Grande Futebol
Tabárez: visionário, revolucionário e filósofo. O maestro que nem a doença trava
2018-06-27 11:00:00
Apesar das limitações óbvias, Óscar Tabárez voltou a colocar o Uruguai na fase a eliminar de um Mundial.

Óscar Tabárez, o maestro. Para Tabárez o Campeonato do Mundo não é só um torneio de futebol. É a possibilidade de lutar contra a adversidade, esquecer a adversidade, fazendo o que melhor sabe. Orientar uma equipa de futebol. Os últimos meses da vida do maestro Tabárez não têm sido fáceis. Diagnosticado com o síndrome de Guillain-Barré, os últimos meses da vida de Óscar Tabárez dividem-se entre as canadianas e a cadeira de rodas elétrica. Nada, porém, que impeça o Maestro de ditar o ritmo e liderar a orquestra uruguaia num campeonato do Mundo pela terceira vez consecutiva.

O futebol uruguaio era um lugar triste antes de Óscar Tabárez ter regressado ao comando técnico da seleção charrúa. Tabárez já tinha andado por lá. Em 1988, pouco depois de vencer a Copa Libertadores ao comando do Peñarol, assumiu a seleção do Uruguai levando-a a um final da Copa América no ano seguinte, perdida para o Brasil e eliminando a Argentina de Maradona pelo meio, qualificando o Uruguai para o Campeonato do Mundo que foi disputado em Itália em 1990. Em Itália, Tabárez matou o borrego. Pela primeira vez em vinte anos o Uruguai voltou a vencer um jogo num Campeonato do Mundo, acabando eliminado da prova aos pés da anfitriã Itália. A vitória perante a Coreia do Sul, em Udine, só voltou a ser replicada vinte anos depois, mais uma vez, sob a orientação de Óscar Tábarez.

Se antes de Tábarez o Uruguai vencia apenas jogos nos Mundiais de futebol de 20 em 20 anos, tudo mudou, a favor da seleção sul americana, quando o antigo professor primário - enquanto jogador, dividiu os relvados com as salas de aula - regressou ao comando técnico da seleção em 2006 após o falhanço de Jorge Fossati em qualificar a equipa Uruguaia para o Mundial de 2006 ao perder frente à Austrália o play-off intercontinental de qualificação. A queda precoce do Uruguai, a juntar à prestação desastrosa de 2002 exigiu mudanças e quem melhor para as liderar do que o Maestro Tabárez. Tabárez revolucionou a forma de trabalhar na federação uruguaia e desde então nunca mais o Uruguai falhou uma presença num Mundial de futebol. Mais do que isso, Tabárez deixou o Uruguai mais perto de o voltar a vencer. Em 2011 venceu uma Copa América, um ano depois de ter levado o Uruguai ao quarto lugar do Mundial sul africano.

Se o Uruguai chega à Rússia com um plantel renovado e com alguns dos mais promissores jovens talentos do futebol mundial atual (De Arrascaeta, Giménez, Torreira, Betancur, Maxi Gómez ou Nandéz - e até ficaram de fora nomes como Valverde, Lemos ou Pereiro), em muito isso se deve a Óscar Tabárez. Há muito que o maestro prepara o futuro do futebol uruguaio sem ele e, esse, será o seu grande legado. Através da revolução da forma de trabalhar nos escalões jovens uruguaios, Tabárez abriu caminho a uma renovação necessária no futebol uruguaio. Uma revolução que não é possível ser medida em valor e que não tem apenas fundo técnico-tático, mas também uma forte vertente filosófica.

“Trabalhamos fortemente ao nível do futebol jovem já que apenas temos pouco mais de três milhões de habitantes. Quando se produz um grande jogador no Uruguai isso equivale a uns 20 no Brasil e a uns 10 na Argentina. Assim, tenho de abordar o jogo de forma diferente comparado com o que outros fazem”, explicou Tabárez para justificar o conceito “Garra Charrúa” - com influência nos índios Charrúa que povoavam o território uruguaio até ao século XIX - e o grande sentimento patriótico que a federação uruguaia incute nos seus jogadores desde cedo, um dos pontos fundamentais da revolução de Tabárez.

“O que o Maestro alcançou no seu tempo ao serviço do Uruguai não tem preço. Ele começou tudo do nada. Ele é o criador de tudo o que conquistámos e do que ainda está para vir. Se o Uruguai é hoje respeitado mundialmente é por culpa de Tabárez”, assinalou Muslera, guarda redes uruguaio, à Associated Press. Nada mau para um homem que entre 2002 e 2006 não treinou qualquer equipa depois de um período menos bem sucedido enquanto treinador na Europa, onde se tornou mesmo o primeiro treinador despedido por Sílvio Berlusconi no Milan.

Com a qualificação do Uruguai para os oitavos de final do Rússia 2018, pela primeira vez desde o início dos Campeonatos do Mundo o Uruguai ultrapassou a fase de grupos em três edições da prova consecutivas. Portugal estará agora pela frente da equipa sul americana e será o principal obstáculo aos Charrúas no objetivo de melhorar a prestação conseguida pela equipa uruguaia em 2014 quando não foi além dos oitavos de final da competição. A grande luta de Tabárez, porém, desde 2016, é consigo próprio.

Tabárez foi diagnosticado com o síndrome de Guillain-Barré em 2016 e apesar de todos os rumores apontarem para o fim da carreira do Maestro, dois anos depois, apoiado em canadianas mas vibrando como nunca, ei-lo a orientar o Uruguai na Rússia, prova em que a equipa sul americana surge renovada de esperança e com um elenco capaz de lutar pelo título mundial. “Não vivo com qualquer dor. Esta neuropatia causa-me alguns problemas, especialmente a locomover-me, mas uma vez que é um doença crónica por vezes sinto-me um pouco melhor”, afirmou Tabárez recentemente.

“Sobre a minha doença falei com quem devo e decidi falar sobre isso. Todos os altos dirigentes da federação uruguaia sabem que tenho de me deslocar numa cadeira de rodas ou num carro de golfe, mas há dias em que me sinto melhor do que outros. Há dias em que me consigo deslocar sozinho, outros não. Apesar de tudo isto, nada interfere com o meu trabalho ou com a minha relação com os jogadores”, reiterou Tabárez que foi já distinguido pela UNESCO com o prémio "Campeão do Desporto" para a educação, ciência e cultura, ao mesmo tempo que foi designado como embaixador da boa vontade. 

Tabárez sempre rejeitou sofrer do síndrome Guillain-Barré, assumindo apenas sofrer de uma neuropatia crónica que afeta apenas os movimentos. Deixar o comando técnico da seleção Charrúa, só em função dos resultados e, pelo que se vai vendo na Rússia, não estará para breve. Este foi o homem que mudou a face do futebol uruguaio, rebatendo a violência que lhe era associado sem nunca esquecer a típica garra charrua. Porque, como acredita, em palavras ditas por Che Guevara - que idolatra - que tem pintadas na própria casa: “é preciso endurecer-se sem perder a ternura”. Será Portugal a colocar-lhe um ponto final?

Aos 71 anos, Tabárez não quer abrandar. Luta contra o destino. Cerra os dentes ao tempo e manda a velhice dar uma volta. O futebol não é para velhos? Tabárez prova o contrário. Aos 71 anos, doente, ninguém levava a mal se Tabárez colocasse um ponto final na carreira. Para o Maestro, porém, ainda não é tempo disso e a obra prima de Tabárez, o canto do cisne de Tabárez, poderá estar para chegar. O final seria de sonho. Acreditem os românticos. Com Tabárez ao leme, tudo é possível.