Grande Futebol
Raúl Gudiño: do falhanço e acusações de corrupção em Portugal à seleção mexicana
2018-10-04 18:50:00
Depois de uma passagem falhada por Portugal, Raúl Gudiño foi herói no super clássico mexicano e chegou à seleção.

Por esta altura, um pouco por todo o Mundo, selecionadores nacionais das várias federações a nível internacional dão a conhecer as suas convocatórias para as datas FIFA que se seguem. Em muitas dessas listas existem escolhas surpreendentes, regressos, estreias... O México não é exceção. Na última lista de Tuca Ferretti como selecionador interino da equipa mexicana, consta um nome bem conhecido dos portugueses e que poderá causar estranheza aqueles que ficaram atentos à passagem do mesmo por Portugal: aos 22 anos, Raúl Gudiño foi selecionado pela primeira vez à equipa principal do México.

Jon Arnold, correspondente do portal Goal em matérias de futebol mexicano e competições CONCACAF coloca-nos, ainda assim, um travão na euforia e explica ao Bancada que a chamada de Gudiño aos trabalhos da seleção está bastante relacionada com todo um contexto mais complexo: "Gudiño ainda não é um dos melhores guarda redes mexicanos da atualidade, mas sem competição oficial e realmente competitiva até ao próximo verão, o México está à procura de soluções para o futuro. Gudiño é um dos jogadores mexicanos mais promissores da atualidade e o seu regresso ao Chivas tem sido muito positivo. Este fim de semana teve uma exibição que o colocou no mapa, tendo sido o homem do jogo no duelo mais importante do futebol mexicano. Fez várias excelentes defesas durante o jogo e ainda defendeu uma grande penalidade no último remate do jogo", diz-nos.

"Ter ganho a titularidade no Chivas parece ter-lhe dado um nível de confiança especial. Ainda que o Chivas gostasse de o manter a longo prazo, se mantiver este nível exibicional não ficará muito tempo no México e deverá voltar à Europa rapidamente, principalmente, se der seguimento a essas boas exibições durante o Campeonato do Mundo de Clubes que será disputado este inverno", acrescenta Jon Arnold.

Chegado a Portugal aos 18 anos para a equipa B do FC Porto em 2014 por empréstimo do Chivas, histórico clube de Guadalajara, Raúl Gudiño ingressou na equipa secundária do FC Porto sob fortes promessas de potencial, especialista na defesa de grandes penalidades, gigante, de uma frieza, maturidade e concentração assinaláveis para alguém tão jovem. No México chamavam-lhe o “Courtois Mexicano”, porém, em Portugal, a experiência do jovem guardião mexicano ficou longe de encantar. Especialmente, durante a passagem de Raúl Gudiño pela equipa do União Madeira em 2015/16, durante a qual Raúl Gudiño chegou mesmo a ser acusado de corrupção devido às suas exibições pelo conjunto madeirense, situação que acabou investigada pelo Ministério Público.

“Você acha normal um treinador dizer para um jogador que nunca marcou um golo na Liga, quando ele vai marcar um livre a 40 metros da baliza, "basta acertar na baliza que é golo?" E a bola vai à figura do guarda-redes e é golo? É estranho. Não estou aqui a dizer que alguém está a influenciar, estou a dizer é que é estranho ouvir isto de um colega e acho estranho que seja golo (...) O guarda-redes ou escorregou ou não viu a bola partir ou o vento ou a chuva... Por isso é que digo que é muito difícil”, afirmou então em entrevista ao Expresso Luís Norton de Matos antigo treinador do União aquando da convivência com Gudiño no clube, período ao qual se referiu como repleto de situações estranhas.

"Quero esclarecer que é completamente falso tudo o que foi dito em relação a mim e dizer que tenho intenção de avançar com processos por estas difamações e todo o dano que me causaram. Vou tomar as medidas adequadas para salvaguardar a minha imagem e prestígio como desportista profissional, de acordo com o meu clube e os meus assessores", esclareceu então o guarda redes que afirmou ainda que até na Playstation joga para ganhar.

“Tenho falado com o clube e com os meus agentes, eles estão a tratar da questão com as pessoas certas. Só me foco em jogar. Divirto-me a jogar futebol, é aquilo que gosto de fazer, jogo sempre para ganhar, não só no futebol como na Playstation ou em qualquer coisa. Vou jogar sempre para ganhar. Não me desconcentrou, não liguei a nada", afirmou ainda perante declarações do presidente do União que afirmou ter pedido a intervenção do Ministério Público sem que qualquer resolução do processo tenha entretanto sido conhecida.

"Vamos enviar essa entrevista para o Ministério Público e pedir a sua intervenção, mandando averiguar essas afirmações. Pois se dizem que houve corrupção, através de um nosso antigo guarda-redes, o Gudiño, então devem falar com essa pessoa que fez essas declarações. O União sempre achou estranho, mas não tínhamos qualquer prova. Tenho pena que o treinador não nos tenha dito nada na altura", afirmou então Filipe Silva.

Cidade do México, Azteca, outubro de 2018. A cumprir as primeiras semanas da carreira no regresso ao México, país que deixou ainda adolescente e ao qual regressou já homem feito, Raúl Gudiño deu os primeiros passos rumo a tornar-se um ídolo da equipa do Chivas na qual se formou e a qual havia deixado anos antes para rumar ao FC Porto. No maior estádio do país, frente ao maior rival do Chivas, em pleno super clássico mexicano, Raúl Gudiño foi figura. Não bastavam as várias defesas decisivas realizadas durante o encontro, no último remate do jogo, com o marcador empatado a um golo, Gudiño voltou a mostrar porque é um especialista. Ele que até tinha cometido a grande penalidade por carga sobre o atacante americanista, lançou-se para o seu lado direito e fez a defesa da noite ao evitar a vitória do América da marca de grande penalidade. Do Azteca, qual Pelé em 1970 ou Maradona em 1986, Raúl Gudiño saiu em ombros.

Depois de passagens falhadas por Portugal e pelo Chipre, na temporada passada, ao serviço do APOEL por empréstimo do FC Porto, Raúl Gudiño regressou a título definitivo ao México esta temporada e frente ao rival América efetuou o oitavo encontro da época pelo Chivas. Para Gudiño, na equipa de Guadalajara, o segundo maior clube do país, foi chegar, ver e vencer. Agarrou a titularidade logo à chegada, e só em três jornadas da Liga MX, por lesão, não foi opção, regressando à titularidade assim que recuperado das maleitas físicas. Sem surpresa, a exibição protagonizada pelo Chivas no clássico nacional mexicano valeram a Gudiño a presença no onze ideal da semana para a Liga MX.

Aos 22 anos, Raúl Gudiño atravessa o melhor momento da carreira. Como tantos outros, depois de dar dois passos atrás, voltando ao seu país depois de uma experiência fracassada na Europa, para poder mais tarde dar um em frente. Um bom momento que é reconhecido por Ferretti com a chamada à seleção nacional AA do México que ainda não tinha integrado, apesar de ter sido um dos fenómenos recentes do futebol jovem mexicano, em particular, durante a campanha do México no Mundial Sub-17 de 2013 que apenas terminou com uma derrota na final, por 3-0, perante a Nigéria, torneio em que Gudiño foi figura.

Durante esse torneio, Gudiño acabou por integrar o onze ideal da competição, tendo-se estabelecido aí como especialista na defesa das grandes penalidades. Frente ao Brasil, nos quartos de final da competição, Gudiño defendeu duas das grandes penalidades do desempate entre brasileiros e mexicanos, levando o México para as meias finais onde defrontou a Argentina e onde mais uma vez Gudiño fez a diferença com uma grande penalidade defendida logo aos dois minutos. A parada encheu o México de confiança acabando por derrotar a formação sul americana por 3-0 carimbando passagem para a final onde Gudiño já nada pôde fazer ou teve grandes penalidades para brilhar.

As exibições durante o Mundial Sub-17 de 2013 foram fulcrais para a chegada de Gudiño ao FC Porto e logo na estreia pela equipa B, perante o Académico de Viseu, Gudiño defendeu uma grande penalidade. Já em fevereiro de 2015, na estreia pelo FC Porto na UEFA Youth League, Gudiño voltou a ser decisivo com duas grandes penalidades defendidas perante o Real Madrid ajudando a equipa azul e branca a eliminar a formação jovem do emblema espanhol.

Desde 2013, portanto, que Raúl Gudiño não estava num momento tão relevante na carreira e a exibição no superclássico mexicano com três defesas decisivas perante Oribe Peralta e uma grande penalidade defendida no último segundo a Mateus Uribe podem muito bem definir um antes e um depois na carreira do jovem guarda redes mexicano que desiludiu no União com vários golos sofridos por culpa própria, e onde encontrou pouco espaço para brilhar no APOEL onde não conseguiu destronar Nauzet ou Waterman da baliza do clube cipriota. Ainda assim, na retina, ficou a estreia na Liga dos Campeões perante o Borussia Dortmund na qual Gudiño fez uma intervenção impressionante negando um golo a Aubameyang.

A exibição de Gudiño frente ao América recolheu fortes elogios por parte da imprensa mexicana e ajudou sobremaneira à chegada à seleção mexicana. Ao Informador do México, Jorge López, um antigo treinador de Gudiño no Chivas durante a formação do jovem guarda redes, afirmou mesmo acreditar que o ex FC Porto irá estar no Mundial de 2022 ao serviço do México e que o momento de forma atual não é só resultado da qualidade do jogador, que sempre a teve, mas de um momento de maior confiança vivido por Gudiño.