deixo de rezar antes dos jogos. Agradeço a Deus diariamente por me ter concedido força e fé, mas também por me ter permitido fazer algo na vida", refere o carismático treinador, que desde criança tem uma relação muito próxima com a igreja, ao ponto de ter sido servidor de altar. A explicação é muito simples: "Ao lado da casa dos meus pais havia um mosteiro franciscano. Sentia-me feliz por ir à missa e cheguei a ser servidor de altar. Foi a minha mãe que me ensinou e encaminhou para a fé. Foi isso que tentei também transpor para os meus dois filhos." Neste contexto, o selecionador da Croácia sempre que pode não perde uma eucaristia dominical.

Este aspeto marcante que o ajudou a formar enquanto pessoa, suporta a crença que Dalic transmite aos jogadores. "Fizemos um percurso difícil, somos seguramente a única equipa que já jogou oito partidas (somando os 30 minutos dos três prolongamentos) para chegar à final de um Mundial. É duro, os jogadores têm gasto muita energia, mas diria que quanto mais difícil, melhor jogamos. Já estamos nas páginas da História por sermos um país tão pequeno a qualificar-nos. Se virem as nossas infraestruturas, somos um milagre."

A humildade com que fala da Croácia é a mesma que utiliza quando questionado sobre Didier Deschamps, a sua antítese em termos de percurso futebolístico. "Esteve na final do Euro, agora está na do Mundial. Já ganhou como jogador e eu não tenho nada na minha estante de troféus. Talvez eu esteja mais motivado! Estou a brincar... " Pois estava mesmo a brincar, porque, pese embora todo um percurso modesto, até já conquistou alguma coisa. Centro-campista volante nos anos 80 e 90, Dalic defendeu vários clubes croatas (a maioria de pequeno porte) e sem grande brilho. O máximo que conseguiu foi ser vice-campeão croata por duas vezes quando defendeu o Hadjik Split, a melhor equipa pela qual jogou. Depois de pendurar as botas, virou assistente técnico e, depois, treinador de equipas da Croácia, Albânia, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos. Uma Supertaça da Albânia e uma Taça do Rei da Arábia Saudita deram um pouco de luz a um currículo tão escasso de sucessos em três décadas.

É, assim, com particular alegria que Zlatko Dalic vive este momento mágico, ele que também sofreu as agruras da guerra. Natural de Livno, cidade que quando nasceu pertencia à Jugoslávia, mas que atualmente faz parte da Bósnia-Herzegovina, ainda hoje não convive bem com a divisão do país, não escondendo que gostaria de assistir um dia à união entre a Croácia e a Bósnia-Herzegovina. "Somos demasiado pequenos para estarmos divididos e passarmos o tempo em lutas. Devemos, isso sim, ajudar-nos e apoiar-nos mutuamente, pois só assim conseguiremos ser mais fortes", defende o treinador sensação do Campeonato do Mundo.

A Croácia, afinal, precisou de lutar para ultrapassar o caminho mais difícil. Para conseguir a independência, em 1995, superou uma triste guerra de quatro anos, que custou a vida a cerca de 20 mil pessoas. O hoje treinador da seleção, na época jogador, lutou no conflito, servindo o exército croata durante três meses. Três anos depois, o país, que ainda dava os primeiros passos e tentava recuperar de todas as perdas, da dor e da destruição, ganhou um consolo e encantou o mundo com uma campanha épica no Mundial de França.

Dalic acompanhou aquela que era considerada até agora a melhor geração de futebolistas da Croácia, composta por estrelas como Suker, Boban, Jarni e companhia. Faz precisamente 20 anos que a Croácia, o rosto mais visível do desmembramento da antiga Jugoslávia, viveu aquela que era a página mais nobre da sua história ao conquistar um lugar no pódio no Mundial de 1998, logo no ano de estreia. Os espectaculares 3-0 aplicados à Alemanha nos quartos de final da competição ficaram para sempre na memória dos adeptos croatas, que elevaram Boban, antigo jogador do Milan, e Suker, ex-jogador do Real Madrid, à condição de lendas, e viram nascer um fantasma chamado... Thuram. A histórica seleção do leste europeu acabaria por cair apenas aos pés do campeão do Mundo, a França, que venceu nas meias-finais, por 2-1, com dois golos do defesa-central, por sinal, os únicos que marcou nas... 142 internacionalizações pelos gauleses. Dalic estava lá e não mais esqueceu. "Em 1998 viajei para França para ver os jogos da fase de grupos como adepto e agora consegui conduzir esta equipa a uma final. Não há palavras. Na Croácia ainda falamos do golo do Thuram que nos eliminou há 20 anos. Agora, por ironia as duas equipas mostraram qualidade para chegar à final. Ainda assim não vai ser uma vingança. A equipa só pode pensar em fazer um jogo sem falhas para ganhar a final."

A forma de ser de Dalic não deixou de contagiar verdadeiramente os jogadores da Croácia como o testemunham as diversas demonstrações de afeto. "É um técnico muito calmo, de comunicação simples com os jogadores. Nunca o vi alterado, irritado, zangado. Transmite muita segurança. Ele e todo o seu 'staff' são importantes para o nosso sucesso na Rússia", referiu, por exemplo, Mandzukic. 

O conto de fadas de Zlatko Dalic ao serviço da seleção começou há menos de um ano, mais concretamente a 6 de outubro de 2017. A Croácia havia acabado de empatar em casa com a Finlândia, resultado que a colocava em sério risco de falhar o Mundial da Rússia. Afinal, a única possibilidade passava por vencer a Ucrânia fora de casa, sendo que ao rival bastava um empate. Em crise, o presidente da federação, Davor Suker, demitiu o treinador de então, Ante Cacic. Para o seu lugar, chamou um técnico de recurso, está a adivinhar, precisamente Zlatko Dalic, na altura a trabalhar no Al Ain, dos Emirados Árabes Unidos. O acordo era simples: Dalic comandaria os croatas no jogo contra a Ucrânia, no dia 9, três dias depois e, caso a seleção fosse eliminada, na qualidade de interino, deixaria o comando da equipa e seguiria a sua vida. Caso acontecesse o "milagre", seguiria para a repescagem. E foi o que aconteceu, mediante uma categórica vitória por 2-0, com dois golos obtidos por Kramaric. A Croácia assegurava assim o segundo lugar ficando entre os oito melhores segundos de cada grupo de qualificação, seguindo para o "play-off" onde teve pela frente a Grécia. Com Mandzukic no bando de suplentes, a equipa croata venceu claramente os gregos em casa por 4-1, empatando depois a zero em Atenas. Estava então garantido o apuramento para o Mundial, Dalic ganhou fôlego e passou de interino a técnico definitivo dando início ao sonho que tem no domingo o ponto mais alto.