Grande Futebol
Termalica Nieciecza, o anti-Gulliver. Um anão em terra de gigantes
2018-01-24 15:55:00
Em 2015, o Termalica Nieciecza fez história ao tornar-se na equipa mais pequena de sempre a jogar numa primeira divisão.

Nieciecza, Polónia. Quem não reparar no estádio às portas da pequena vila polaca, a pouco mais de 60 km de distância da capital Varsóvia, dificilmente acreditará que tão pequena localidade possa ser casa de um clube profissional de futebol. Muito menos, um clube de uma primeira divisão de uma das principais ligas europeias e que até há bem pouco tempo lutava por uma incrível e surpreendente qualificação europeia. Sim, não faltam exemplos de clubes pequenos, de clubes de pequenas cidades a chegar à primeira divisão do futebol do seu país. Porém, nenhum como o Bruk-Bet Termalica Nieciecza na primeira divisão da Polónia. Um anão em terra de gigantes. O anti-Gulliver que em 2015 fez história ao tornar-se no clube mais pequeno de sempre a atingir uma primeira divisão do futebol europeu. Nieciecza tem 750 habitantes.

Eibar, Guingamp, Sinsheim, Sassuolo, Burnley… Moreira de Cónegos, porque não. Estas são algumas das localidades mais pequenas que, esta temporada, vão acolhendo equipas de primeira divisão. Nenhuma, porém, é tão pequena quanto Nieciecza. Um feito particularmente impressionante para a pequena vila num país tão vasto e populoso quanto a Polónia, onde nem cidades grandes como Bydgoszcz, Lublin, Katowice ou Chorzów são palco de futebol primodivisionário. Hoje, o Bruk-Bet Termalica Nieciecza caiu um pouco, mas, há menos de um ano, lutava bravamente por uma luta aparentemente injusta: qualificar-se para as competições europeias.

Fevereiro de 2017. Tão improvável que encontrar um clube de primeira divisão em Nieciecza, só esse clube estar a lutar pela qualificação europeia. Os feitos do Bruk-Bet Termalica Nieciecza não pareciam querer ficar pelo facto de, ainda há pouco tempo, a equipa da pequena localidade polaca, encrostada entre campos de milho, ter feito a estreia absoluta da sua história na primeira divisão do futebol do país. Depois de uma temporada 2015/16 em que o Termalica alcançou uma suada e titânica manutenção, o pequeno clube foi mais longe em 2016/17 e fruto de três quartos de temporada em sobre rendimento, quase lutou pela chegada às competições europeias. Em Fevereiro de 2017, era mesmo quarto classificado da Ekstraklasa a apenas seis pontos do líder Jagiellonia Bialystok.

O regresso da paragem de inverno para o Termalica, porém, não podia ter sido pior. Uma série de oito jogos consecutivos sem vencer, cinco deles derrotas, roubaram a possibilidade do Termalica lutar pela qualificação europeia, mas não retiraram a possibilidade do Termalica terminar a fase regular do campeonato polaco na metade superior da tabela e, por isso, discutindo a fase de apuramento de campeão com os pesos pesados do futebol do país. Só por si, um feito tão inédito quanto épico. Hoje, o Termalica regressou ao fundo da tabela da Ekstraklasa. Cumpridas 21 jornadas do campeonato polaco e em plena interrupção de inverno (a Ekstraklasa regressa no início de fevereiro), só Sandecja Nowy Sącz, Piast Gliwice e o Pogoń Szczecin estão em pior situação que o Bruk-Bet Termalica Nieciecza.

Mas como é possível que um clube da dimensão do Termalica tenha chegado a este ponto? Um clube com um estádio que tem uma capacidade seis vezes maior que a da própria população da terra, e que bateu o recorde do FK Chmel Blšany – primeiro clube da carreira de Petr Cech – como o clube mais pequeno a alcançar uma primeira divisão de um campeonato europeu. Blšany, uma verdadeira cidade em comparação com Nieciecza, já que a pequena localidade checa tinha cerca de… 200 pessoas a mais que a polaca. O segredo, caso exista, está em Krzysztof Witkowski.

Longe de ser um magnata ou um clube construído pelo dinheiro, é na economia local que o Termalica encontra a sua potência financeira. Witkowski, um empresário local, nascido e criado em Nieciecza e hoje um dos empresários de sucesso na Polónia, financia o clube da terra através da Bruk-Bet, empresa ligada à construção civil que fundou há 30 anos absolutamente do nada. Tudo que tinha, três décadas atrás, era uma betoneira. A história repete-se e, agora, também do nada, vai tornando o Termalica num estabelecido emblema da primeira divisão polaca. Clube que ainda em 2006/07 jogava na sexta divisão polaca. Entre 2006 e 2010, porém, o Termalica vou promovido sucessivamente até chegar ao segundo escalão do futebol polaco onde passou cinco temporadas até chegar de forma épica à Ekstraklasa.

Se Krzysztof financia, é a mulher Danuta quem gere o clube. Mais do que um emblema de raízes locais, o Termalica é um clube de forte cariz familiar. Danuta Witkowski é a presidente do clube e é considerada uma gestora implacável. Tanto, que apesar da promoção inédita e da mantenção épica na Ekstraklasa conseguida por Piotr Mandrysz, não houve feitos que o salvassem quando Danuta o decidiu dispensar para contratar Czeslaw Michniewicz. Resultou. Afinal, Michniewicz acabou por liderar o Termalica a uma inacreditável presença na fase de apuramento de campeão da liga polaca na temporada passada. Lembram-se da parte em que Nieciecza está embutida entre milheirais? Pois bem, não são ainda maiores por culpa de Michniewicz. Há uns anos, hooligans do Pogón, aquando da visita ao terreno do Termalica, esconderam-se nos campos de milho para fugir à polícia após causar distúrbios em Termalica e o clube de Nieciecza decidiu que os mais próximos do estádio Bruk-Bet teriam de ser aparados.

A evolução do Termalica, ainda assim, está longe de se resumir a questões de amor local e fortes laços familiares. Apesar de fortemente assente em raízes de caráter tradicional, a evolução do pequeno clube polaco está em muito relacionada com a evolução tecnológica e com a modernização dos métodos de trabalho no futebol. Para tal, o departamento de observação e análise é fulcral, tendo o clube investido fortemente na utilização de drones para controlo e observação dos treinos de Michniewicz. “Treinamos tanto com a cabeça como com os pés. Isto é aquilo a que os americanos chamam de imersão total. Os jogadores devem ser devotos ao seu trabalho. Sem termos o maior orçamento ou a equipa técnica mais diversa e qualificada, estamos em quarto… Drones não marcam golos, mas podem ajudar-nos a vencer alguns jogos”, referiu Michniewicz à imprensa polaca na altura.

A dez pontos da oitava posição numa altura em que o campeonato polaco irá entrar na sua recta final, dificilmente o Termalica irá repetir o feito da temporada passada. Uma coisa, porém, ninguém lhes tira. Este é um anão em terra de gigantes. O clube mais pequeno a alguma vez ter participado numa primeira divisão europeia. E, isso, não tem preço.