Grande Futebol
Sarri: de futuro técnico do Chelsea ao desemprego, o destino do mago napolitano
2018-06-04 20:25:00
O Chelsea chegou a negociar com o Nápoles a contratação de Sarri mas recusou pagar a cláusula de rescisão de 8 milhões

De idolatrado por técnicos como Guardiola, Klopp e Wenger, a desempregado. Por mais um dia, uma semana, um mês ou mesmo a época inteira. Esta a realidade porque passa Maurizio Sarri, treinador italiano de 59 anos, que fez história no SSC Nápoles, e cujo momento que vive é definido como "o caso do ano" pela imprensa italiana desta segunda-feira. Um dos aclamados melhores treinadores europeus da atualidade está sem clube e já viu o Chelsea, que era apontado como provável destino, recuar na contratação dele.

Nem o recorde de pontos da equipa napolitana na Liga italiana, com 91, batendo a anterior marca de 86 pontos obtida na época passada pelo mesmo Sarri, quando ficou em terceiro, atrás da Juventus e da AS Roma, colocaram um travão na decisão do proprietário e presidente do Nápoles, Aurelio de Laurentiis, em colocar um ponto final no ciclo de Sarri no clube napolitano e não renovar contrato com o treinador italiano. O título perdido na reta final para a Juve, depois de ter sido derrotado por 3-0 na deslocação a casa da Fiorentina uma semana após ter vencido a Juventus em Turim, encurtando a desvantagem para a Vecchia Signora para apenas uma ponto, terá servido para que De Laurentiis se convencesse de vez que chegou ao fim o ciclo de Sarri, que contratou em junho de 2015.

Para a imprensa italiana, na generalidade, o Nápoles não teve na temporada finda um banco de suplentes à altura para disputar até ao fim o scudetto com a Juventus, cujo orçamento é muito superior ao do clube napolitano. Mas apesar da substancial desvantagem orçamental com que partiu para a época 2017/18, o Nápoles apresentou um futebol com a marca de Sarri e lutou até ao fim pelo título. O próprio treinador, a 21 de maio, a poucos dias de terminar a data para um clube pagar a claúsula de rescisão do técnico, fixada em oito milhões de euros, admitia estar de saída e apontava outra explicação para a mesma: a possibilidade de perder vários jogadores importantes do plantel no mercado de verão.

"A situação é complicada. Não posso dizer que estou pronto e que vou tentar de novo com este plantel quando não sei se vai ficar toda a gente. Não sei se o clube vai conseguir manter os jogadores que têm cláusulas quando as ofertas começarem a chegar por parte de outros clubes de topo. O que eu sei é que não posso ir diretamente para outra equipa italiana e, se tiver que me mudar, prefiro ir para fora", admitiu Sarri à imprensa italiana, especulando-se logo na altura que o Chelsea era o destino mais provável de Sarri que iria render no banco dos londrinos outro italiano, Antonio Conte.

A verdade é que poucos dias depois, surgiu o interesse formal do Chelsea em Sarri para render Conte na equipa londrina. Só que...Roman Abramovich, dono do Chelsea, mostrou-se irredutível e não aceitou pagar os oito milhões de euros da claúsula de rescisão de Sarri com os napolitanos. Ainda propôs quatro milhões, mas Aurelio de Laurentiis só deixaria sair o então ainda técnico do clube por oito milhões.

O Chelsea desisitiu e avançou rápido para o plano B e contratou o francês Laurent Blanc. "No plano das qualidades táticas, comparar Laurent Blanc com Sarri é como comparar ovas de peixe-lapa com caviar, mas o treinador francês pode exibir alguns títulos em França [quatro campeonatos, duas taças de França e quatro taças da Liga, contra zero títulos de Sarri], bem como considerável experiência internacional", escrevia esta segunda-feira o "Corriere dello Sport" que apontava que a razão para um treinador como Sarri estar no desemprego não se justificava apenas com os 8 milhões da claúsula de rescisão, porque esse problema deixou de existir a partir de dia 31 último, mas por outra questão: a não disposição das grandes equipas para o risco. "Vencer é realmente a única coisa que importa (para todos, exceto o Arsenal). Garanto que se Zidane não tivesse ganho a terceira Liga dos Campeões, seria demitido por Florentino Pérez. Sarri no Chelsea, no Real Madrid, no Tottenham... Por enquanto, é em casa", escreve Ivan Zazzaroni, jornalista e diretor do "Corriere dello Sport-Stadio".

                                                            A primeira página do "Corriere dello Sport" desta segunda-feira

 

O ex-banqueiro, o "Mister 33" e o fumador compulsivo

A história da chegada de Sarri ao futebol é digna de registo de um filme. Chegou à Serie A aos 55 anos e à Liga dos Campeões 25 anos depois de começar a treinar. Dele dizem que é um mestre da tática, um obcecado pelos detalhes. Sarri nasceu em Nápoles, mas mudou-se cedo com a família para a região de Florença, onde construiu a vida e a carreira. Antes do futebol, trabalhou num banco e só aos 40 anos dedicou-se em exclusivo ao desporto rei. Treinou equipas nos escalões regionais do futebol italiano até que no final da década de 90 é que decidiu que queria viver do futebol. Assumiu o risco. Da experiência de trabalhar no banco, um dia disse numa entrevista ao "La Repubblica" que lhe tinha sido útil para o futebol. "Foi uma mais-valia. Aprendi o valor da organização e da capacidade de decisão".

Uma das caracterísitcas da personalidade de Sarri mais conhecida,para além da capacidade de trabalho e organização, é o temperamento stressante que o acompanha em todos os jogos, e no próprio dia a dia. É fumante compulsivo e muitas vezes chega a acender um cigarro em pleno relvado.

O Sansovino foi o primeiro clube que treinou a tempo inteiro e é dessa experiência que lhe vem a alcunha de "Mister 33", tal era o número de esquemas diferentes que preparava para cada lance de bola parada, seja canto, livre ou lançamento de bola lateral. Subiu à Serie D italiana e seguiram-se duas épocas no San Giovanese, já na Série C e, em 2005/06, a chegada à Serie B, com o Pescara. A travessia no deserto de Sarri prosseguiu por vários clubes, entre o segundo e terceiro escalões do futebol italiano. Em 2012/13, chegou ao Empoli, na Serie B, e no segundo ano subiu o clube à Serie A. A forma como o Empoli jogava, um futebol organizado e planeado ao ínfimo pormenor, cujas movimentações em campo emprestavam um brilho estético ao jogo da equipa, começava a despertar a admiração da crítica.

Bastou uma época na Serie A, onde foi 15º com o Empoli, para Sarri despertar a atenção de clubes com mais ambição em Itália. Rafa Benitez saiu para o Real Madrid e o Nápoles escolheu-o. Uma escolha não do agrado de Maradona que na altura disse tratar-se de um treinador demasiado discreto para as ambições do Nápoles. O tempo veio dar razão a Sarri e até o próprio Maradona veio depois emendar o erro de análise.