Grande Futebol
Modric: cresceu rodeado pela guerra, é odiado e ao mesmo tempo amado na Croácia
2018-07-12 16:10:00
Luka Modric cresceu no meio da guerra dos balcãs e o futebol falou-lhe mais alto do que as granadas e as balas perdidas.

Aos seis anos, Luka Modric era refugiado da guerra pela independência da Croácia. Aos 32, é uma das principais razões pelas quais a seleção croata vai marcar presença na final do Mundial. A vida do médio foi abalada por um episódio traumático logo em criança. Nascido em 1985, numa pequena aldeia nas encostas das montanhas Velebit no norte da Dalmácia, Modric cresceu no meio das guerras balcãs. Em 1991, a zona onde Modric vivia era constantemente alvo de raides por parte de milícias sérvias e numa dessas ocasiões o avô do jogador, também de nome Luka, foi capturado e brutalmente assassinado. Como resultado desse incidente, os pais de Modric foram forçados a deixar a terra natal para procurar refúgio na cidade de Zadar.

Foi aí que surgiu o Hotel Iz na vida do pequeno Luka. Numa habitação onde a eletricidade e a água potável eram um bem escasso, o dia a dia era pautado pelo som de granadas e das balas disparadas. Evitar as minas terrestres enterradas no meio das ruas também faziam parte da norma diária do internacional croata. A passar a infância num cenário destes, Modric agarrou-se à vida com uma paixão: o futebol. Lá fora, os tempos eram de guerra, mas nem por isso ele deixava de andar aos ‘pontapés na bola’ em torno do parque de estacionamento do hotel e até no interior das instalações. Nem interessava o estado do esférico… para Modric, bastava que desse para dar uns toques.

“Ouvi falar de um pequeno rapaz hiperativo que estava constantemente a jogar futebol no corredor de um hotel de refugiados, até ia dormir com a bola”, recordou Josip Bajlo, que era o treinador do NK Zadar na altura, equipa na qual Modric começou a dar os primeiros passos e a ganhar nome no desporto rei. Assim que o técnico viu o jovem Luka com o esférico nos pés, levou-o para as camadas jovens do clube e este destacou-se desde logo. “Ele era um ídolo para a geração dele, um líder, um favorito”, salientou Bajlo, declarações reproduzidas pela AFP. Como nem a cidade de Zadar conseguia escapar à guerra que se vivia, o caráter de Modric foi moldado por ela. “Aconteceu várias vezes que estávamos a ir para o treino e as granadas começavam a cair e rebentar e tínhamos que ir a correr para os abrigos”, lembrou Marijan Buljat, ex-colega de Modric nas camadas jovens.

“Quando a guerra começou, tornámo-nos refugiados e foram tempos muito difíceis. Eu tinha seis anos. Foram mesmo tempos complicados. Lembro-me deles vividamente, mas não é algo de que te queiras recordar ou pensar”, referiu Modric sobre o tema. “Vivemos num hotel por muitos anos enquanto tínhamos dificuldades financeiras, mas eu sempre amei o futebol. Lembro-me que as minhas primeiras caneleiras tinham o Ronaldo brasileiro nelas e eu adorava-as. (...) A guerra tornou-me mais forte, foi um momento muito difícil para mim e a minha família. Não quero carregar isso para sempre comigo, mas também não me quero esquecer”, destacou o internacional croata, citado pelo The Sun.

Com apenas dez anos, Modric foi alvo de rejeição da parte do Hajduk Split, pois os olheiros do clube acharam-no muito leve e fraco fisicamente para se tornar num jogador de alto nível no futebol. Modric não se deixou ir abaixo e já em sénior tornou-se uma das principais figuras do Dínamo Zagreb, clube que o catapultou para as grandes ligas europeias, primeiramente no Tottenham e depois no Real Madrid. O resto é história. Com 32 anos, o palmarés do médio está composto por quatro Champions, dois Campeonatos do Mundo de clubes, três Supertaças Europeias, uma Liga Espanhola e outros tantos títulos no país de origem. Como se isso não bastasse, chega agora o momento de atingir o topo pela seleção na qual soma já 112 internacionalizações. No próximo domingo, Modric vai capitanear a Croácia na final do Mundial diante da França. Será que vai erguer o troféu?

Uma polémica que levou ao ódio por Modric na Croácia

Caso acabe por erguer o troféu, em caso de conquista do Mundial, o regresso de Modric à Croácia poderá não vir a ser o de um herói. Aqui, não entra em equação aquilo que o médio do Real Madrid faz dentro das quatro linhas, pois nesse capítulo a qualidade é inegável, até para os olhos dos mais céticos. Tudo por culpa de uma suspeita de que Modric prestou um falso testemunho para ajudar Zdravko Mamic, conhecido por “padrinho” do futebol croata. O ex-dirigente do Dínamo Zagreb foi condenado, em junho, a seis anos e meio de prisão por corrupção e desvio de fundos em transferências de futebolistas, uma delas sendo a de Modric.

Quando foi a tribunal, Modric deu conta de que tinha assinado um acordo com Mamic, datado de 2004, com a promessa de metade dos lucros da sua transferência a receber futuramente. Só que, em 2015 o internacional croata tinha referido um cenário diferente, ou seja, que esse anexo tinha sido assinado quando já estava a jogar no Tottenham (chegou aos ingleses em 2008/09). Desde então, mais precisamente em março, Modric foi indiciado pela justiça do país, devido a falso testemunho, por ter alterado a versão dos factos.