Grande Futebol
Racismo, Chelsea e uma ligação tão estúpida quanto irónica e bizarra
2018-12-15 15:00:00
Pela terceira vez em poucos meses os adeptos do Chelsea estão envolvidos em escândalos de racismo e xenofobia.

A ironia, tal como Einstein afirmava da estupidez humana, não tem limites. Andam, muitas vezes, de mão dada. Veja-se o caso do Chelsea e o escândalo de racismo e antisemitismo que envolveu o clube. Lógica? Nula. Afinal, este foi um clube que cresceu nos últimos anos e se tornou num dos maiores do país, Europa e Mundo, por culpa de jogadores negros e dinheiro de um judeu. Os mesmos que insultaram verborreicamente Raheem Sterling na receção ao Manchester City ou gritaram impropérios antisemiticos na Hungria perante jogadores e adeptos do Mol Vidi são os mesmos que vibraram com os seus pares quando lhes deu jeito. No futebol não há lógica e, por vezes, muitos menos, limite para a estupidez humana.

Ainda o MOL Vidi-Chelsea, que terminou com dois golos para cada lado, jogo relativo à última jornada da fase de grupos da Liga Europa, não tinha terminado e já a UEFA fazia saber que tinha aberto um processo de averiguação a cânticos antisemiticos entoados pelos adeptos do Chelsea. Em poucos dias, o clube inglês via-se envolvido em novo escândalo de racismo depois de no fim de semana, na receção do Chelsea ao Manchester City, um grupo de adeptos do clube de Stamford Bridge ter sido visto e apanhado pelas câmaras a gritar impropérios racistas a Raheem Sterling, rebentando um escândalo em Inglaterra e uma discussão geral sobre o racismo cultural presente no país. Quatro desses adeptos foram mesmo expulsos indefinidamente pelo clube de assistir a jogos ao vivo do Chelsea.

Se nunca, em momento algum, são aceitáveis insultos racistas e cânticos antisemíticos, e nenhum destes tem lugar no futebol, no caso do Chelsea a história toma contornos ainda mais bizarros dado o histórico multicultural recente do clube. Explicação para tamanha ironia e estupidez dificilmente alguém arranja, mas o facto do clube estar tradicionalmente ligado a um apoio das elites e pessoas mais ricas de Londres talvez ajude. Certo, é que nos últimos anos, e remontamos mesmo aos anos 90 e 2000, o impacto do jogador negro no Chelsea é gigante e desde meados dos anos 2000 que o clube cresceu para um patamar nunca visto por culpa de um judeu: Roman Abramovich.

Claude Makélélé, Ashley Cole, Ruud Gullit, Michael Essien, Marcel Desailly, Jimmy Floyd Hasselbaink, até Diego Costa ou John Obi Mikel. Mais recentemente, N’Golo Kanté. Bolas, Didier Drogba tem uma tarja em Stamford Bridge a intitulá-lo de Rei. De entre os maiores ídolos e melhores jogadores da história do Chelsea, mais recente ou mais antiga, vários são jogadores negros. Para muitos, Didier Drogba, até mais do que Frank Lampard, Peter Osgood ou Gianfranco Zola, é mesmo o maior jogador da história do clube. Se isto não bastava para tornar surreal o facto do Chelsea estar envolvido num escândalo de racismo promovido pelos seus adeptos, a coisa torna-se ainda mais bizarra se atendermos à ligação de Roman Abramovich com o clube.

Com a chegada de Roman Abramovich ao Chelsea, em 2003, iniciou-se a época de maior sucesso e glória do clube. A história está mais do que sabida e contada, nem vale a pena irmos por aí. Apesar de ter nascido na Rússia e as suas raízes remontarem até à Lituânia, Abramovich é descendente de uma família de russos judeus e detém mesmo passaporte israelita. Desde a recusa do Reino Unido em garantir ao presidente do Chelsea visto para residir e trabalhar em Inglaterra que Abramovich se sediou em Israel, em Neveh Tzedek, entre Telavive e Jafa, sendo considerado um dos judeus mais influentes do Mundo atual. De todos os oligarcas russos judeus, Abramovich é o mais rico.

A ligação de Abramovich ao judaísmo vai mais longe do que meras questões de identidade religiosa e cidadania. Na verdade, há largos anos que Roman Abramovich é um dos presidentes da Federação de Comunidades Judaicas da Rússia, liderada pelo Rabi Berel Lazar. Ao longo das últimas duas décadas, além do dinheiro gasto com o Chelsea, Abramovich tem sido um dos grandes filantropos judeus e concedido à causa judaica, quer na Rússia, quer em Israel e um pouco por todo o Mundo, mais de 500 milhões de dólares, muitos deles destinados à medicina e ao ensino.

Se tudo isto não chegava para que se compreenda a ironia de ver os adeptos do Chelsea envolvidos em constantes escândalos de racismo, outro pormenor: em janeiro deste ano, o Chelsea lançou uma campanha global precisamente destinada ao alerta para a discriminação contra os judeus intitulada: “Diz não ao antisemitismo”. Um julho, foi ainda anunciado que Abramovich, através do Chelsea, se tinha juntado ao Congresso Mundial Judaico e à campanha “Pitch for Hope” destinada a combater o racismo, a xanofobia, o antisemitismo e qualquer outra forma de discriminação no desporto. Algo que já não era novo no clube que anteriormente se tinha associado à campanha “We Remember” destinada a homenagear as vítimas do holocasto e em celebrar a libertação de Auschwitz.

O escândalo recente de racismo associado aos adeptos do Chelsea tem tanto de irónico como de reincidente. Recorde-se que, em 2017, um grupo de adeptos do clube inglês foi condenado a penas de prisão e a indemnizar um negro francês que haviam impedido de entrar numa carruagem de metro em Paris por ocasião de um PSG-Chelsea a contar para a Liga dos Campeões dois anos antes, tendo surgido em vídeo a cantar palavras como “somos racistas e é como gostamos de viver”. Triste, bizarro e irónico, especialmente, num clube que cresceu apoiado na multiculturalidade.