Grande Futebol
Pékerman, o taxista que revolucionou o futebol um pouco por onde passou
2018-07-04 18:00:00
A Colômbia foi ontem eliminada pela Inglaterra, naquela que pode ter sido uma despedida inglória do treinador argentino.

Poucos homens na história recente do futebol mundial mudaram tanto o paradigma dos lugares por onde passaram quanto José Pékerman. Aos 68 anos, há muito que Pékerman deixou de precisar do táxi do irmão Tito para se poder sustentar enquanto sonhava marcar a diferença no Mundo através do futebol. Conseguiu-o. Lançou as bases da melhor Argentina desde Maradona, venceu três Campeonatos do Mundo Sub-20 ao serviço do seu país e nunca foi perdoado por ter substituído Riquelme por Cambiasso em 2006. A perda da Argentina foi o ganho da Colômbia. Esta é a história de um dos grandes e um dos mais influentes treinadores de futebol das últimas décadas.

Argentino. Colombiano. Ucraniano. Judeu. A história de vida de José Pékerman é um hino ao multiculturalismo. Nascido em Entre Ríos, na Argentina, tudo na vida de José Pékerman teria sido diferente não tivessem os avós fugido da Ucrânia para se estabelecerem nas colónias agrícolas judaicas de Entre Ríos. Os pais? Tiveram uma pizzaria, onde José, ainda antes de chutar bolas como profissão, já trabalhava. A viagem não é a mais convencional, mas permitiu que, anos mais tarde, se fizesse história e nascesse, em 1949, um dos maiores revolucionários do futebol moderno, um homem que mudou a face do futebol argentino, antes mesmo de mudar a face do futebol colombiano e com isso ser-lhe visto garantida, pelo presidente colombiano, a nacionalidade do país.

Hoje, Pékerman é quase herói nacional na Colômbia, apesar de nem sempre lhe ser feita justiça no país Natal. Culpa própria, dirão os argentinos, que viram Pékerman em plenos quartos de final do Alemanha 2006, frente aos anfitriões, a vencer por 1-0 - cortesia de Ayala -, meter a marcha atrás e tirar de campo Riquelme por Cambiasso. A Alemanha aproveitou a deixa e terminou por cima. Klose, aos 80, empatou um encontro que apenas acabou decidido nas grandes penalidades. Para azar de Pékerman, com Cambiasso a desperdiçar a grande penalidade decisiva. Apresentou a demissão ali mesmo e, mesmo contra a vontade de Grondona, foi aceite. O futebol argentino perdeu ali um dos seus homens mais importantes.

Pékerman e Argentina, um história que começou de táxi pelas ruas de Buenos Aires. Como futebolista, Pékerman nunca foi um génio. Isso, deixou-o para mais tarde. Pior ficou quando, em 1978, após ter terminado a carreira meses antes ao serviço do Independiente Medellín devido a problemas físicos no joelho, sem dinheiro que o sustentasse a si e à família, se viu obrigado a encontrar forma de levar avante o sonho de um dia mudar o Mundo através do futebol. O sonho, porém, aguça o engenho. Futebol era tudo o que Pékerman sabia, porém, conduzir, não lhe era estranho. Pediu um carro emprestado ao irmão Tito, agarrou em duas latas de tinta amarela e transformou o Renault 12 do irmão num táxi. Dois em um. José tinha agora sustento, mas também forma de se deslocar pela cidade de forma a observar os jovens mais talentosos da mesma, sem com isso chamar a atenção da junta militar que dominava o país, muitas estradas bloqueava e sem que operações policiais regulares o atrapalhassem. Dois? Três em um. Pékerman tinha agora tudo. Dinheiro, mobilidade e o génio que lhe permitiu dar ao Mundo uma das melhores gerações da história do futebol argentino.

“Enquanto conduzia o táxi, fazia projetos", explicou Pékerman em entrevista de 2006. "Assim, comecei a trabalhar nas categorias de base do Argentinos Juniors. Alternando entre o táxi e os treinos, até que o presidente do clube me me propôs que ficasse a cargo de toda a estrutura de captação e formação de jogadores. Foi o começo de uma grande época na cantera do clube, quando surgiram Batista, Redondo, Cambiasso, Riquelme...", acrescentou.

Depois de treze anos passados nos escalões jovens de Chacarita Juniors, Argentinos Juniors e Colo Colo, Pékerman surgiu surpreendentemente ao comando da seleção sub-20 da Argentina em 1994 e nada mais foi igual. Pékerman calou os críticos que o acusaram de inexperiência e logo em 1995 venceu o Campeonato do Mundo Sub-20, proeza que repetiu dois anos depois, ano em que juntou ao título Mundial o título sul-americano Sub-20. 1995 foi somente o segundo Mundial Sub-20 vencido pela Argentina e sob o comando de Pékerman a equipa albiceleste tornou-se uma potência do escalão. A taça levantou-a Sorín. Dois anos mais tarde, na Malásia, porém, Pékerman dava ao Mundo a nova geração de ouro do futebol argentino.

Léo Franco, Cufré, Scaloni, Walter Samuel, Esteban Cambiasso, Juan Riquelme, Diego Placente, Pablo Aimar. Todos eles foram utilizados por Pékerman na vitória por 2-1 sobre o Uruguai. Todos eles estiveram na Malásia e praticamente todos eles se juntaram a Sorín na Alemanha nove anos depois. Onde também estavam Burdisso, Saviola e Maxi Rodriguéz, membros da equipa de Pékerman que, em casa, em 2001, venceram o Mundial Sub-20 naquele que foi presente de despedida de Pékerman dos bancos da Federação argentina. Era tempo de subir as escadas e arrumar a casa. Nunca a Argentina foi, ou fora, tão organizada.

Apesar do convite feito a Pékerman para assumir a seleção principal da Argentina em 1998 após a demissão de Daniel Passarella, o técnico argentino assumiu sim a supervisão de todas as equipas nacionais da federação argentina. Pékerman reorganizou/revolucionou o futebol do seu país e abriu caminho à conquista dos Jogos Olímpicos de 2004 por parte de Marcelo Bielsa, homem que o próprio Pékerman sugeriu para assumir o controlo da seleção albiceleste após a demissão de Passarella. Mais do que isso, Pékerman abriu caminho ao aparecimento de nova geração brilhante na argentina que culminou com novo Ouro olímpico em 2008 já com nomes como Messi, Aguero, Banega, Fazio, Di María ou Mascherano, todos eles presentes na Rússia dez anos mais tarde. Uma equipa de sonho onde pontuavam ainda Romero, Garay, Gago, Zabaleta, Lavezzi, entre outros. Por esta altura, porém, há muito que Pékerman saíra da seleção argentina, de forma inglória, acumulando experiências falhadas pelo México.

Se, hoje, Messi é internacional argentino em muito os sul americanos podem agradecer a José Pékerman. Foi ele que afastou os espanhóis e convenceu Lionel Messi a jogar pela Argentina se convencimento fosse necessário. "Ele foi uma bênção. Não acreditava no que estava a ver. Eu nunca duvidei que o grande astro dos próximos anos estava surgindo. Aqueles primeiros passos foram inesquecíveis”.

Entre 1994 e 2003, Pékerman revolucionou o futebol argentino. Saiu para Espanha para assumir a direção técnica do Leganés onde não foi feliz, acabando a fazer um ano sabático até novo convite da federação argentina. Por fim, em 2004, Pékerman assumiu a seleção principal do país e talvez só em 2014 a equipa argentina tenha ficado mais perto de vencer o Mundial do que naquele ano em que apenas caíram aos pés da Alemanha para não mais ser perdoado - ter ignorado pesos pesados como Verón, Zanetti e Samuel não ajudou, bem como a não ajudou a ausência de uma jovem estrela de nome Agüero. Pékerman durou dois anos à frente da Argentina e foram precisos meia dúzia de anos para que se restabelecesse na elite do futebol Mundial. Regressando à segunda casa. Pékerman estava de volta à Colômbia.

Na Colômbia, Pékerman chegou, viu e venceu. Fora ligeiros percalços pelo caminho, claro, mas para a história fica uma qualificação para o Mundial 2014 que terminou um jejum de 16 anos sem qualquer participação colombiana em Campeonatos do Mundo. Um feito celebrado tão efusivamente que imediatamente Juan Manuel Santos concedeu a cidadania colombiana a José Pékerman. Argentino, judeu e, agora, colombiano. No Brasil, a Colômbia arrasou. Venceu os três jogos do grupo, James Rodríguez tornou-se estrela mundial e apenas nos quartos de final caiu, aos pés do Brasil, depois de eliminar o Uruguai. Tudo isto sem Falcao, num ano em que James terminou o Mundial como melhor marcador da competição.

Qualificando a Colômbia para o Rússia 2018, Pékerman igualou a história e pela segunda vez na história da federação cafetera, a Colômbia participou em duas edições consecutivas de um Mundial. Nunca, porém, alguém fez tantos jogos num Mundial à frente da seleção colombiana. Aos 68 anos, a idade não é impeditiva que Pékerman volte a orientar uma equipa num Campeonato do Mundo, mas com o contrato com a seleção colombiana a terminar após o Rússia 2018, não é sequer certo que Pékerman não termine, simplesmente, a carreira. Aí não perdia somente a Colômbia como perdera a Argentina anos antes. Perdia o futebol. Perdia-se Pékerman, o taxista que revolucionou o futebol um pouco por onde passou.