Grande Futebol
Não é preciso ouvir e falar para ser árbitro
2018-05-28 15:00:00
Acha que ser surdo é uma tremenda desvantagem para um árbitro? Jason Taylor explica que não.

Um árbitro tem, geralmente, de ouvir insultos das bancadas, protestos dos jogadores e ira dos bancos. Mas e se o árbitro for surdo? Aquilo que, no quotidiano, é um claro handicap, no futebol, num certo prisma, até tem aspetos positivos.

Este é o caso de Jason Taylor, árbitro britânico. Apita no sexto escalão do futebol escocês e prova que o futebol é para todos. Há poucos dias, recebeu uma notícia: foi nomeado para arbitrar na fase final da Liga dos Campeões de surdos, que decorrerá em Milão, em junho. Taylor vai deixar os jogos das divisões inferiores da Escócia e vai até Itália fazer parte do topo do futebol destinado a surdos.

Querem enganar o surdo? Olhem que ele sabe ler lábios...

Acha que ser surdo é uma tremenda desvantagem? À Federação Escocesa, Taylor explica que não. “Para ser honesto, pensei que fosse uma barreira maior do que acabou por ser. Alguns jogadores tentavam tirar vantagem disso, mas, por sorte, eu sou um grande leitor de lábios. Uso isso a meu favor, por isso sei quando é que eles estão a referir-se a mim. Eles ficam surpreendidos e já fui ganhando respeito”.

O árbitro recorda ainda como é que um surdo, que não ouve nem fala, quis aventurar-se no futebol. “Um dia, fui ver um jogo com o meu pai. Estávamos a ver e a questionar as decisões que estavam a ser tomadas. Porquê esta falta? Porquê este cartão? Não de forma crítica, mas na lógica de as explicarmos da perspetiva do árbitro. O meu pai achou que eu entendia o futebol e disse que ser árbitro seria uma boa forma de eu estar envolvido”.

A seguir, veio ainda um exemplo que Taylor quis colocar em prática. “Hugh Dallas [ex-árbitro internacional] também teve um papel importante, ainda que indiretamente. Eu lembro-me de ver um Old Firm em que ele foi atingido por uma moeda vinda da bancada. Ele estava a sangrar e pensei que iria sair e ser substituído, mas fiquei admirado pela forma como ele regressou e fez o trabalho dele. Foi corajoso e provou que tem pele grossa [tradução literal para uma pessoa que não liga às críticas]. Foi incrível. Mostrou-me como devemos ser como árbitros: não podemos ter medo. Conheço muitos que desistiram, mas se o Hugh – com aquela pressão toda – conseguiu colocar isso de lado, nós também conseguimos”.

Jason Taylor garante que nunca pensou em querer ser um exemplo, mas que a ideia até é boa. “Nunca pensei nisso de ser uma inspiração, mas gosto da ideia. Quando o jogo começa sou como qualquer outro, mas é bom pensar que, fora do jogo, alguém possa sentir-se encorajado a experimentarem a arbitragem. O meu conselho é terem “arcaboiço”, serem imparciais e não levarem as coisas tão a peito”.

Já houve uma equipa que… não ouvia o apito

Este caso fez-nos lembrar a história de uma equipa inglesa que perdia jogos porque… não ouvia o apito do árbitro. E não, não estamos a brincar.

O Birmingham Deaf FC era, como o próprio nome indica, uma equipa de surdos. Competiam contra equipas sem limitações auditivas e, por isso, esta equipa inglesa pedia aos árbitros que fossem compreensivos e, em vez do apito, utilizassem bandeiras que permitissem aos jogadores identificar quando havia uma falta ou qualquer outra paragem de jogo.

O clube chegou a dizer, à imprensa local, que “os árbitros não estão preparados para lidar com uma equipa surda. É suposto usarem bandeiras e, ao mesmo tempo, o apito. A maioria deles esquecem-se de levar ou simplesmente não querem usá-la”.

Um adversário do Birmingham Deaf FC chegou mesmo a dizer que “o árbitro poderia apitar para o intervalo e eles continuariam a jogar”, reconhecendo a surdez total – e não apenas ligeira – dos adversários.