Grande Futebol
Marinho Peres: capitão, desertor e um sonho que virou pesadelo em Barcelona
2018-06-09 18:05:00
Marinho Peres foi capitão da seleção brasileira de 1974 que desiludiu o Mundo do futebol e viveu uma aventura em Espanha

Marinho Peres. Marinho Peres Ulibarri. Marinho Peres tem tanto de paulista como de madrileno ou navarro. Nascido em Sorocaba no estado de São Paulo, quisesse Marinho Peres e o seu percurso futebolístico podia ter sido bem diferente. Quis, o antigo treinador de Belenenses, Marítimo, Vitória SC ou Sporting que assim não o fosse. Foi pelo Brasil que sempre jogou. Foi a canarinha que sempre defendeu. Pelo Brasil fez doze jogos e marcou um golo. Sete deles, durante o Mundial de 1974. Capitaneando a seleção do seu país. Não o dos seus pais. Esse é Espanha. Onde jogou e de onde teve de fugir.

Com três títulos mundiais nos quatro torneios anteriores, o Brasil chegou à Alemanha com a expetativa de sempre: Erguer o troféu máximo do futebol. O pós Pelé, porém, não foi escrito de glória. Depois de dois empates a zero perante Jugoslávia, só uma vitória por 3-0 perante o Zaire permitiu que a seleção brasileira seguisse em frente na competição apesar da igualdade pontual com a Escócia e a Jugoslávia. Ao Brasil valeu um golo do jugoslavo Karasi perante a Escócia para que os britânicos acabassem eliminados da competição e o Brasil seguisse em frente. Na segunda ronda, porém, não houve novo milagre. Apesar das vitórias tangentes perante a Alemanha Oriental e a Argentina, uma derrota por 2-0 perante a Holanda atirou o Brasil para o segundo lugar do grupo e para fora da decisão final vencida pela Alemanha Ocidental. O Brasil de Marinho Peres nem a consolação do terceiro lugar teve ao perder com a Polónia por 1-0. Para o antigo vencedor da Taça de Portugal, porém, nada mais seria igual. Ali começou um sonho que virou pesadelo.

Longe do fulgor de seleções de torneios anteriores, o quarto lugar alcançado pelo Brasil no Mundial de 1974 levou mesmo a France Football a apelidar a equipa de Zagallo como "a deceção do ano no futebol". O Brasil fez apenas seis golos em sete jogos, três deles de Rivellino. Na defesa, porém, no centro dela, Marinho Peres fez justiça a si próprio. Então jogador do Santos, as boas exibições de Marinho Peres durante o torneio aguçaram a cobiça do futebol europeu e, sabendo da genealogia de Marinho Peres, o interesse do FC Barcelona consumou-se mesmo em matrimónio. Marinho Peres até podia ter nascido em São Paulo, porém, de pais espanhóis, tudo o que Peres precisava era oficializar a cidadania espanhola para se transferir para a Catalunha. Assim fez sem saber que isso iria despoletar um verdadeiro pesadelo.

Orientado por Rinus Michels e com Cruyff e Neeskens no plantel, poucas equipas nos anos 70 foram tão especiais quanto o FC Barcelona. Na era em que apenas dois jogadores estrangeiros podiam atuar no futebol espanhol, porém, Marinho Peres tinha uma problema. Enquanto não obtivesse passaporte espanhol não o poderia fazer. Fê-lo. Afinal, apesar de ter nascido em São Paulo, Marinho Peres era filho de pai - médico em Madrid - e mãe espanhois que após a segunda guerra mundial atravessaram o Atlântico para recomeçar a vida e se estabelecerem no Brasil. A aventura de Marinho Peres, por Espanha, teve um fim abruto. Ou fugia, ou teria de cumprir serviço militar obrigatório.

Desde o dia em que aterrou em Espanha nada mais foi igual para Marinho Peres. Já ia avisado, admite, porém, nada o preparou para o bombardeamento que se seguiu. “Tive que ir um dia até lá para mostrar que estava vivo”, lembra. A toda a hora Marinho Peres recebeu avisos da Marinha Espanhola em como se tinha de apresentar ao serviço para cumprir o serviço militar obrigatório e nem os esforços promovidos pelo FC Barcelona surtiram efeito. Marinho Peres virou alvo de chacota e só parou quando finalmente fugiu do país. "Os madrilenos falavam que o Barcelona tinha contratado um jogador que tinha que servir o Exército. Eu era motivo de risos. Como eu iria dar uma entrevista sendo que só perguntavam se fui contratado para o serviço militar? A cada lugar que eu ia jogar os adeptos falavam disso, a imprensa. Era uma piada. Ninguém falava de outra coisa comigo. Os adeptos gritavam, os jogadores falavam nisso. Minha cabeça ficava sempre nisso", recordou Marinho Peres ao UOL.

Marinho Peres chegou ao Barcelona como figura do futebol mundial, mas de pouco isso lhe serviu. Na época de estreia ao serviço dos catalães até participou em 25 encontros, marcando quatro golos, mas só havia uma solução possível para que não fosse obrigado a passar três anos longe dos relvados e a cumprir serviço militar obrigatório: era preciso que Marinho Peres regressasse ao Brasil para que o pesadelo terminasse. Ainda para mais, estando sozinho na Catalunha. "Imagine só estar num lugar desses sozinho e pressionado para servir as Forças Armadas. Eu não jogava o que poderia jogar”. A certa altura a pressão tornou-se insustentável.

Depois de ano e meia de tentativas incessantes do Barcelona para impedir Marinho Peres de ser chamado a cumprir o serviço militar obrigatório, a situação chegou a um ponto em que o antigo capitão da seleção brasileira podia ser detido para que o fizesse. “Chegou um momento que o Barcelona falou ´Marinho, você tem que ir, tem que se mandar´". O Barcelona iniciou então uma negociação relâmpago com o Internacional e nem ao telefone Marinho Peres queria falar com medo de estar a ser controlado. A confirmação da venda de Marinho Peres do Barcelona para o emblema de Porto Alegre não foi o fim do pesadelo. Foi, aliás, o início de uma aventura que dava um verdadeiro filme de ação.

Acertada a venda de Marinho Peres, o defesa brasileiro foi aconselhado pelo clube catalão para que desaparecesse de forma repentina sem avisar quem quer que fosse. Colocou um taxi à disposição de Marinho Peres para o capitão canarinho seguisse para França e, aí, apanhasse o avião rumo ao Brasil. "Qualquer coisa não somos nós", disseram os responsáveis do clube catalão a Marinho Peres. "O Barcelona em tese não poderia estar envolvido nisso. Nem me despedi dos jogadores. Depois da minha saída é anunciaram que eu tinha ido embora", recordou. “Então tive que fugir para o Brasil. Eles tiraram-me o passaporte espanhol. E fugi para o Brasil com o meu passaporte brasileiro pela França, por trás nos Pirineus. Deram-me uma dica e saí por trás. Apanhei um táxi e saí sem me despedir, sem ninguém ver. Eu tinha que sair como foragido, pois fazer Marinha eram três anos, não é?” recordou Marinho Peres.

Marinho Peres regressou então ao Brasil e nos anos que seguiram viveu sempre a olhar por cima do ombro. Deslocando-se regularmente à embaixada espanhola no Brasil, inquirindo acerca da normalização da situação que nunca chegou. Durante quinze anos Marinho Peres não pode pisar solo espanhol sob pena de ser detido. Era, afinal, um desertor. Fê-lo, ao serviço do Belenenses, para defrontar o Barcelona. “Quando lá cheguem todos me disseram 'você pode ser preso porque é um desertor'. Ainda bem que ninguém da polícia me apanhou. Fiquei muito tempo sem poder entrar lá. Depois, por fim, fui avisado pelo Brasil que estava livre e que poderia voltar a entrar em Espanha normalmente. Acho que depois da morte de Franco, a situação ficou melhor", afirmou.

De ídolo na Portuguesa e no Santos, a capitão da seleção brasileira, terminando como jogador do Barcelona e foragido às autoridades espanholas através de uma fuga de carro pelos pirinéus, não esquecendo o título nacional ao serviço do Belenenses, a vida de Marinho Peres dava um livro. Capitão, foragido e um sonho que acabou por se tornar pesadelo.

O PERCURSO RUMO AO RÚSSIA 2018

A qualificação do Brasil para o Campeonato do Mundo 2018 não podia ter sido mais dominante e tranquila. A equipa de Tite foi, aliás, a primeira equipa de todas as fases de qualificação a garantir o passaporte para o Rússia 2018. A equipa brasileira apenas perdeu um jogo em toda a fase de qualificação, curiosamente, logo na primeira jornada em Santiago, por 2-0, perante o Chile. Desde então o Brasil dominou a qualificação, vencendo 12 dos 18 jogos disputados, empatando outros cinco.

O JOGADOR A SEGUIR: Paulinho

Patinho feio do futebol brasileiro desde a passagem falhada por Londres ao serviço do Tottenham, Paulinho é neste momento um dos elementos fulcrais da manobra de Tite na Canarinha. Mesmo a jogar na China, as características de Paulinho encaixaram de forma tão perfeita no estilo de jogo de Tite que foi ao serviço do Brasil que Paulinho reabilitou a carreira e regressou ao futebol europeu pela mão do Barcelona. É um jogador fulcral para a ligação entre a defesa e o ataque do Brasil e especialmente importante em lances de bola parada ofensiva. Num elenco tão conhecido não é fácil destacar um jogador a seguir, mas a influência de Paulinho é tanta que só vendo como se encaixa em campo é possível perceber a mesma.

OS CONVOCADOS

Guarda Redes: Alisson (AS Roma), Cássio (Corinthians), Ederson (Manchester City);
Defesas: Thiago Silva (PSG), Miranda (Inter Milão), Geromel (Grémio), Filipe Luís (Atlético Madrid), Marcelo (Real Madrid), Marquinhos (PSG), Danilo (Manchester City) e Fagner (Corinthians);
Médios: Casemiro (Real Madrid), Renato Augusto (Beijing Guan), Philippe Coutinho (FC Barcelona), Paulinho (FC Barcelona), Fernandinho (Manchester City), Fred (Manchester United), Willian (Chelsea);
Avançados: Douglas Costa (Juventus), Gabriel Jesus (Manchester City), Neymar (PSG), Roberto Firmino (Liverpool FC) e Taison (Shakhtar)

O ONZE PROVÁVEL

TREINADOR: Tite

GUIA BANCADA: O MUNDIAL EM HISTÓRIAS

Grupo A

Rússia: O dia em que Rússia boicotou e "roubou" a Ucrânia para jogar o Mundial
Arábia Saudita: A lenda do "Pelé do Deserto", o terror de Setúbal
Egito: O futebol nascido de uma tragédia
Uruguai: Uruguai quer fazer um Maracanazo. Ou um Maracanazov

Grupo B

Portugal: Portugal, toca a jogar pelo chão que, de “Saltillos”, já foi suficiente
Espanha: O dia em que o General Franco teve medo dos russos e tirou um título à Espanha
Marrocos: "África minha" de Hervé Renard tem novo capítulo em Marrocos
Irão: Carlos Queiroz e o Irão: uma relação de amor e ódio

Grupo C

França: Didier Deschamps, o capitão da saga de 1998 em busca da redenção como treinador
Austrália: Um continente pequeno demais para uma seleção
Perú: O amor que os brasileiros ganharam ao Peru e a Cubillas, com a Argentina no meio
Dinamarca: Elkjaer fumava e bebia, mas corria que se fartava

Grupo D

Argentina: O dia em que Deus deu a mão para Maradona ficar na história do futebol
Islândia: Islândia e a aritmética que permite escolher os 23 convocados
Croácia: Quando Boban e Suker viraram heróis de uma nação
Nigéria: Yekini, um lugar na história da Nigéria e no coração dos portugueses

Grupo E

Brasil: Marinho Peres: capitão, desertor e um sonho que virou pesadelo em Barcelona