Grande Futebol
Uma nova tendência: As grandes equipas impõem-se, não se adaptam ou reagem
2018-11-13 18:10:00
A aposta do Sporting em Marcel Keizer está em linha com uma nova tendência do futebol.

2018/19 está a ser uma temporada especial para os amantes do futebol de autor e para a supremacia da ideia e da filosofia sobre a adaptabilidade e reação. Um pouco por todo o Mundo, de Inglaterra à Alemanha, passando por Itália, Espanha, França e não esquecendo Portugal, são as equipas cujos modelos táticos se encerram primeiro sobre si e só depois sobre o adversário que parecem dar resultados. Uma tendência particularmente assinalável quando a qualidade individual à disposição dos treinadores, à partida, não permitira mais do que um jogo reativo e condicionado pelas ideias adversárias.

Parece ter sido neste espírito que Frederico Varandas abdicou de José Peseiro em detrimento de Marcel Keizer, quando durante grande parte do tempo do discurso do novo presidente do Sporting este quase sempre se tenha declarado a favor de um futuro com Peseiro na liderança do emblema de Alvalade. Com a chegada de Keizer ao clube do Leão, é clara a intenção do Sporting em “comprar uma ideia” em detrimento do futebol reacionário de José Peseiro, reiterado na entrevista recente do técnico português à UEFA na qual admitiu ser hoje um treinador menos “idealista” do que aquele que chegara à final da Taça UEFA anos atrás.

Se é certo que só no final se podem fazer as contas e a análise se a aposta do Sporting em Marcel Keizer foi a mais acertada, fica pelo menos a intenção clara de enveredar por um caminho pouco explorado pelo Sporting nos últimos anos: o da valorização de uma ideia, de uma identidade e de uma filosofia. Algo que também não sucede no rival Benfica e que, por outro lado, tão bons resultados tem dado a Norte desde que Sérgio Conceição assumiu o comando técnico do FC Porto, Abel o do SC Braga, não esquecendo ainda os trabalhos de Miguel Cardoso no Rio Ave ou de Luís Castro quer no GD Chaves, quer agora no Vitória que a equipa começa a carburar.

A ideia de jogo, a filosofia de jogo em detrimento do futebol reativo parece ser cada vez mais a tendência e um pouco por toda a Europa não faltam casos que comprovam o cada vez maior sucesso desta mesma tendência e nem sequer precisamos falar do Manchester City de Guardiola, expoente máximo desta conclusão e, parece-me, indissociável dela. É, porém, em clubes de menor dimensão e capacidade financeira que a aposta numa identidade sai ainda mais valorizada. E, aqui, é impossível não falar do Betis desde que Quique Setién assumiu o comando técnico dos béticos.

Com a vitória do Betis este fim de semana na Catalunha, em pleno Camp Nou, perante o FC Barcelona, Quique Setién tornou-se no primeiro treinador a conseguir vencer tanto em Nou Camp como no Bernabéu durante a última década. Parece fácil, afinal, são só dois jogos, mas a verdade é que em dez anos ninguém conseguiu vencer nos dois campos. Setién fê-lo e fê-lo com estilo, com uma ideia e uma filosofia de jogo e de ver o futebol muito vincada. De forma simples, as equipas de Setién não se adaptam em função do adversário, impõem-se perante os mesmos. Seja em Camp Nou, no Bernabéu ou no Ipurua de Eibar, uma filosofia que vai deixando o Betis a apenas quatro pontos de uma posição europeia na Liga Espanhola.

Quique Setién mudou a face do Betis, retornando o clube a vitórias em dérbis da Andaluzia e só esta temporada a equipa sevilhana já venceu em Milão, venceu o dérbi, venceu em Barcelona e pelo meio ainda roubou pontos ao Valência CF no Mestalla. Sempre com um estilo de jogo bem vincado e que tornou mesmo o Betis no quinto clube espanhol com mais seguidores em Espanha e o terceiro com as maiores audiências televisivas na temporada passada somente atrás dos dois gigantes do país, Barcelona e Real Madrid.

Para que se perceba a importância da aposta na ideia e da filosofia em detrimento da adaptabilidade e da reatividade, o Betis tornou-se na temporada passada o quarto clube espanhol com maior número de seguidores em redes sociais, somente atrás de Barcelona, Real e Atlético, registando o dobro do número de seguidores do clube seguinte, o Valência (dados El País). No que à conta Youtube do clube, o impacto foi ainda maior: o Betis foi o terceiro clube da Liga Espanhola em visualizações, números que quase chegaram aos 30 milhões de visualizações e que fizeram do Betis o décimo a nível Mundial neste parâmetro - uma comunicação eficiente e divertida, aliada à popularidade conseguida pelo futebol atrativo do clube justificam-no. Afinal, não há milagres.

O Betis não é caso único na Europa. Com o Manchester City como expoente máximo da prevalência da ideia sobre a reatividade - e cada vez mais os grandes clubes compram ideias, veja-se o Liverpool FC com Klopp ou o PSG com Tuchel, não falando dos projetos da Red Bull -, são vários os clubes na Europa a prosperar debaixo desta nova tendência, em especial, clubes que tal como o Betis estão longe de ser em termos de qualidade individual as melhores equipas das suas competições. E, neste campo, o Bournemouth de Eddie Howe, como já lhe particularizei, é talvez o caso mais evidente, de uma tendência e paradigma que vão possibilitando que clubes como o Espanyol, a Lazio, o Sassuolo, o Dortmund, a Atalanta de há uns tempos para cá, e, mesmo em Portugal como já vimos, vão desafiando a tradição e a hierarquia habitual do futebol dos seus países, tal como já haviam feito Burnley ou Girona na temporada passada.

Os clubes de Sevilha são, aliás, um exemplo perfeito do sucesso que a “compra” de uma ideia e da implementação de uma identidade em clubes de futebol permite. Depois do sucesso sem precedentes de Pablo Machín em Girona, o Sevilha FC fez o técnico chegar ao Sánchez Pizjuán e a aposta na ideia de Machín, futebol de autor claramente vincado, vai permitindo ao clube andaluz ocupar a segunda posição da Liga Espanhola somente um ponto atrás do líder FC Barcelona.

"Como treinador, as minhas equipas jogam com o espírito e a energia que vi ontem [domingo], no jogo contra o Chaves. Gostei da equipa, da paixão dos jogadores pelo clube e espero acrescentar uma filosofia de ataque e uma pressão alta a defender", afirmou Keizer durante a apresentação como treinador do Sporting. O holandês não foi particularmente expansivo nas declarações, mas a ideia relativa à imposição de uma filosofia e identidade futebolística foi vincada e reiterada por Frederico Varandas: “É um treinador jovem, ambicioso, apaixonado pelo que faz, sem medo de apostar em jovens e que procura sempre ter um cunho muito próprio nas suas equipas, com futebol atrativo e dominador”, afirmou o presidente do Sporting.

A aposta do Sporting em Marcel Keizer não é apenas a de substituir um treinador por outro, mas sim a da aposta na identidade futebolística em detrimento da reatividade futebolística. Afinal, as grandes equipas impõem-se, não se adaptam ou reagem e a Europa está cheia de exemplos de sucesso de uma tendência cada vez mais enraizada.